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Anóxia perinatal
gerando dislexia, disgrafia e outras dificuldades
significativas de aprendizagem

Lou de Olivier
INTRODUÇÃO
Quando o cérebro sofre qualquer tipo de privação que seja vital para o seu
funcionamento (falta de glicose, falta de oxigênio, etc), sofre alterações.
Quanto mais tempo permanecer a privação, mais grave a lesão, que desenvolve-se
da seguinte forma: A- Confusão mental: Afeta a camada de associações. B-
Alterações sensitivas: Alucinações visuais, cinestésicas, etc. C- Distúrbios
motores : Desde incoordenação motora leve até convulsões.
Após estas três
fases, se a privação continuar, gerará lesão grave, destruição dos tecidos,
restando em funcionamento o hipotálamo, medula e córtex. E esse processo é
irreversível. Na seqüência, sem atividade cortical, o indivíduo passa a
vegetar até a morte.
A diminuição da oxigenação no cérebro denomina-se
Anóxia (ou para alguns autores, Hipóxia) e ocorre na criança principalmente na
hora do parto (por causas como: parto cesariana, parto prolongado, hipertonia,
rotura prematura da bolsa de água, anemia, asfixia materna, etc) Algo entre
30 a 60 segundos de asfixia pode lesar irreversivelmente o cérebro de um recém-nascido. Em casos menos graves, gerar autismo, dislexia, discalculia e outros
problemas de aprendizagem, que poderão comprometer toda a vida escolar da
criança.
OBS: Alguns autores aceitam os limites anóxicos variando entre 30
segundos e 3 minutos, mas, para Cole (1942), a primeira inspiração deve ocorrer
dentro de 2 segundos, o choro deve ocorrer após 5 segundos e a respiração deverá
regularizar-se 10 segundos após o desprendimento da cabeça.
A demora de
30 segundos já seria excessiva.
SINONÍMIA
anóxia: Ausência de
oxigênio no corpo ou oxigenação insuficiente para suprir as exigências
metabólicas normais (Hipóxia). Hipóxia: Diminuição (queda) de oxigenação, de
forma a tornar-se insuficiente para suprir exigências metabólicas normais
(anóxia). Este termo é considerado mais preciso, pois sempre há um certo grau de
oxigenação. Apesar disso, o termo anóxia ficou consagrado, mesmo não exprimindo
completamente o fenômeno. Apnéia: Cessação de respiração por qualquer causa.
Asfixia: Etimologicamente significa "falta de pulso", mas, segundo relatório da
Comissão Especial de Mortalidade Infantil da Sociedade Médica de Nova York,
sobre a ressuscitação de recém - nascidos (1956, o termo asfixia significa
anóxia e retenção de CO2 resultantes da queda de respiração
Os ingleses
referem-se à anóxia como "fetal distress"; os autores espanhóis preferem o termo
"sufrimiento fetal".
Saling (1969) menciona hipóxia pela sua manifestação
mais importante, que é a acidose.
Delascio sugere o termo anóxia
perinatal, pois as manifestações pós-natais, segundo ele, são apenas continuação
do problema.
Lima (1940) fez comentário bastante expressivo, dizendo que
o prefixo "a" em termos médicos expressa diminuição e não ausência. Como exemplo
temos: anemia = diminuição da hemoglobina do sangue circulante, arritmia =
qualquer variação no ritmo normal das contrações cardíacas, aplasia =
desenvolvimento incompleto ou deficiente de qualquer parte do organismo e,
seguindo este raciocínio, obviamente, anóxia significa diminuição da oxigenação
e não ausência de oxigenação.
MATERIAL E MÉTODOS
Após extensas
pesquisas, usando-se o pouco material (atual) disponível nos idiomas Inglês,
Espanhol e Português chegou-se a uma razoável fundamentação teórica e
percebeu-se a necessidade de comprovar esta teoria na prática.
