03/08/2012
Ano 16 - Número 798

ARQUIVO
MILTON XIMENES

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Milton Ximenes Lima


A MISSÃO


 

Milton Ximenes Lima - Colunista, CooJornal


De súbito, a solicitação telefônica.

Apresentou-se na luxuosa sala da Diretoria de Administração da Companhia. Logo sentiu a voz suave do Diretor escondendo, diplomaticamente, autoritária convocação:
- Estamos precisando da sua colaboração. Você tem carreira brilhante, é de nossa inteira confiança. Parece que aconteceram estranhas operações contábeis lá na filial de São Paulo, entende bem o que quero saber, não?

Nem argumentou, o homem já definira o plano:
-Já convidei gente do Espírito Santo e de Goiás para se reunir a você lá. Pegue aqui este relatório das primeiras averiguações, vá estudando. Vocês têm a liberdade de escolher o método de trabalho melhor, e o pessoal do apoio. Passe na Secretaria, apanhe as passagens para embarque nesse domingo agora, à noite...

Estranhando, agora, a cidade estranha, ruas agitadas por transeuntes apressados, trânsito nada silencioso... algumas dificuldades na comunicação com os novos colegas. Na verdade, os fatos a serem esmiuçados no Banco não eram tão difíceis de apurar, apenas os comprometimentos dos ocupantes de determinadas chefias iam se desdobrando em teias de vastos e altos interesses, obrigando o tempo de trabalho a se alongar e, com isto, novas descobertas, mais tempo de permanência naquele rude inverno.

A impaciência envolvia seus pensamentos e atitudes. Família, só por telefone, apesar da proximidade do Rio: o que pretendia, ficando na cidade, como presidente da sindicância, era que os fins de semana reforçassem o convívio com os colegas da comissão, estratégia para um caminho mais rápido para a conclusão dos trabalhos.

Eis que, tempo demorando, aquela mulher de meia idade, traços nórdicos em magro corpo, olhos azuis por detrás dos redondos óculos de secretária, se insinuando, se aproximando, confessando-lhe mesmo que vinha apreciando seus gestos calmos, sua voz tranqüila, queria conhecer um homem paciente assim, e mais ainda, que era virgem... Bem, matutava ele, quanto a isto, só com o tempo poderia descobrir...

Sexo, estava precisado, não pedira, nada mal se aventurar nesse encontro sem raízes. Decidiu abrir uma exceção no seu comportamento, recebê-la no apartamento que a empresa lhe reservara. Exceção sim, porque tinha receio desses encontros com pessoas de pouco convívio, lembrava-se de uma outra mulher, ao tempo de solteiro, que lhe dissera na manhã seguinte à noite de muitas carícias:
- Acordei madrugadinha ainda, vim à janela fumar um pouco. Depois, te vi dormindo, fiquei admirando teu corpo tão bonito, em repouso...

Tomou, aí então, consciência do perigo que correra. Durante aquele período de tempo em que ela se levantara e o contemplara, estivera praticamente em suas mãos. Desconhecida, poderia fazer dele o que quisesse, roubá-lo, matá-lo até... desaparecer sem deixar rastro. E aprendera mais essa.

Outro receio era o aparecimento da esposa. Sabia que ela vivia mergulhada nos problemas e nas alegrias dos três filhos adolescentes, entretinha-se bastante com novelas e filmes na televisão, mas pressentimentos às vezes lhe assaltavam a mente.

Entrou no apartamento, ajeitou suas roupas no encosto da poltrona da sala, ficou só de sunga, e, próximo à janela, curtiu lentamente um cigarrinho, enquanto a mulher se encaminhava para o banheiro. Quando percebeu que ela já se demorava, foi até lá, encontrou a porta trancada.
- Estou me preparando – ela se justificou.

Reapareceu, enfim, rica lingerie a revelar conservado e claro corpo, perfumes no ar.
- Comprei isto especialmente para nosso encontro, é da Casa Orleans, a melhor da cidade, gostou?

Todo cuidados, conduziu romanticamente palavras e atos, sua experiência costurando emoções e prazeres. Satisfeitos, e como era cedo, resolveram jantar, em comemoração. Antes de sair, porém, percorreu todo o apartamento, preocupado em eliminar vestígios da presença feminina.

Deixou-a, depois, no bairro em que ela morava, regressou ao apartamento e quando já começava a cochilar ao embalo das imagens da televisão, o porteiro interfonou:
- Dr. Silva, Dr. Silva! Tem uma senhora aqui, dizendo que é D. Margarida, que é a sua Senhora, querendo subir. Pode ser?

Um tanto atordoado, recebeu a esposa, primeiro, com um forte e longo abraço, depois, com máscara de espanto:
- O quê que foi, querida? Quê que aconteceu?
- Nada, nada, homem de Deus! Surpresa, meu bem! Resolvi passar o fim de semana com você aqui! E conhecer São Paulo...
- Me desculpe, querida, isso é que não vai poder ser agora, não... Fica pra depois, tá bem? Um pouquinho de paciência... Eu é que estava pensando em te ver. Este lugar aqui acaba me matando de ansiedade, é um tédio só! A gente nunca que consegue acabar o tal inquérito... Vamos já para o Rio, quero também rever a nossa garotada!

Praticamente a arrastou para a portaria do prédio, “um táxi, por favor”, seu José... Pensamentos passeando pelas visões dos prédios e luzes da noite da cidade atravessada pelo automóvel. Depois de tanto esforço com uma virgem, era virgem mesmo, minha mulher jamais iria compreender o porquê de eu, sempre tão solícito à cama, e depois de tanto tempo, me recusar a transar com ela naquela noite. Com a minha idade, pô, não sou mais herói...

Sorte: ainda alcançaram o último vôo da ponte aérea. Sem mala e, além da roupa imediatamente improvisada, um paletó esporte para defendê-lo do tempo e do ar mais frio do avião.


(03 de agosto/2012)
CooJornal nº 798



Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ

miltonxili@gmail.com
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