16/11/2021
Ano 24
Número 1.248





 

ARQUIVO

PEDRO FRANCO


 


 

 


Tempos românticos e até serenata


Queiram ou não o romantismo murchou. E vão dizer que o romantismo encobria muita hipocrisia. Até que concordo, só que, se não houvesse falsidade, era muito bom ser romântico e encontrar parceira romântica. E atos, hoje ditos cafonas, foram muito usados e aplaudidos. Segui a cartilha romântica ao pé da letra? Não, pois se seguisse cartilha, perderia espontaneidade. Cito logo ação que nunca fiz, que achava forçada. Sair correndo da direção do automóvel e abrir porta para ela. Mandar flores, mandei, fiz poesia, modesta como arte poética, só que carregada de sentimento. Não íamos ao tango, que era exibição, só que dançar um bolero, ou determinados sambas dolentes... E tínhamos músicas. E a primeira que dançamos foi Que saudades da Amélia (de Ataulfo Alves). Orquestra de Oswaldo Borba, Clube Ginásio Português. E Amélia não era música romântica, Tínhamos dezessete anos e queríamos danças logo e se tocasse Mamãe eu quero, teríamos dançado também. Tudo conosco acontecia em setembro e nossa música ficou “September Song” (Kurt Weill e Maxwell Anderson). Tenho primos que a deles era “Only you” com The Platters. Amigo tem “Viola enluarada” para o casal. E todos tinham música? Eram raros. Os românticos, quando os romances se rompiam, qual tatuagens de nomes, músicas ficavam dolorosas. Por sorte nossa, à época, tatuagem era coisa de marinheiro ou mariposa. Por favor, politicamente correto não veja preconceito, já que conto conceito de sessenta anos atrás. O primeiro cadáver que dissequei e os corpos eram de indigentes, tinha tatuado, no peito, amor de mãe. Marilene tatuou Paulinho, brigaram e o Paulinho, tatuagem, ficou nas costas dela, para raiva do marido, que se chamava Euzébio. E na praia, ela de biquíni, perguntavam à Rosa, quem é Paulinho. Euzébio gritou ao vendedor ambulante. Salta um espetinho de camarão com uma ceva gelada, seguidos de mergulho, para esfriar a cabeça. E muito romântico amou não românticas e vice-versa e lhes ficou um romantismo capenga. Tenho conhecido do meu time de românticos, que nada tem com os Românticos de Cuba, que conta que após deixar a namorada e namoros não passavam das dez horas da noite e sempre sob marcação cerrada da família visitada, voltava para casa, inebriado e cheirando as mãos, que as delas eram perfumadas, Ah, o primeiro pegar na mão ficou marcado. Nem me falem no primeiro beijo. E havia brigas, tolas brigas e românticos costumam ser mais ciumentos! E havia os retornos e novas juras, novos encantamentos e chegavam às luas de mel, tão acalentadas e queridas. Ficavam esses dias guardados nas memórias em escaninhos de brilhantes. E velhos, de quando em quando, se as memórias permitem, vão ao escaninho e lá está a glória, ainda que ela possa se chamar Maria, usando Fleur de Rocaille e bela, mais que isto, única e pelos séculos dos dois. Amem. E como a nossa bossa nova foi romântica e sem os exageros da boa música popular brasileira de antes, ainda que essa tenha deixado joias e só preciso de dois exemplos magníficos, “A deusa da minha rua” (J- Faraj e Newton Teixeira) e a emblemática “Chão de estrelas” (Orestes Barbosa e Sylvio Caldas), Enfim chega de saudade, ou até pensei que fosse minha e houve época que os românticos Roberto e Erasmo Carlos foram apodados de bregas, ainda que o cachorro tenha sorrido, latindo em letra primorosa dos dois Carlos. E ainda que tenha composto serenata, não a cantei para ela. Explico-me, estávamos brigados, tínhamos dezessete anos e fecho a crônica com a serenata. Ela na sacada do apartamento, que de implicância não tinha sacada, e eu me esgoelando embaixo, que a homenageada morava no sétimo andar. Este ato, por sorte, ficou só na vontade.

Serenata, Parte I. Meu travesseiro está molhado/ como o chão todo orvalhado./ Porque no céu há também/um astro desesperado/ que passa as noites magoado/ chorando por um alguém.
Parte II. Meus dias são de agonia, as noites de vigia/ cansado de tanto sofrer/ Peço a Deus ajoelhado/ que me faça ser amado/ ou que eu consiga esquecer.

Eta amorzão!


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Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia da UNI-RIO.
Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral

Conheça um pouco mais de Pedro Franco.



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