Aliás,
essa vivência prática já havia sido sugerida pelo orientador desta pesquisa, mas
só depois de concluir a fundamentação teórica é que entende-se a real
necessidade da vivência prática
Foram escolhidas três escolas para
pesquisar, sendo uma pré-escola com crianças de seis a sete anos pertencentes à
classe média, uma escola particular com alunos cursando a primeira série com
idade entre seis e sete anos, pertencentes à classe média/alta e uma escola
pública com alunos de sete a oito anos, também cursando a primeira série
pertencentes às classes média/baixa, num total de oitenta alunos. Os critérios
para denominação de classes foram: valor das mensalidades (quando pagas), padrão
de vida (mediante pesquisa/questionário/entrevista), número de integrantes
ativos ou dependentes na família, local de moradia e renda familiar.
Iniciou-se esta pesquisa de campo propondo uma reunião com os pais, onde
explicou-se o porquê desta pesquisa, a importância do acompanhamento que seria
feito, não só para a pesquisa, mas, acima de tudo, para o aprendizado das
crianças e a necessidade da colaboração dos pais.
Nesta primeira reunião,
pediu-se aos pais que enviassem com urgência a “declaração de nascido vivo” de
seus filhos. Este é um documento que todo hospital fornece na ocasião do
nascimento de uma criança e ele é tão importante, que é obrigatório por lei
levá-lo ao cartório para registrar a criança.
Por isso, foi espantoso
constatar-se que a grande maioria dos pais e até mesmo professores,
coordenadores pedagógicos e diretores, desconhecia a existência deste documento
e, das oitenta crianças, apenas quatro apresentaram o referido documento.
A princípio, isso representou certo grau de dificuldade, porque dependia-se
deste documento para detectar-se uma anóxia perinatal, através do “índice de
Ápgar”, sendo este o único meio para afirmar-se com precisão a ocorrência ou não
da anóxia perinatal.
Durante uma semana, foram acompanhados os alunos em
sala de aula, em atividades de artes, matemática, ditado, redação e, em horário
de lanche, em atividades recreativas. Houve oportunidade de ver o quanto a
maioria deles era dispersa e problemática, não só na aprendizagem, mas também no
relacionamento com a professora e com colegas, mas ainda não havia o ponto de
partida, justamente o que era preciso saber para comprovar a teoria.
Depois de uma semana, com mais ênfase na observação do que na interação com os
alunos, resolveu-se criar um questionário com perguntas específicas que,
respondidas com precisão, dariam elementos para comprovar uma anóxia perinatal,
ainda que apenas por aproximação.
As perguntas foram elaboradas de forma
simples e direta para que qualquer pai ou mãe pudesse responder sem problemas,
esclarecendo dados como local e hora de nascimento, tipo de parto, quanto tempo
a criança demorou para chorar, se criança e/ou mãe necessitaram de balão de
oxigênio, se há casos de diabetes e/ou hipertensão na família, etc.
Desta
vez o retorno foi bem maior, ou seja, das oitenta fichas distribuídas, setenta
voltaram preenchidas. Alguns detalhes foram esquecidos, algumas perguntas
respondidas com um Ingênuo “não sei” ou “não me lembro”, mas, ao menos voltaram
aproximadamente 88% das fichas.
Deu-se continuidade ao acompanhamento dos
oitenta alunos por mais uma semana, revezando horários entre as três escolas
que, estrategicamente, situam-se próximas umas das outras.
Na segunda
semana decidiu-se encerrar o acompanhamento dos vinte alunos da pré-escola
porque os pais não pareciam dispostos a colaborar, (todas as dez fichas não
devolvidas eram desta pré-escola), além disso os alunos eram dispersos ao ponto
de não responderem a nenhuma pergunta ou teste e até a professora não parecia à
vontade com a presença de uma pesquisadora.
O próprio espaço físico desta
escola não permitia esta presença. A sala com metragem de aproximadamente 4m x
3m, tinha vinte carteiras amontoadas, com seus respectivos alunos não menos
amontoados, a professora não tinha mesa, lecionava em pé, deixando seus
materiais empilhados em frente a pequena lousa, o que dificultava o ato de
escrever na mesma.
