Pesquisa investiga uso indevido de ansiolíticos
entre mulheres

Karina Toledo
A maioria das mulheres que fazem uso indevido de
ansiolíticos compra os medicamentos com receita médica, mas apesar de serem
acompanhadas por um profissional de saúde não recebem orientação adequada sobre
os riscos do uso prolongado desse tipo de droga.
As conclusões estão em
um artigo publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva por pesquisadores da
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
O estudo qualitativo,
financiado pela FAPESP e coordenado por Ana Regina Noto, entrevistou 33 mulheres
entre 18 e 60 anos com o objetivo de compreender os padrões de uso indevido de
benzodiazepínicos.
Essa classe de medicamentos – da qual fazem parte o
Rivotril, o Dormonid e o Alprazolam – é indicada principalmente para tratar
quadros de ansiedade e insônia. Seu uso por mais de quatro semanas, contudo, não
é recomendado pelo risco de desenvolvimento de dependência.
No estudo da
UNIFESP, foram definidos como uso indevido os casos de pacientes que compraram o
medicamento sem prescrição médica ou que consumiram a droga em quantidades ou
prazos superiores ao recomendado.
“Levantamentos epidemiológicos têm
indicado com frequência o uso abusivo de benzodiazepínicos e decidimos
investigar esse fenômeno com mais profundidade. Optamos pelas mulheres porque é
a população que esses estudos apontam como a de maior consumo”.
Das 33 mulheres entrevistadas, 24 disseram receber acompanhamento
médico e 30 afirmaram comprar o medicamento com receita apropriada. No entanto,
apenas cinco entrevistadas souberam mencionar as principais orientações que
devem ser dadas sobre o consumo de benzodiazepínicos: não usar em associação com
o álcool, não dirigir sob o efeito da droga e o risco de dependência associado
ao uso prolongado.
“Os benzodiazepínicos são drogas depressoras do
sistema nervoso central e, se consumidas com álcool, esse efeito é
potencializado. Isso diminui a coordenação motora e aumenta as chances de a
paciente se envolver em vários tipos de acidente. É uma importante causa de
queda entre os idosos”, afirmou a pesquisadora.
A maioria das
entrevistadas afirmou usar a droga por períodos superiores ao recomendado. O
tempo mencionado variou entre 50 dias e 37 anos, sendo que a mediana foi de sete
anos. Apesar disso, apenas 16 mulheres reconheceram ser dependentes e a maioria
afirmou que prefere assumir os riscos do uso crônico para manter os benefícios
proporcionados pela droga.
“Alguns estudos sugerem que o uso de
benzodiazepínicos ao longo de muitos anos pode trazer prejuízos cognitivos,
afetando principalmente a memória. Mas a dependência em si já é um grande
problema, pois faz com que a paciente perca sua autonomia e a capacidade de
controlar seu próprio comportamento”.
No artigo,
algumas pacientes relatam sentir desespero e angústia ao perceber que os
comprimidos estão acabando e ao pensar que teriam de ficar sem o medicamento.
Dizem ainda sentir irritação e dificuldade para dormir quando estão sem a droga.
Segundo Ana Regina, a maioria das pesquisas científicas tem como tema o
consumo de drogas ilegais, como crack, cocaína e maconha, mas também é preciso
dar atenção ao uso de psicotrópicos vendidos na forma de medicamentos.
“O
uso abusivo desse tipo de droga não é tão valorizado na sociedade, mas acontece.
Os dependentes existem e não são identificados. Há subnotificação”.
O relato das pacientes indica também que uma parcela dos médicos tem
consciência do uso abusivo e facilita o acesso ao medicamento. “Nós tínhamos uma
hipótese de que essas mulheres adquiriam os medicamentos de forma clandestina,
mas não foi o observado. A maioria passa por um médico e consegue a receita”,
disse a pesquisadora.
As pacientes, completou, desenvolvem estratégias ao
longo do tempo para garantir o acesso à droga. “Vão mudando de médico ou já
procuram um profissional que elas sabem que vai prescrever o medicamento. Elas
vão aprendendo a fazer a queixa. Já sabem que com um determinado discurso vão
conseguir a receita.”
Quando questionados sobre por que continuam
prescrevendo a droga nesses casos, os médicos afirmam não
existir alternativas na rede pública de saúde para lidar com a ansiedade e a
insônia de suas pacientes.
“Seria preciso proporcionar acesso a
atividades como ioga, meditação e outras técnicas de relaxamento. Além disso, é
necessário conscientizar os médicos para que possam orientar adequadamente as
pacientes.”
O artigo Contextos e padrões do uso indevido de
benzodiazepínicos entre mulheres é resultado do projeto de mestrado de Ana Rosa
Lins de Souza, bolsista da FAPESP e orientanda de Ana Regina. O conteúdo pode
ser lido em
www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/artigo_int.php?id_artigo=9703.
Fonte: Agência FAPESP