01/10/2022
Ano 25
Número 1290



 

ARQUIVO
IRENE SERRA





 

Irene Serra



CENA INCOMUM
 


Muito se tem noticiado sobre o número de acidentes causados por embriaguês ao volante. Mas tem que se exigir, também, capacitação dos profissionais da área médica que fazem os exames de vista e afins. Estariam todos eles examinando corretamente os candidatos, prevenindo, assim, tanta barbaridade no trânsito?

Renovando a carteira de motorista que já estava vencida, cumpro a série de exigências. Pago taxas pra lá e pra cá. Levo o comprovante do pagamento e enfrento uma fila enorme para receber um documento para o exame de vista e outro para o psicotécnico. Ambos pagos à parte, evidentemente.

A psicóloga, uma senhora boa praça, conversa amavelmente, mostrando, depois do teste, o que seria o certo e em que se perde ponto. Digo-lhe da minha formação, logo fazemos camaradagem e mais da metade do tempo em que fico no consultório é pura distração. Em suma, passa a ser uma "amiga desde a infância", que de tão bom papo não devo esquecer de convidá-la para uma futura reunião em casa.

Dia de fazer o exame de vista. De óculos em punho sem eles nada leio aguardo na sala de espera. É uma clínica com várias especialidades. Está lá escrito que tem oftalmologista, então, não tem erro. Acredito, ainda mais que este foi o especialista determinado pelo órgão competente.

Sou chamada e acompanho a atendente. Ao menos, pelo uniforme, parecia. Hoje, já nada posso afirmar. Oferece-me água e cafezinho. Oba! penso. - Já gostei!

Entra o médico e, após os cumprimentos de praxe, bate o martelinho em meu joelho esquerdo, no direito, volta ao esquerdo; manda que eu aperte uma alavanquinha de pressão com ambas as mãos e com as mãos separadas; senta-se e começa a fazer anotações. Nada ali que indique um consultório oftalmológico!  Então, tira detrás da mesa um cartaz (interessante o gesto! Por que o cartaz não está visível, preso em uma parede, como o habitual?), dependura-o bem distante e pede-me que o leia. Mostro os óculos e ele aquiesce. Coloco-os e começo a soletrar.
S O P A
S U S T O
C E B O L A
C I S T E R N A
S O B R A N C E L H A

Se tiver lacunas para completar as letras, garanto que também acerto tudo! Bem, vamos em frente. O doutor demonstra satisfação e meus /s/ não me deixam mentir. Sou carioca da gema e ele logo percebe. Conversa alegre, descontraída, mais cafezinho e pronto, está terminada a consulta.

Achando um exame por demais sumário, bem diferente dos outros que fiz para renovação
nem dez minutos relutante, pergunto em tom de brincadeira: Nem uma luzinha? Olhar para cima? Nada mais?

E ele diz que já sabe que estou ótima. Além do que, estava sem a lanterna. Ups!

Na saída, recebo um cartão para quando tiver necessidade de consulta particular. Sua especialidade... ginecologista!

Ah, sim, agora está explicadíssimo! Não precisava mesmo de lanterna!


(11 de julho/2009)
CooJornal no 640!


_______________


Irene Vieira Machado Serra
foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ 
irene@revistariototal.com.br

Direitos Reservados