Tudo isso numa sala subterrânea, pois essa classe
situa-se no porão de uma casa cheia de escadas e “labirintos”.
Diante
disso tudo, decidiu-se continuar a pesquisa nas outras duas escolas, deixando
esta pré-escola de lado, esperando que os órgãos competentes sejam
suficientemente competentes para fiscalizar esse tipo de “ escola ”, visto que
os fatores que dificultavam o andamento da pesquisa aqui eram alheios ao objeto
da pesquisa em si.
Continuou-se acompanhando sessenta alunos da primeira
série do primeiro grau, sendo vinte na escola particular e quarenta na escola
pública.
Na terceira semana de acompanhamento, surgiu a oportunidade de
aplicar os testes: Reprodução de traçado / desenvolvimento cognitivo (Esther
Pillar Grossi) e ABC (Lourenço Filho) nos alunos da escola particular. Estes
testes serão descritos na seqüência da escola pública.
Todos os alunos
foram razoavelmente bem nos testes, inclusive Rodrigo, o único que, por dedução
(através da ficha respondida) pode ter sofrido anóxia perinatal.
Aproveitou-se a reunião de pais e mestres para reunir-se novamente aos mesmos e
conversar sobre alguns problemas de aprendizagem detectados em alguns alunos e
também para esclarecer dúvidas dos pais em relação aos filhos, à pesquisadora e
até mesmo à Psicopedagogia, pois a grande realidade é que a maioria dos pais,
professores, coordenadores pedagógicos e diretores desconhecem totalmente o que
vem a ser um Psicopedagogo.
Após essa reunião, passou-se a acompanhar com
exclusividade a escola pública. E só aí pôde-se verificar a grande diferença
entre a realidade da escola pública e a da particular.
Os alunos da
escola pública, em sua maioria, têm um baixo padrão de vida. Seus pais,
geralmente, trabalham muito, têm muitos filhos, o que os impede de
assessorá-los. As mães, ao engravidarem, raramente fazem pré-natal, na ocasião
do parto, não têm acesso a hospitais bem equipados, enfim, tudo isso torna essas
crianças mais vulneráveis, sujeitas a partos complicados e arriscados.
Uma outra diferença gritante entre as duas escolas é que, enquanto os pais da
“escola particular” faziam mil perguntas e exigências e os pais dos alunos da
pré-escola recusavam-se até a preencher uma ficha, os pais da “ scola pública
faziam tudo para colaborar, mesmo sem entender direito o propósito da pesquisa.
Uma das mães chegou a escrever no item “obs.” da ficha relatório, o
seguinte: “Obrigada por vocês se preocuparem com a saúde da minha filha. Que
Deus abençoe a todos” (!).
Sem dúvida, comentários desse tipo não só
comprovam a humildade da mãe desta criança como vem servir como raro incentivo à
quem se dispõe a pesquisar temas como o proposto neste trabalho.
A
classe, em alguns momentos, tornava-se insuportável, mas a professora,
extremamente dedicada, sempre contornava a situação.
Tentou-se analisar
alguns trabalhos destas crianças, mas elas eram dispersas (até mesmo pela
presença da pesquisadora em sala de aula) e, por isso, nunca conseguiam terminar
os trabalhos.
Teoricamente, havia uma comprovação de que anóxia perinatal
pode gerar déficit de aprendizagem, mas na prática, ainda não. Todos os alunos
pareciam ter problemas de aprendizagem e, por mais que se analisasse as fichas e
o comportamento das crianças, não se conseguia chegar a uma conclusão lógica.
Devido a dificuldades já descritas, a pesquisa foi interrompida por pouco
mais de um mês, para que outros métodos pudessem ser analisados e outras
avaliações fossem elaboradas.
Após aproximadamente quarenta e cinco dias,
retomou-se a pesquisa, a partir das fichas/relatório que haviam sido preenchidas
no início da mesma.
Foram analisadas minuciosamente cada uma das quarenta
fichas e separadas as dez que, por aproximação, sugeriam uma anóxia perinatal.
