01/03/2024
 CooJornal nº 1.357


 

 

ARQUIVO
IRENE SERRA





 

Irene Serra



SEM TEMOR!
 

 


Lá vêm elas, sorridentes, conversando, quase a brincar: mãe, filha e boneca. A mãe, corpo esguio e cabelo curto, parece ser a filha. A menina, linda, é uma verdadeira boneca. A boneca, com olhos brilhantes e fixos na criança, mostra-se uma atenta mãe.

E assim seguem saltitantes até chegarem a uma casa branca, onde se despedem com inúmeros afagos.

A casa é tão branca e limpa, como se estivesse recém-pintada, demonstrando o esmero com que a mantêm! É protegida por um muro onde um pouco de tinta, também branca, escorre pelas pedras que compõem sua base, dando-nos a impressão de que querem penetrar em seu interior para descobrir algum segredo ali escondido. Portas e janelas amarelas, toldos listados amarelo e branco e até a caixa de correio brilhando com seu quinhão de amarelo, dão as boas-vindas a quem chega. E que prazer observar as dezenas de mãozinhas coloridas espalmadas nas paredes internas, abençoadas por um mural de Nossa Senhora com seu Filho ao colo!

Não é um castelo de fadas. É apenas uma pequena escola!

E aquela linda menina, após ser recebida carinhosamente, entra e permanece com o mesmo jeitinho alegre. Nota-se que ela está feliz, que há uma continuidade lar/escola! Pois é, estamos no final do ano letivo e o comportamento calmo e solícito das professoras parece ser o de primeira semana de aulas. Quem as vê cantando enquanto orientam a sadia algazarra das crianças, facilmente pode intuir que estas estão no lugar certo para terem tempo de crescer.

De outra feita, em um dia chuvoso e cinzento, lá vem um galante pai mostrando sua princesinha a todos, só sorrisos para quem passa ao seu lado. Vaidoso, ele a apresenta como um troféu. Mas a filha não sorri, vem meio a contragosto tentando encolher a mão livre dentro do agasalho. De repente, a menina diz que está com frio. Param. Ele exclama: "Frio, que frio? Você está é com manha para não ir à escola!" Ela irrompe em choro: "Estou com frio! Muito frio! Quero mamãe! MAMÃE!" E uma cena deprimente se sucede. O até há pouco gentil cavalheiro agacha-se e, olhos nos olhos, diz-lhe baixinho com os dentes trancados: "Você conhece o peso da minha mão? Pois se não calar a boca e parar de chorar, vai ver como ela é pesada e como dói me desobedecer!" Em um instante a criança engoliu as lágrimas e andou até a escola, entrando. Devia ter uns 3 anos de idade...

Tão pequena, tão desamparada! Que trabalho hercúleo o de uma professora para conseguir incentivar e atrair alguém que chega neste estado! Quantas respostas negativas podem daí advir! Duas meninas aparentemente iguais, provavelmente do mesmo nível social e com as mesmas oportunidades mas, talvez, com futuros tão distintos!

- Ah, querida! Que pena você não ter trazido sua boneca! Certamente ela é quem a carregaria no colo, contando-lhe histórias e você receberia atenção, amor e carinho! Mas não tema entrar numa escola. Nunca! Lá é o pouso seguro, onde fará amigos e aprenderá a crescer e viver. Lá você sempre será ouvida! Todos precisamos da Escola! É nela que passamos nossos melhores dias e dos quais nunca vamos nos esquecer! A Escola é sua! Conte com ela! Vamos, levante este rostinho, sorria e seja muito feliz!


(16 de novembro/ 2002)
RT, CooJornal nº 286

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Irene Vieira Machado Serra
foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ 
irene@revistariototal.com.br

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