16/01/2024
 CooJornal nº 1.351


 

 

ARQUIVO
IRENE SERRA





 

Irene Serra



PÔR DO SOL EM IPANEMA
 

 

 


Editando uma crônica para o CooJornal desta semana, em que seu autor comenta que "andar é viver", fazendo alusão a uma caminhada pela bela Praia de Ipanema, a alegria das pessoas que por ali estavam e... bem, quem já leu a crônica aí acima sabe a que estou me referindo - lembrei-me, imediatamente, de certo email que recebi em um verão anterior, de uma leitora portuguesa, que indagava "por que os cariocas precisavam de bater palmas para um simples pôr do sol, coisa que acontecia diariamente e que por lá era certamente mais belo do que aqui". "Seria necessidade de chamarmos atenção da mídia? Não teríamos nada melhor?" E algumas outras agressivas opiniões.

Perplexa com a insensibilidade demonstrada, com a falta de respeito ao hospitaleiro, espontâneo, bem-humorado carioca, respondi:

Cai a tarde em Ipanema. O sol, ainda um adolescente saltitante, brinca de pique-esconde atrás do Morro Dois Irmãos rajando o céu de um vermelho que se esmaece em laranja para logo além se pintar em púrpura, emocionando-nos com sua beleza e fazendo com que procuremos, dentro de nós, o mais belo que temos para oferecer: um simples aplauso... aplauso em agradecimento à natureza pelo que, espontaneamente, ela nos doa.

Não há palavras para explicar a sensação de êxtase que, num galope, invade a todos - jovens com seus dourados corpos esculturais a almejar o futuro, velhos dourados, mas não tão esculturais, refletindo sobre um recente passado - comungam da mesma sabedoria: a mão divina rege cada um destes tantos grandiosos espetáculos.

A sensibilidade de sorrir para uma flor que desabrocha ou chorar diante de um crucifixo é a mesma que diferencia um tocador de piano de um pianista, um canastrão de um ator. É nata e não precisa de auditório para ser demonstrada, ou seja, quanto mais sozinha a pessoa se encontra dentro de si mais vivifica e se entrega às emoções. E, com sua espontaneidade e alegria, o carioca bem sabe extravasar amor e aproveitar cada momento que lhe é concedido.

Feliz quem se embriaga de sensações em valores outros além da beleza intrínseca do amamentar um filho - nunca banal porque repetitiva e sim única de cada vez. Feliz quem ouve o incessante canto do córrego a fugir das pedras que o machucam - aí está a água pura e límpida. Feliz quem reverencia a profundidade e mistério do céu estrelado - Deus lhe permitiu ver um pouco da Sua face.

Aplausos, então, ao pôr do sol. E, a todos que homenageiam e glorificam a natureza, também aplausos!



(RT, 03 de agosto/ 2002)
CooJornal no 270



 

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Irene Vieira Machado Serra
foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ 
irene@revistariototal.com.br

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