01/05/2022
Ano 25
Número 1.270





 

ARQUIVO

PEDRO FRANCO


 


 

 


Shakespeare, o Professor e o amor

Do amor falam muitos poetas e seria cansativo citar vários. Ficam então representados por Shakespeare, Vinicius e Pessoa.

Shakespeare – “Amor quando é amor não definha/ E até o final das eras há de aumentar./ Mas se o que eu digo for erro/ E o meu engano for provado/ Então eu nunca terei escrito,/ Ou nunca alguém terá amado.”

Vinicius de Morais – Avassalador e hiperbólico, o amor é o maior e mais forte, capaz de atravessar as marcas temporais e mundanas. Porém, altamente frágil e sensível, intenso: “posto que é chama/ Mas que seja infinito enquanto dure.”(Soneto da Fidelidade, outubro de 1939). Toma a imortalidade por duração? E o poeta como apregoava em suas poesias que as lindas soubessem perdoar! Interesse pessoal, quem sabe?

Fernando Pessoa – O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

Tínhamos um Professor Titular de Cirurgia que era artista, detestava mutilar pacientes e lutava por reconstruções cirúrgicas. Suas aulas, além de primarem pela técnica, eram bonitas e agradáveis, porque, sendo pintor, seus “slides” eram pinturas de notável bom gosto. Jovens, já demos aulas com slides e caprichávamos nos mesmos. O Professor era culto e em qualquer movimento cultural da Escola podíamos contar com ele. E, não tendo, desde a entrada na Escola, ideias cirúrgicas, só depois de formado, tendo passado em concurso para professor assistente de Clínica Médica e sendo interessado nas Jornadas do Hospital, tive mais contato com ele, que era o Presidente naquele ano. E em reunião preliminar o Professor, e falava bem, desandou a fazer elogios a um dos componentes da jornada. Disse aos meus botões, o elogiado vai se enfiar debaixo da mesa, pois a dose de elogios estava elevada e vindo de quem vem, até avaro nos encômios, vai ser notável. E o Professor arrematou. Todos sabem que estou me referindo e disse meu nome. Portanto o Professor me admirava, mais até do que esperava. E enquanto esteve em atividade, tivemos ótimos contatos. Eis que um dia pelo telefone interno perguntou se estava muito ocupado e não estava. Então venha à minha sala. Fui e pensando que alguma jornada estava em perspectiva. E para meu espanto, nós dois sós na sua bem montada e cultural sala, muito diferente das demais, perguntou de chofre. - Você acredita no amor? Ele não acreditava e argumentava bem, até porque definir, explicar amor, é complicado. E amigavelmente e sem excessos discutimos o acreditar, explicar o amor. Não acreditava, tinha razões de peso e ainda que saísse da sala com a mesma credulidade pelo mais importante sentimento, aceitei razões e tive a ousadia de dizer que ele tivera apenas paixões e não amor. Não o convenci sobre o amor, ainda que o Mestre, percebi, tivesse gostado da polêmica. Provavelmente julgara tolos meus argumentos, só que defendidos com alma. E se não julguei os dele desprezíveis, lamentei muito que alguém com tantas qualidades não tivesse encontrado o amor. Para então de fato acreditar, que havendo amor, vale a pena sofrer e viver. 


Comentários sobre os textos podem ser enviados ao autor, no email pdaf35@gmail.com 



Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica da Escola de Medicina e Cirurgia da UNI-RIO.
Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral

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