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Cognac
Cavaleiro e diabo, olho no olho. O
demônio ameaça ferver o corpo do mocinho duas vezes para extrair sua alma.
O processo de destilação dupla que dá origem ao Cognac nasceu de um sonho,
diz a lenda. O resultado é uma bebida de personalidade única. Para alguns, o
que o vinho tem de melhor.
Na vida real, foram os mercadores,
principalmente ingleses e holandeses, que começaram a destilar o vinho para
não comprometer sua qualidade durante as longas e penosas viagens de navio.
O vinho queimado, ou brandewijn em holandês, é o parente mais antigo
do brandy (todo cognac é um brandy, mas nem todo brandy é um cocnac).
Durante o século XVII, os produtores começaram a destilar o vinho duas
vezes para que o álcool concentrado, chamado de «eau-de-vie» (água da vida)
pudesse viajar de forma segura e econômica. Chegando ao destino, este
álcool, armazenado em barris de carvalho, seria diluído. Um dia, não foi. E
os comerciantes descobriram que a água da vida, em contato com o carvalho,
melhorava com o tempo. O batismo veio em seguida: Cognac, cidade que reunia
os produtores da água da vida, ao norte de Bordeaux.
As águas do rio
Charente, que atravessam Cognac, deram fama e força ao tino comercial dos
habitantes. Clima e solo convidavam à produção do vinho. Antes dele, o sal
já tinha uma participação importante no comércio local.
Foi a
religião que ajudou a disseminar a bebida pela Europa. Os protestantes de
Cognac eram protegidos pelo Édito de Nantes, legislação local que garantia
«o direito de culto e veneração, e o reino dos céus». Mas assim que Luís
XIV, o Rei Sol, assumiu o trono e cancelou o Édito, muitas famílias fugiram.
Recomeçaram a vida na Inglaterra, Irlanda e Holanda, importando o Cognac da
região que foram obrigados a abandonar. Uma forte rede de exportação, que
chegou até a América do Norte, começou a se formar. Em seguida, os
comerciantes abandonaram os barris e adotaram as garrafas. A iniciativa
criou uma indústria paralela, que produzia caixas, rolhas, rótulos e as
próprias garrafas.
Mas o mundinho de Cognac corria o risco de acabar.
No fim do século XIX, o fungo phylloxera atacou as uvas da região e
trouxe a crise. Abalados com a destruição dos vinhedos, os produtores só
respiraram (ou beberam) aliviados quando um cientista francês trouxe de
Dennison, Texas, nos Estados Unidos, a cura para o fungo que abalou Cognac.
Para celebrar o centésimo aniversário desse acontecimento, Dennison e Cognac
tornaram-se cidades-irmãs, em 1388.
O replantio dos vinhedos deu novo
impulso à economia local, que ganhou status de região delimitada a partir de
1903. O tratado assinado nesse ano dizia que apenas as bebidas produzidas
com o álcool concentrado da zona protegida e com uvas autorizadas poderiam
se chamar Cognac. A produção e o envelhecimento seguem técnicas especiais,
que envolvem destilação dupla em alambiques de cobre e envelhecimento em
barril de carvalho por um período de tempo mínimo.
A REGIÃO
O vale do rio Charentes - no centro-oeste da França - está dividido em
seis áreas de vinicultura diferentes (ou crus). O solo rico em argila e o
clima ensolarado favorecem o plantio das cepas. As uvas para fazer cognac
costumam ser fracas e ácidas. As mais utilizadas são a Ugni Blanc, conhecida
como Saint Emilion, francesa, e a Trebianno, da Itália. Cada uma das regiões
- Grande Champagne, Borderies, Petite Champagne, Fins Bois, Bons Bois e Bois
Ordinaires - produz bebidas diferentes e complementares. Elas formam um
bolsão em torno de Cognac. Quanto mais longe do centro, mais encorpada a
bebida. Mas é a mistura desses diferentes produtos que dá ao Cognac sua
personalidade.
