09/04/2005
Ano 24
Número 415



 

ARQUIVO
IRENE SERRA





 

Irene Serra



QUASE UM GUERREIRO
 

 

Rapaz alto, forte, combativo. Um verdadeiro guerreiro! No lusco-fusco, ei-lo perscrutando o horizonte baixo na tentativa de localizar o acampamento onde teria de se apresentar desde há muito. Cansado, sabe que tem bastante por andar, pois nenhum sinal de alguma movimentação, fogo ou lanterna chegara a perceber. O cabelo liso insiste em cair sobre seus olhos, trazendo-lhe certa irritação. A boca seca - sem que possa ao menos umedecê-la, pois o cantil encontra-se vazio - murmura palavras de encorajamento e incentivo a si próprio.

Vê o pequeno córrego e decide que é hora de um descanso se quiser chegar ao destino. Refestela-se com a água e, prevenido, enche o cantil. Deita-se na relva e relaxa, repousando a cabeça sobre o alforje, antes tendo tirado o que da vestimenta o incomodava. Se não chegou até agora, que o aguardem mais um pouco.

Sorri. Sempre fora assim, gostava de aventuras e nunca deixava um desafio em meio. Só que agora percebe o quão intempestivo fora ao aceitar esta competição conhecendo apenas alguns dos disputantes e sem ao menos ter estudado o local do embate. Achava que seria tão fácil! Para que planejar?

Um vento mais forte, sinal de chuva, uma coruja a olhá-lo, curiosa, no campo ainda escuro e em silêncio total. É hora de continuar a jornada. Levanta-se lentamente e, enquanto encilha o alazão que ficara pastando, conversa com o amigo. Acaricia-lhe o focinho róseo, monta e parte em galope ligeiro. Ainda traz consigo o lenço que certa dama lhe dera para que não a esquecesse. Como se isso fosse necessário! Tem no pensamento todas as mulheres que passaram em sua vida! Em meio às lembranças, como que real, vem-lhe a figura do velho pai. Deixara-o com os cabelos brancos e ralos, ombros encurvados, vista cansada. Mas a força física persistia inexplicavelmente. Vencia qualquer queda de braço e arremessava as boleadeiras à grande distância, com precisão. Suas qualidades eram reconhecidas por todo o reino. E, mirando-se em seu exemplo, foi que escolhera aquela vida de luta e conquistas.

Quando o jovem volta para casa em triunfo, nomeado Cavaleiro do Rei, é ovacionado. Cumprira sua missão de defesa ao castelo além-mar; protegeria com a própria vida, se preciso fosse, a vida da princesa-menina que ali passava um período de recuperação após severa doença. Tornaram-se amigos verdadeiros: ela o considerando um deus, ele protegendo-a como uma rara e frágil flor.

Agora, o cavaleiro volta sua atenção ao caminho que percorre. Segue em trote, atento. Seus sentidos estão todos aguçados e ele sabe... alguém o espreita. Para não perder mais tempo com aquela abelha que insistia em importuná-lo, abaixara a viseira do elmo, sentindo o odor de seu suor mesclando-se ao perfume suave das flores campestres. Como a armadura pesa! Previne-se, automaticamente, sabendo que ela está prestes: Tocaia! E despenca no chão empurrado por uma horda que o ataca.

- Acorda, acorda Percy! Estamos há um tempão chamando, mas você não acorda! Que sono pesado! Pelo atraso, achávamos que havia se perdido e quase íamos procurá-lo! Mas, que nada! Está aí deitado perto do cocho, todo molhado! Vamos! Você é imprescindível à caçada ao touro bravo e a manhã já vai longe!


(RT, 09 de abril/2005)
CooJornal no 415


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Irene Vieira Machado Serra
foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ 
irene@revistariototal.com.br

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