19/11/2005
Número - 451

ARQUIVO
IRENE SERRA


Irene Serra  
  

Teatro em dia chuvoso

 

Lá vem o Vera Cruz, vindo de Belo Horizonte. Ele balança cadenciadamente, deslizando sobre os trilhos, seu som ecoando mais forte e vibrando ao entrar em um túnel. Manhã já clara, a criançada beirinha da estrada de ferro dá adeus ao vê-lo, alguns mais afoitos correm como se estivessem querendo acompanhá-lo, numa gritaria feliz.

E feliz também está o menino que, com sua mãe, observa cada trecho da estrada até chegar ao Rio, aonde vão a passeio, na casa de um Tio. O menino, carioca, mora em Minas. O tio, mineiro, mora no Rio... E, se os pais esperam com enorme carinho e saudade por este encontro, o que não dizer dos primos, companheiros de folguedo de todas as férias?

De manhã, é sagrada a ida à praia. Todos correm, na competição de quem chega primeiro. O quarteirão de distância é mínimo, ali do lado está a areia fofa, mar limpo (este é o Rio? É, ou melhor, era!), frescobol, peteca, castelos na areia, muita conversa e o melhor da festa: Chicabom e Jajá de coco. Corados pelo sol, cansados, é hora do retorno para casa após o sinal da mãe. O quarteirão parece imenso, não acaba nunca... Mas quando chegam à portaria do prédio, o cansaço desaparece e o lance da escada de serviço é galgado de dois em dois degraus, para garantir a frente no banho.

O agora avô Rogério, menino daquela época, recorda:
“Certa noite, a mãe e a tia do menino resolveram ir ao teatro, convidando para tanto o Tio, intelectual e culto, para assistir à citada peça. Mas, este Tio agradeceu. E, junto aos demais filhos e sobrinho, resolveu escrever e dirigir uma peça de teatro, com roteiro, falas e, pasmem todos, com efeitos sonoros (chuvas, raios e tudo que se tem direito).
Ao voltar do teatro, sua mãe e tia assistiram, embasbacadas, ao melhor show que poderiam ver em muitos anos.
Após 45 anos, ainda vejo Tio Arthur ensaiando e dirigindo esta peça.”

Que sensação de felicidade este relato traz! Através do Rogério sentimos que apenas o natural envelhecimento físico nos mostra que não somos mais aquelas crianças, porém, com orgulho, podemos dizer que as que agora estão ao nosso lado também crescerão irmanadas dos mesmos princípios de solidariedade, amizade e, principalmente, amor. Quem dera todas as famílias assim se reunissem, tornando o tempo algo tão etéreo que as lembranças da infância nunca se perdessem.


(19 de novembro/2005)
CooJornal no 451


Irene Vieira Machado Serra
foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ 

irene@riototal.com.br