01/11/2023
Ano 27

Semana 1.343







 
ARQUIVO
de
MÚSICA

 

 

 

 




Crítica do filme “Meu nome é Gal”



 


Cândido Luiz de Lima Fernandes



“Meu nome é Gal", cinebiografia da cantora Gal Costa que estreiou nos cinemas no dia 12 de outubro, já estava em andamento quando Gal morreu em novembro de 2022, aos 77 anos. Mas a expectativa do filme passou a ser ainda maior após a morte de uma das maiores cantoras da história do Brasil. Com uma vida tão rica de histórias e experiências, é claro que não seria possível mostrar a trajetória completa de Gal em um longa-metragem. Por isso, "Meu nome é Gal" é centrado num recorte dos primeiros anos de sua carreira, quando ainda era Maria da Graça Costa Penna Burgos. Gracinha para os íntimos (interpretada por Sophie Charlotte), deixa a Bahia aos 20 anos e vai para o Rio em 1966 para tentar a sorte como artista.

Em “Meu Nome é Gal”, Sophie Charlotte interpreta “a melhor cantora do Brasil” (palavras de ninguém menos do que João Gilberto), em um período de tempo marcado pela repressão da ditadura militar e pela formação da Tropicália, movimento cultural revolucionário do qual Gal era uma grande representante, ao lado de grandes nomes como Gilberto Gil (interpretado por Dan Ferreira) e Caetano Veloso (interpretado por Rodrigo Lélis) – este último, um dos maiores amigos, incentivadores parceiros profissionais da cantora. Sophie Charlote (en)canta, quando solta a voz em “Vapor Barato” e "Divino Maravilhoso" e canta com doçura “Mamãe, Coragem”, “Baby” e “Coração Vagabundo”.

É curioso como algumas atuações deixam uma sensação forte do envolvimento do ator com o personagem que está representando. Foi esse o primeiro sentimento que se tem em relação a Sophie Charlotte, o de uma atriz que trabalhou com dedicação para encontrar o melhor caminho possível com o material que tinha em mãos – sabendo-se que ela recebeu a bênção da própria Gal Costa para representá-la em tela.

A timidez é uma característica que vinha frequentemente atrelada a Gal quando se falava sobre ela, mas a personalidade da artista tinha muitas outras nuances, que foram bem incorporadas pela representação de Sophie.

O recorte escolhido por “Meu Nome é Gal” é o do final da década de 1960 e o início dos anos 1970, sob o cerco fechado do regime militar no Brasil. Foi neste período de repressão, por exemplo, que nasceram algumas das grandes canções que ficaram conhecidas na voz da cantora – é emocionante a cena em que Caetano Veloso ensina à amiga a letra da inesquecível canção “Baby”, que viria a ser um dos maiores sucessos dos dois mais tarde. Por falar nos anos de chumbo, eles são o fio condutor de grande parte da narrativa, que se passa entre as décadas de 1960 a 1970. A história do filme começa em 1966. Eram anos de ditadura, os do surgimento do tropicalismo e da ascensão de Gal como artista. O país se dividia em dois: o dos libertários (os que aspiravam por algum tipo de revolução) e o dos liberticidas (ditadura militar e apoiadores). Havia outra divisão: entre os nacionalistas, que maldiziam as guitarras elétricas, e os que buscavam o mundo para encontrar a nação. É nessa questão que a entrada das vaias estrepitosas a Caetano Veloso e seu "É Proibido Proibir" não funciona como mera ilustração. Como é bem sabido, Gil e Caetano se exilam na Inglaterra durante alguns anos. Durante esse período, tanto ela quanto o restante dos amigos ficam apreensivos com o que lhes pode acontecer. Enquanto seus amigos enfrentam o exílio em terras europeias, em terras tupiniquins a baiana tenta se reerguer da melancolia e seguir em frente. É neste contexto que a música de Gal evolui.

No filme fica clara a importância dos relacionamentos de Gal Costa em seu crescimento como artista. E que amizades! Boa parte da nata da música popular brasileira está presente de alguma maneira no filme e o destaque é Rodrigo Lélis em uma personificação de Caetano Veloso que é idêntica, tanto em termos de semelhança física, quanto na linguagem de uma figura tão conhecida.

Nesse ponto, talvez esteja a maior novidade para o público: na vida de Gal existiram algumas figuras menos conhecidas publicamente, mas que são peças fundamentais em sua história. É o caso de Guilherme Araújo (interpretado por Luis Lobianco), empresário que apostou no talento daqueles jovens artistas e fez os investimentos certos para projetá-los – nada do estereótipo de empresário crápula que já vimos algumas dezenas de vezes. Na figura de mentor e cérebro “estratégico” em meio a tantas almas artísticas, foi Guilherme, por exemplo, quem deu a Maria da Graça Penna Burgos Costa o apelido de Gal.

Há também destaque para Dedé Gadelha, grande amiga de Gal e esposa de Caetano, interpretada por Camila Márdila. Em um meio predominantemente masculino, Dedé era não só uma companhia importante para Gal, como também um membro especial daquele grupo – não estava em cima dos palcos, mas a mente estava sempre um passo à frente. A atriz que interpreta Maria Bethânia (Dandara Ferreira) parece-se fisicamente com a cantora. Fica clara no filme a independência de Maria Bethânia, que desde o início de sua carreira buscou o seu próprio caminho.

De modo geral, talvez tenha faltado ao filme “Meu Nome é Gal” dar mais detalhes sobre o que levou sua protagonista ao estrelato – não é que os 60 anos de carreira precisem ganhar resumo, mas é provável que o filme tenha muito mais apelo com quem já é fã (assim como eu) do que com aqueles que cheguem à obra para conhecer a cantora. Temos, assim, uma história que funciona mais como uma homenagem a Gal e, se esse era o objetivo, o trabalho foi cumprido: não há dúvidas de que se trata de um dos maiores legados da cultura brasileira.

Como fã incondicional de Gal Costa, assisti ao filme com lágrimas nos olhos, lembrando-me não só da grande cantora que nos deixou como também do momento político pavoroso presente em boa parte do filme. Recomendo muito aos leitores de Rio Total que o assistam.

 

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com



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Direção e Editoria
Irene Serra