Foi-se novamente à escola para ver quantos deles estavam em recuperação.
Por uma grande coincidência, a recuperação estava iniciando-se naquele dia e
houve a oportunidade de encontrar sete das dez crianças que haviam sido
selecionadas. Um número significativo que, teoricamente, representa 70%.
No mesmo dia, aplicaram-se os testes “Reprodução de Traçado” e “ABC” nestas sete
crianças.
Os referidos testes são: Reprodução de Traçado/Fundamentos
do Processo Cognitivo (Profa. Esther Pillar Grossi- com influência do teste
visomotor de Lauretta Bender )
Trata-se de um teste constituído de doze
figuras geométricas em que os alunos precisam reproduzir cada uma numa folha em
branco que receberam previamente.
As figuras devem ser mostradas aos
alunos por trinta segundos, depois devem ser “escondidas”, para que os alunos
reproduzam em suas folhas.
Esta classe requereu que se mostrassem as
figuras por quase sessenta segundos cada e, em alguns casos (interseção), também
que as reproduzisse na lousa. E, mesmo assim, alguns deles não conseguiram uma
boa reprodução.
Este teste foi coletivo.
Do teste ABC (Prof.
Lourenço Filho), usaram-se os testes II, III e V, que consistem em:
Teste
III: São três figuras que deverão ser reproduzidas no ar pelo examinador, usando
seu dedo indicador. Em seguida a criança, também usando seu dedo indicador,
deverá imitar o movimento feito pelo examinador.
E, finalmente, a criança
deverá reproduzir essas figuras num papel. Cada uma a sua vez, é óbvio.
Seguiu-se toda essa sequência por três vezes, depois desenhou-se as figuras na
lousa. E, mesmo assim, alguns alunos tiveram problemas na reprodução, como será
analisado logo mais.
Este teste foi aplicado coletivamente em sequência
ao teste cognitivo.
Teste V: É contada a seguinte estória: “Maria comprou
uma boneca. Era uma linda boneca de louça. A boneca tinha olhos azuis e um
vestido amarelo. Mas, no mesmo dia em que a comprou, a boneca caiu e partiu-se.
Maria chorou muito”.
Ao ouvir esta estória, a criança tem que recontá-la,
ou seja, dizer o que se lembra da estória que acabou de ouvir.
Este teste
foi aplicado individualmente.
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO
TESTE 1 –
REPRODUÇÃO de TRAÇADOS 1 e 2 – Distinção entre linha aberta e fechada 3-
Distinção da dualidade 4- Noção topológica de inclusão 5- Noção de conexão
entre dualidade ( ligação/união )
Cada acerto equivale a um ponto.
Obs: Para uma avaliação mais detalhada, julgou-se necessário acrescentar que
a alteração total ou parcial da figura original, dará a criança uma pontuação de
1\2 e a não reprodução será caracterizada como um X na tabela 1, que virá a
seguir.
6- Distinção da dualidade = 0 Percepção da integração = 1
Integração por uma região em comum = 2
7- União, noção de semi-retas
opostas = 1
8- Dualidade = 1 Inclusão = 1 Um ponto para cada
interseção, num total de duas Um ponto para cada segmento, num total de dez
Um ponto para cada ângulo, num total de dez Um ponto se mais da metade dos
segmentos forem retilíneos
9- Distinção de três curvas separadas = 0
Vinculação de duas curvas = 1 Acréscimo de 1 índice relativo a terceira
fronteira = 2 Figura equivalente ao modelo = 3
10- Número certo de
fronteiras = 1 Interseção só na fronteira exterior = + 1
11- Dualidade
= 1 Qq. aproximação ( pt./traço ) entre as duas fronteiras = 1 Interseção
verdadeira de uma região = 1 Um ponto para cada segmento , num total de doze
Um ponto para cada ângulo, num total de doze Um ponto se mais da metade dos
segmentos forem retilíneos
12- Três fronteiras sem ligação ou
interligação entre duas fronteiras = 1 Terceira fronteira com algum vínculo
com uma das outras duas = 2 Alguma ligação entre as três = 3 Reprodução
perfeita = 4
TOTAL GERAL DOS PONTOS DESTE TESTE = 25 PONTOS
TESTE
ABC:
II – Evocação de figuras : 7 evocações corretas = 3 pontos 4 a
6 evocações corretas = 2 pontos 2 ou 3 evocações corretas = 1 ponto 1 ou
nenhuma evocação correta = 0 A pontuação também será 0 (zero) , se a criança
nada disser.