Ele é denominado como Cognac (mistura de vários vinhos
da região), Grande Fine Champagne Cognac (com 100% das uvas de Grande
Champagne), Fine Champagne Cognac (50% de Grande Champagne e no máximo 50%
de Petite Champagne) e Petite Fine Champagne Cognac (com 100% de Petite
Champagne).
Todo Cognac, por definição, é um brandy, por
caracterizar-se como um destilado vínico, da região de Cognac, que pode
conter misturas de outros destilados da mesma região. Qualquer outro brandy,
produzido fora da zona delimitada e que passe por processo de destilação
distinto não pode ser chamado de Cognac. Entre eles estão o Armagnac, Pineau
de Charentes, Bagaceira (de Portugal), Marc, Grappa (da Itália) e Pisco (do
Peru).
DESTILAÇÃO
O segredo do Cognac é o processo de
destilação, que concentra os aromas mais delicados do vinho. Após a
fermentação do suco da uva, o vinho branco é transformado em álcool
concentrado (eau-de-vie). Apenas a porção central da segunda destilação será
utilizada. A primeira parte tem muito álcool e a última, pouca harmonia. Os
alambiques de cobre, onde acontece a destilação, são utilizados há mais de
três séculos. De origem árabe, chegaram à França na época das cruzadas e
eram utilizados para a produção de essências medicinais e perfumes.
Na primeira fase, o vinho, sem filtrar, é fervido num recipiente de cobre.
Ao passar por uma espécie de mangueira condensadora, o vapor do álcool
transforma-se num líquido chamado broulli, com 30% de teor alcoólico.
O broulli é então destilado pela segunda vez. Nesse momento, a
atenção do produtor dobra, já que deve escolher a hora certa de separar a
parte central (coração) da destilação, extraindo o que se chama de cabeça e
cauda do processo. O álcool incolor obtido nesta fase tem até 72º GL. É
através da adição de água e outros destilados mais fracos que o Cognac perde
de 40% a 45% do álcool. Caramelo e açúcar também podem ser acrescentados.
ENVELHECIMENTO
Só o envelhecimento em barril de carvalho
transforma o álcool destilado em Cognac. A porosidade da madeira ajuda o
Cognac a perder parte de seu teor alcoólico, que começa a maturar com 72% do
volume de álcool. Este processo tem três fases.
O primeiro, chamado
de extração, é quando a madeira passa ao destilado a maior parte dos seus
taninos, aromas e sabores. A cor âmbar também é adquirida nesta fase. Quanto
mais jovem o barril, mais taninos passará à bebida. Em seguida vem o
envelhecimento, também chamado de degradação ou hidrólise, que deixa a
bebida com as qualidades próprias para o consumo depois de dois ou três
anos. Quanto mais tempo o Cognac for envelhecido, mais complexidade, aroma,
perfume e sabor ganha. A suavidade e o bouquet são aperfeiçoados com mais de
50 anos. Finalmente, a oxidação confere ao Cognac o bouquet final e sua
tonalidade dourada. Uma vez transferido à garrafa, a bebida não amadurece
mais.
IDENTIFICACÃO
O rótulo de uma garrafa deve mostrar a
origem e a idade do destilado mais jovem da mistura. O Cognac só pode ser
vendido quando a porção mais jovem atingir pelo menos dois anos e meio de
armazenamento em barril de carvalho.
As classificações são V.S. (Very
Special) ou três estrelas, para quando a porção mais jovem tiver entre dois
anos e meio e quatro anos e meio. V.S.O.P. (Very Superior Old Pale), também
chamado de reserva, que tem entre quatro anos e meio e seis anos e meio de
maturação e o Napoleon, ou X.O. (Extra Old), também chamado de Hors d'age,
com no mínimo seis anos e meio. A maior parte dos produtores deixa essa
última categoria envelhecer até 20 anos, para que atinjam suas melhores
características.
Fonte: Charutos & Cia. Editor responsável
de bebidas: James Mackays
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