16/09/2022
Ano 25
Número 1.288


 

ARQUIVO
VIEGAS F. DA COSTA

Viegas Fernandes da Costa
 

Valeu Faccioli!

 

Viegas Fernandes da Costa - CooJornal

Leio na edição de janeiro do Rascunho o ensaio de Luiz Paulo Faccioli, intitulado "Os belos crimes de Agatha", no qual revela seu respeito e admiração pela obra de Agatha Christie. Bonito texto sobre uma das autoras mais lidas e comentadas, e criadora de um universo literário gigantesco. Só de romances, novelas e contos do gênero policial são quase noventa títulos, além das peças de teatro, coletâneas de poemas, biografias e romances não policiais.

O ensaio de Faccioli me transportou para a juventude, em uma noite de Natal, quando sob o pinheirinho surgiram dois livros de Agatha, "O caso dos dez negrinhos" para este escriba aqui, e os "Cinco porquinhos" para o Aldori, meu irmão. Nossos pais tinham escolhido o presente ideal!

Na literatura policial, lembro-me da experiência de ler "O cão dos Baskerville", de Arthur Conan Doyle, em uma tarde de folga escolar. O mergulho foi tão intenso, que só descansei quando dei cabo do romance, naquele mesmo dia. Até então, Sherlock Holmes era uma referência vaga para mim, e Conan Doyle passou a ser o meu sonho de consumo em histórias policiais. Até aquele Natal bibliográfico!

Ao ler Agatha Christie, meu irmão e eu inauguramos uma experiência de cumplicidade literária. Ao final de cada obra, publicada pela editora Record, em uma coleção popular, constava a relação dos demais títulos da autora, e eram sempre muitos! Aldori e eu passamos, tal qual relata Faccioli em sua experiência particular, a anotar os títulos já lidos. Meu irmão, claro, sempre estava na frente.

Ocorria, muitas vezes, de lermos o livro que o outro já havia lido, e então rolavam debates a respeito da trama, e também alguma chantagem do tipo: "cara, se tu me incomodares, conto quem é o assassino". Tempos divertidos, em que Agatha Christie conduzia nossos olhos, encontros, papos e divergências. Nossa preferência por Hercule Poirot era, entretanto, consensual. Miss Marple, com todo aquele seu tricô, não nos despertava a mesma simpatia. Roger Ackroyd, Parker Pine e o casal Tommy Tuppence Beresford apareciam pouco, e por isso não disputavam em condições de igualdade nossa atenção.

Como não possuíamos dinheiro, garimpávamos os livros na Biblioteca Pública Fritz Muller, de Blumenau. Um ou outro conseguíamos nos sebos locais, ou emprestados de amigos. Aldori leu muitos mais do que eu, haja visto seu senso de disciplina e persistência. Não creio que chegou a ler a coleção inteira, mas certamente deve ter chegado bastante perto disto. Eu devo ter lido uns trinta livros, algo assim. Muito aquém da vasta obra que Agatha Christie legou.

Nossas listas de leitura por alguns anos rolaram entre nossos papéis. Compará-las era divertido. Depois, o fluxo da vida foi tecendo caminhos, curvas, desvios. Perderam-se as listas, Agatha Christie ficou na memória de uma época feliz e seguimos nossas histórias. Bom é reencontrar o sabor do passado e da cumplicidade fraternal em um ensaio de jornal. Valeu Faccioli!


(RT, 01 de fevereiro/2015)
CooJornal nº 922


Viegas Fernandes da Costa é historiador e escritor.
Autor dos livros "Sob a Luz do Farol" (Crônicas, 2005), "De Espantalhos e Pedras Também se Faz um Poema" (Poemas, 2008) e "Pequeno Álbum" (Contos, 2009).
Atualmente leciona História no Instituto Federal de Santa Catarina e é cronista do Jornal de Santa Catarina.
Reside em Blumenau, SC.


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