III – Reprodução de movimentos Boa reprodução das 3
figuras, sem inversão = 3 pontos 2 figuras bem reproduzidas e 1 regular, sem
inversão = 2 pontos Reprodução regular das 3 figuras, sem inversão = 2 pontos
Má reprodução das 3 figuras, sendo as mesmas dissemelhantes terão pontuação 1
Reprodução irregular de 2 figuras e 1 invertida = 1 ponto. 2 figuras
reproduzidas de forma regular, sem inversão e 1 figura não invertida, mas
traçada por movimento invertido = 1 ponto Inversão de 2 ou 3 figuras = o (
zero) 3 figuras quaisquer = 0 (zero)
V – Reprodução de estória 3
ações capitais e 3 minúcias = 3 pontos 2 ações capitais e 1 ou 2 minúcias = 2
pontos 3 ações capitais, nenhuma minúcia = 1 ponto 2 ações capitais e 1 a
3 minúcias = 1 ponto 2 ações capitais, nenhuma minúcia = 0 ( zero) 1 ação
e 1 a 3 minúcias = 0 (zero) Se a criança nada disser, também terá pontuação 0
(zero )
TOTAL GERAL DOS PONTOS DESTE TESTE = 9 PONTOS
RESULTADOS:
Análise dos alunos testados ( os nomes são fictícios ) As análises
referem-se apenas aos dois casos mais complexos.
Carlos: Nasceu em
17/7/90, numa cesariana após nove meses de gravidez. A mãe precisou usar balão
de oxigênio durante todo o parto, a criança usou balão por algumas horas, tendo
nascido com a pele totalmente roxa. Segundo a mãe, esta criança passou da hora
de nascer. Existem casos de hipertensão na família. No teste cognitivo,
conseguiu reproduzir de forma razoável as figuras 1, 2 e 3. Depois de tentar
reproduzir a figura 4 por várias vezes, acabou reproduzindo novamente a figura
3. Também não conseguiu reproduzir a figura 6, confundiu-a com a nº 5. Não
reproduziu as figuras 7, 8, 9, 11 e 12. Reproduziu a figura 10 com numeração
7. Não conseguiu reproduzir as figuras do teste III ( ABC ), inclusive não
conseguiu escrever o “ B ”, reproduziu o “ P ”, apesar de estar copiando da
lousa. Recusou-se a fazer os testes II e V, permanecendo calado o tempo todo
e não reagindo a nenhuma pergunta e/ou estímulo. Antes de terminar o teste,
levantou-se da carteira, correu para a porta e começou a batê-la violentamente,
não parando até que a supervisora de alunos, chegou e o levou para a diretoria.
Segundo o livro Dislexia ( Implicações do Sistema de Escrita do Português )
pg. 144, esta criança apresenta características da “ alexia pura ” ou cegueira
verbal pura ( CVP ) , que pode ser causada por lesões occipitais esquerdas em
diferentes localizações e caracteriza-se por graves problemas de compreensão da
linguagem escrita, leitura em voz alta e dificuldades na cópia, visto que a
criança só reproduziu quatro das doze figuras do primeiro teste e não reproduziu
as figuras do teste III do “ ABC” , inclusive sem conseguir copiar as letras
escritas na lousa.
Pela forma como a criança agiu durante a aplicação dos
testes de memória, totalmente alienada e depois levantou-se correndo até a
porta, repetindo movimentos agressivos e contínuos ( batendo violentamente a
porta), presume-se que ela também tenha características autistas.
