01/12/2021
Ano 24
Número 1.250



 

ARQUIVO
IRENE SERRA





 

Irene Serra



VIZINHOS, QUEM NÃO OS TEM?
 

 


São imprescindíveis. Aqueles que não nos podem faltar, pois, além da amizade que nos dedicam, dão alerta de qualquer coisa incomum que esteja acontecendo em nossa residência. Ótimo! Só que, por vezes, mesmo os mais amigos se tornam inoportunos ao tocarem a campainha de nossa casa e esquecerem de tirar o dedo, apenas porque querem que a gente lhes responda rapidamente. Na maioria da vezes não é motivo de urgência, mas sim banalidades, desatenção ou falta de conhecimento no usar algo: o computador que não funciona, óbvio, porque o plugue escapou da tomada; o celular “que está falando em outra língua”, porque o usuário quis conhecer melhor o aparelho e saiu apertando a esmo tudo que é botão; a panela elétrica novinha que veio com defeito no plugue, mas é porque este tem três pinos e a tomada antiga, dois. Coisas tão simples, que depois da enésima vez vão se tornando cansativas, mas a polidez nos leva a continuar a tratá-los gentilmente a cada encontro.

Interessante é que quando se espera reciprocidade, nem sempre somos bem quistos. Minha geladeira queimou em pleno domingo e, com água escorrendo pelo chão, apelei a uma das mais assíduas à minha porta, pedindo-lhe para guardar dois vidros com alimento e um pente de ovos, pois certamente iriam estragar. Aceite imediato, mas, logo na manhã seguinte, nem bem eu acabara de chamar um técnico, piiiiim... ouço a campainha esbravejando. Corro e lá está, com lindo sorriso, minha amável vizinha: “Você acha que vai demorar a tirar suas coisas da minha geladeira? É que provavelmente vou ter de pagar mais na conta de luz, porque a geladeira ficou mais cheia.”

Desculpa-se, a esta altura desculpa-se tudo, pois a idade chega a galope.

Saudades de São Paulo nesse quesito. Meu marido e eu morávamos em casa, não tínhamos cão de guarda, e muda-se para o lado uma senhora com dois filhos e a idosa mãe. Enquanto faziam a arrumação dos móveis, convidei-os a ficarem comigo. Jardim, sombra e laranjada fresca, a conversa discorreu por horas. A partir dali, a amizade se formou e com frequência me chamavam para o café da tarde. Eu ficava um pouco (muito!) amedrontada com o Sadam, um pastor alemão de peso, mas a ele devo a proteção de nossa casa, quando viajávamos. Não só nessas ocasiões, a qualquer barulho diferente ele latia, rosnava e rondava a invisível cerca entre as casas, já que em nosso bairro estas não tinham muro de separação.

Voltando ao agora, neste sábado passei o dia fora e, ao chegar, há uma barata morta no tapete desta vizinha. Entrei batido, e, no dia seguinte, ao sair, eis que ali continua a barata. É dia de folga da faxineira do prédio e, por que deixar aquele enfeite ali? Volto para pegar vassoura e pá de lixo, mas ainda não retornei quando piiiiim... Abro a porta, com a vassoura na mão e sem ainda pegar a pá, quando ouço a pergunta: “Aquela barata é sua?”

Toim... O que dizer?

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Irene Vieira Machado Serra
foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ 
irene@revistariototal.com.br

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