Irene Serra
ETERNA PRESENÇA
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Recordações que saltam em turbilhão! Se de um tempo tão perto, por que
parecem tão distantes? E se tão longe está quem lhe traz a lembrança, por
que a cada dia mais presente se torna?
As longas conversas e confidências, o abraço amigo. Minha irmã anota: “
saudade da mão firme em nosso ombro nos momentos de dor”. Penso em um
irmão a subir o morro pela linha de nível e ficar, ao seu lado, olhando o
sítio, cheirando a já floresta que está ali encostada. Outro, a falar
mansamente seus planos e sonhos, na varanda onde volta e meia chegava um
beija-flor - e ele se levantando rápido para pegar mais um pouquinho de
água com açúcar.
Sua calma! Calma? E as explosões? Como estas tentaram nos ensinar a ser
melhores!
Dia dos Pais era sagrado. Ou ele fingia que estava dormindo, para o
acordarmos, cantando, com nossos presentes meticulosamente confeccionados
(mas que ficavam uma porcaria de mal feitos) ou se sentava na cadeira de
balanço da sala, todo importante, a nos esperar - e nós brigando, para
escolher quem seria o primeiro da fila. Era um dia de alegria, mas
exaustivo ao seu final, com todas as refeições caprichadíssimas, já que
todas as mulheres queriam dar sua participação culinária.
Cada filho tinha sua hora de mais atenção. Porém, sábado, a noite era de mãe. E lá ia ela toda linda, de mãos dadas com ele. Não sabíamos quem
era mais feliz! Esta cena me acompanha até hoje, de tal forma, que
nem bem meu marido me dá a mão, minha alma sorri e ponho-me a andar
faceira.
Penso, ainda, no “Momento dos Grandes”. Este, mais meu que dos outros -
quando nos detínhamos nos clássicos da música. Você já se sentou no chão e
no escuro, em posição de buda, a ouvir um bom Mendelssohn?
Tudo mais escapa, tudo foge. Menos a voz de um verdadeiro mestre a orientar cada passagem da
música, acompanhando o ritmo – empolgado – contando o que se passava na
vida do compositor no momento em que aquele trecho compunha. Sinta a
força deste acorde! Olhe esta dissonância como muda todo o conteúdo da
obra!
Mas o que mudou foi a minha vida, com o mel que recebia naquelas palavras
e cuja verdadeira doçura só muito mais tarde compreendi.
Ah, meu pai, que saudade! Que saudade de alegrias!
(10 de agosto/ 2002)
CooJornal no 271
Irene Vieira Machado Serra
professora,
foniatra, psicóloga, editora da Revista Rio Total
RJ
irene@riototal.com.br