Segundo
o Manual de Psiquiatria Infantil, pg. 698, a criança autista apresenta uma
incapacidade para manter a constância da percepção, o que significa dizer que
percepções idênticas, provindas do ambiente, não são experimentadas como sendo
as mesmas a cada vez.
Esta incapacidade tem por resultado, ao acaso, uma
subcarga ou uma sobrecarga do sistema nervoso central (E. M. Ornitz e E. R.
Ritvo – 1968).
Para B. Bettelheim ( s/d ), a criança autista só vê o que
tem sentido para ela e ignora todos os estímulos sem importância. Utiliza os
sentidos não para apreender o mundo, mas sim para se defender das experiências
aterradoras.
Num estágio mais “leve”, pode-se dizer que esta criança
apresenta características limítrofes.
Conforme o Manual de Psicopatologia
Infantil, pg. 149, “o fracasso escolar caracteriza estas crianças que, até o
ingresso na escola tiveram, na maior parte das vezes, um desenvolvimento
psicomotor normal”.
Na pg. 150, complementa: “a tendência a manifestações
comportamentais: Instabilidade, reação de prestância, podendo chegar a reações
coléricas diante do fracasso”.
Estas colocações também devem servir para
justificar o comportamento de Daniel (criança a ser analisada logo após Carlos),
pois, além de não conseguir reproduzir nenhum dos desenhos, nem fazer nenhum dos
testes, Daniel, ao tentar fazer uma lição sem êxito, já teve vários “ ataques
histéricos ”, os quais me foram relatados pela professora.
Daniel: Nasceu
em 2/12/90, num parto normal após oito meses de gravidez. Segundo os pais, esta
criança nasceu com mielite, não sabem explicar direito, mas a criança sofreu
reanimação e, em seguida foi operada. Essa criança não anda, é muito lenta em
seu aprendizado. Segundo a professora, costuma ter crises que “ lembram a
histeria ” cada vez que fracassa na escrita, cópia, etc. Às vezes, ele é
agressivo com os colegas e às vezes é disperso ao extremo.
Daniel tentou,
mas não conseguiu reproduzir nenhuma figura do primeiro teste. Também não
conseguiu reproduzir as figuras do teste III ( ABC ). Na memória de
palavras/figuras, teste II, lembrou-se de gato, carro e pé, que, na realidade, é
mão. Da estória do teste V, apenas lembrou-se da “ menina que chorou muito ”.
Ao se perguntar porque a menina chorou muito, ele diz não se lembrar. E continua
respondendo que não se lembra para perguntas do tipo: “Como se chamava a
menina?”, O que ela comprou?”, Etc.
Pedi a esta criança que desenhasse
sua família e este é o único material disponível para análise.
Segundo o
Manual de Psiquiatria Infantil, pg. 249, esta criança apresenta distúrbios
importantes pelo fato do seu desenho reproduzir de forma rudimentar as figuras
humanas, com traços particulares ( por exemplo: o irmão altíssimo com três
cabeças).
Segundo o Manual de Psicopatologia Infantil, pg. 244, “a
dificuldade do desenho da figura humana: Homem girino, homem sem fundilhos,
corpo despedaçado, desrespeito as proporções em vista da idade... O problema
essencial continua sendo a articulação entre a deficiência mental e a
sintomatologia de funcionamento psicótico concebidos um e outro, quer como
testemunho de uma organização antinômica (posição inicial de inúmeros
psiquiatras: Somente as crianças inteligentes poderiam ser psicóticas, sendo as
outras nada mais do que débeis), quer como condutas clínicas que não pressupõem
necessariamente uma etiopatia própria."
DISCUSSÃO:
Segundo a
classificação do desenvolvimento cognitivo proposto por Piaget, no período
pré–operatório, a criança é levada a desenvolver sua função simbólica (ou
semiótica): a linguagem, a imitação postergada, a imagem mental, o desenho, o
jogo simbólico.
