10/08/2002
Número - 271

ARQUIVO
IRENE SERRA




Irene Serra  
  

ETERNA PRESENÇA

 

Recordações que saltam em turbilhão! Se de um tempo tão perto, por que parecem tão distantes? E se tão longe está quem lhe traz a lembrança, por que a cada dia mais presente se torna?

As longas conversas e confidências, o abraço amigo. Minha irmã anota: “ saudade da mão firme em nosso ombro nos momentos de dor”. Penso em um irmão a subir o morro pela linha de nível e ficar, ao seu lado, olhando o sítio, cheirando a já floresta que está ali encostada. Outro, a falar mansamente seus planos e sonhos, na varanda onde volta e meia chegava um beija-flor - e ele se levantando rápido para pegar mais um pouquinho de água com açúcar.

Sua calma! Calma? E as explosões? Como estas tentaram nos ensinar a ser melhores!

Dia dos Pais era sagrado. Ou ele fingia que estava dormindo, para o acordarmos, cantando, com nossos presentes meticulosamente confeccionados (mas que ficavam uma porcaria de mal feitos) ou se sentava na cadeira de balanço da sala, todo importante, a nos esperar - e nós brigando, para escolher quem seria o primeiro da fila. Era um dia de alegria, mas exaustivo ao seu final, com todas as refeições caprichadíssimas, já que todas as mulheres queriam dar sua participação culinária.

Cada filho tinha sua hora de mais atenção. Porém, sábado, a noite era de mãe. E lá ia ela toda linda, de mãos dadas com ele. Não sabíamos quem era mais feliz!  Esta cena me acompanha até hoje, de tal forma, que nem bem meu marido me dá a mão, minha alma sorri e ponho-me a andar faceira.

Penso, ainda, no “Momento dos Grandes”. Este, mais meu que dos outros - quando nos detínhamos nos clássicos da música. Você já se sentou no chão e no escuro, em posição de buda, a ouvir um bom Mendelssohn? Tudo mais escapa, tudo foge. Menos a voz de um verdadeiro mestre a orientar cada passagem da música, acompanhando o ritmo – empolgado – contando o que se passava na vida do compositor no momento em que aquele trecho compunha. Sinta a força deste acorde! Olhe esta dissonância como muda todo o conteúdo da obra!

Mas o que mudou foi a minha vida, com o mel que recebia naquelas palavras e cuja verdadeira doçura só muito mais tarde compreendi.

Ah, meu pai, que saudade! Que saudade de alegrias!



(10 de agosto/ 2002)
CooJornal no 271


Irene Vieira Machado Serra
professora, foniatra, psicóloga, editora da Revista Rio Total
RJ 

irene@riototal.com.br