Piaget denomina de função simbólica “a capacidade de
evocar objetos ou situações não percebidas atualmente, utilizando sinais ou
símbolos." Esta função simbólica desenvolve-se entre 3 e 7 anos.
(Manual
de Psicopatologia Infantil – pg. 37)
Na página 145 do mesmo manual,
descreve-se a proposta de Piaget e seus continuadores em relação as provas
(termo que substitui o teste), que consistem em uma conversa com a criança, na
qual trocam-se argumentos, permitindo apreender a própria estrutura do
raciocínio.
No período pré operatório: o da inteligência representativa
(2 a 7 anos), estas provas repousam sobre a análise genética de figuras
geométrica simples (círculo, quadrado, losango) e depois mais complexas.
Segundo Lauretta Bender (psicometria Genética pgs. 92, 93), aos quatro anos a
criança já desenha duas figuras fechadas circulares (fig.4).
No caso do
losango fechado (fig.8), produto da superposição, é possível reproduzi-lo a
partir dos seis anos.
Aos cinco anos, a criança faz ovais orientadas
verticalmente (fig.3,5), as quais converte paulatinamente em poliláteros aos
seis anos, enquanto que aos sete chega a sobrepô-los, quando uma operação
reversível lhe permite retornar ao ponto de partida da análise.
A partir
dos sete anos, a criança executa hexágonos, embora os ângulos ainda fiquem
arredondados e falte simetria nas subformas, sobretudo nos ângulos obtusos, que
tendem a achatar-se por ser menos nítida a mudança de direção.
Aos quatro
anos a criança desenha efetivamente um círculo que inclui outro (fig. 4), aos
cinco anos, a forma maior adquire sua orientação horizontal.
Aos seis
anos consegue desenhar um polilátero que se delineia como hexágono irregular um
ano depois, ocasião em que a criança se contacta com os lados mais ou menos
paralelos do hexágono na linha média.
Apesar da proposta de Piaget no
sentido de “amenizar” os testes e de estar claro para Bender que somente aos
onze anos a criança tem condições de reproduzir perfeitamente o modelo ( ângulos
obtusos), depois de coordenar esquemas infralógicos de simetria e paralelismo
junto a uma métrica de proporções, ainda assim, as crianças testadas ficaram
muito aquém da média esperada para suas idades ( sete anos).
Desde os
casos mais graves como Daniel (que não conseguiu fazer nenhum dos testes) ou
Carlos (que, além de pouco responder aos testes, ainda teve uma reação
colérica), até Joana e Sandra (que ao menos responderam a praticamente todos os
testes), as crianças testadas apresentam grandes dificuldades de assimilação e
reprodução de figuras, sejam elas geométricas ou não.
E todas as crianças
têm em comum, uma dificuldade muito grande de guardar detalhes, vistos ou
ouvidos, ou seja, têm falhas nas memórias visual , auditiva e seqüencial.
Todas são dispersas, inquietas, algumas chegam a ser hiperativas, exceto as
meninas Sandra e Joana que, na realidade, são tímidas e quietas demais em
relação aos outros.
Em síntese, as sete crianças testadas apresentam
desenvolvimento cognitivo, sensório-motor abaixo da média.
Conforme já
especificado no caso Marcos e reafirmado nos outros casos, todas as crianças
testadas apresentam características básicas de dislexia, ou seja, confundem
letras simétricas, possuem grande facilidade para ler e escrever “em espelho” e
apresentam “estrefossimbolia”, perturbação da dominância lateral, defendida por
inúmeros autores já citados, como específica da dislexia.
Este é um dado
bastante significativo, visto que todas as crianças testadas, em algum momento,
escreveram espelhado/invertido.
As outras três crianças selecionadas a
princípio, cujas ficha/relatório sugeriam anóxia perinatal, apesar de não terem
sido testadas têm em comum o fato de não terem necessitado de recuperação, o que
me leva a crer que não apresentem problemas de aprendizagem.
CONCLUSÃO:
Concluindo, num grupo de dez crianças, possíveis vítimas de anóxia
perinatal, sete delas apresentaram problemas significativos de aprendizagem, de
memorização, inquietação/hiperatividade ou timidez excessiva e, nos dois casos
mais graves, características autistas e/ou limítrofes.
Confirmando a
pesquisa realizada por Kasen (1972) e já descrita no capítulo “ Estudos
Comprovados ” ( pg.19 ), constatou-se que estas sete crianças testadas mostraram
claramente a maior dificuldade de aprendizagem dos meninos em relação às
meninas.
Estas, além de serem em menor número (duas meninas para cinco
meninos problemáticos ), ainda conquistaram as duas maiores pontuações na
somatória dos testes, conforme foi especificado nas tabelas (pg.38).
Reafirmando a colocação sobre a amplitude da memória auditiva e compreensão
(citada na íntegra no capítulo Discussão, pg.50), todas as crianças apresentaram
muitas dificuldades na retenção de imagens e quantidade de informações
memorizadas, o que as caracteriza como possíveis detentoras de distúrbios
neurogênicos de aprendizagem, limitando-as, ao receberem uma série de
informações, impossibilitando-as de processar e memorizar as mesmas.
Dois
casos destacaram-se por sua maior gravidade, sendo o primeiro, Daniel, que, além
das dificuldades comuns a todos, apresentou também características de disgrafia
(conforme especificado no capítulo Discussão, pg. 51), ao tentar, sem nenhum
êxito, reproduzir as figuras e lembrar-se dos detalhes ouvidos na estória.
O segundo caso, Carlos ( citado na mesma página ), que, diante da sua
dificuldade em responder as perguntas, reagiu de forma colérica e, com isso,
demonstrou características limítrofes e até mesmo autistas, tornando-se assim, o
caso mais complexo, visto pertencer a uma família com poucas condições
financeiras e estar cursando uma escola pública, com muitos alunos e poucas
chances de obter atenção especial.
Em vista disso, sugeriu-se aos pais
das duas crianças que as encaminhassem a um Posto de Saúde, para que as mesmas
pudessem ser avaliadas e passar por exames mais apurados, que acusariam com
maior precisão o seu grau de comprometimento.
A professora foi orientada
no sentido de melhor compreender as limitações dos casos mais amenos ( as duas
meninas ) e dos intermediários ( os outros três casos ). E a entender essas
crianças não apenas como dispersas e/ou desinteressadas, mas como indivíduos que
necessitam de maior atenção e estímulo, para que possam aproximar-se ao máximo
do padrão normal de aprendizagem esperado para suas idades...
“ Esta
pesquisa, além da deficiência de aprendizagem causada provavelmente por anóxia
perinatal, mostrou-nos também a desinformação dos profissionais de Educação; não
por desinteresse, mas por falta de oportunidades para ampliar-se, a desestrutura
de escolas que recebem muito mais alunos do que comporta o seu espaço físico,
visando apenas o lucro, a ingenuidade dos pais que muitas vezes nem percebem ou
recusam-se a acreditar que seus filhos apresentam problemas, dificuldades na
escola ou fora dela. O muito que ainda precisa ser feito pela Educação de nossas
crianças e que, apenas agora, começa a elucidar-se...
E, acima de tudo,
mostrou que pode ser mais cômodo simplesmente reclamar do sistema de ensino do
país e dizer que nada pode ser feito, mas, sem dúvida, é imensamente mais
gratificante e produtivo buscar o máximo conhecimento possível e usá-lo para
promover mudanças, se não de todo um sistema, ao menos, na escola em que
lecionamos, no bairro em que residimos ou, até somente, dentro de nossas casas
com nossos filhos. Se cada um puder empenhar-se numa melhoria, por mínima que
seja, um dia as crianças problemáticas, em aprendizagem ou em qualquer
modalidade, deixarão de ser tão somente estatísticas para transformarem-se em
adultos que conseguiram superar suas limitações”.
Lou de Olivier
é psicopedagoga e arteterapeuta.
RT, 2013
___________________
Direção e Editoria
IRENE SERRA
irene@revistariototal.com.br
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