01/09/2023
Ano 26

Semana 1.332







 
ARQUIVO
de
MÚSICA

 

 

 

 




Geraldo Vandré, 88 anos de um enigma



Cândido Luiz de Lima Fernandes



Um grande artista brasileiro que muito admiro, Geraldo Vandré, está fazendo 88 anos neste mês de setembro.

Geraldo Vandré, nome artístico de Geraldo Pedrosa de Araújo Dias (nascido em João Pessoa, na Paraíba no dia 12 de setembro de 1935), é compositor, advogado e poeta brasileiro. Seu sobrenome artístico é uma abreviação do sobrenome de seu pai, o médico José Vandregíselo.

Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1951, tendo ingressado em 1957 na Universidade do Distrito Federal, pela qual se formou em 1961, quando esta passou a se chamar Universidade do Estado da Guanabara (hoje Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Tornou-se funcionário da COFAP (sucedida em 1962 pela SUNAB). Militante estudantil, participou do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE).

Iniciou a carreira musical nos anos 60, tornando-se famoso pelas suas músicas que se tornaram ícones da oposição ao regime militar de 1964, como Porta Estandarte, Arueira, Pra não dizer que não falei das flores, entre outras.

Conheceu Carlos Lyra, que se tornou seu parceiro em canções como Quem Quiser Encontrar Amor e Aruanda, gravadas por Lyra e por Vandré. Lançou seu primeiro LP, "Geraldo Vandré", em 1964, com as músicas Fica Mal com Deus e Menino das Laranjas, entre outras.

Em 1966, chegou à final do Festival de Música Popular Brasileira da TV Record com o sucesso da música Disparada (parceria com Théo de Barros), interpretada por Jair Rodrigues. A canção arrebatou o primeiro lugar ao lado de A Banda, de Chico Buarque.

No livro "A era dos Festivais - Uma Parábola", de 2003, Zuza Homem de Mello revela que Chico Buarque, ao saber que sua música havia ganhado, não concordou com o resultado, pois considerava Disparada melhor e disse que não aceitaria o prêmio. A situação foi resolvida quando Chico foi informado que ele e Geraldo Vandré dividiriam o prêmio de primeiro lugar.

Em 1968, participou do III Festival Internacional da Canção da TV Globo com Pra não Dizer que não Falei das Flores, também conhecida como Caminhando.

Esta canção se tornou um hino de resistência do movimento estudantil que fazia oposição à ditadura durante o governo militar, e foi censurada. O refrão "Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora, / Não espera acontecer" foi erroneamente interpretado pelos militares como uma chamada à luta armada contra os ditadores, o que levou a sua perseguição política. No festival, a música ficou em segundo lugar, perdendo para Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim. A música Sabiá foi vaiada pelo público presente no festival, que bradava exigindo que o prêmio viesse a ser da música de Geraldo Vandré.

Com a canção Pra não dizer que não falei das flores criou-se uma nova situação envolvendo ele e Chico Buarque. Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, foi declarada vencedora, mas o público se revoltou, pois queriam Pra não dizer que não falei de flores, que acabou ficando em segundo lugar. Enquanto Cynara e Cybele ao lado de Tom Jobim e Chico Buarque apresentavam a música campeã, vaias se ouviam durante a apresentação. Este se tornou o momento mais emblemático da história dos festivais.

Em 13 de dezembro de 1968, data de promulgação do AI-5 (Ato Institucional número 5), realizou seu último show em um palco do Brasil, em Anápolis. Vandré partiu para o exílio, passando por Chile, Uruguai e países da Europa. Voltou ao Brasil em 1973.

Em 12 de setembro de 2010 (dia de seu aniversário de 75 anos), Vandré concedeu no Clube da Aeronáutica no Rio de Janeiro uma polêmica entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto, na qual critica o cenário cultural brasileiro desde os anos 70 e afirma que seu afastamento da música popular não foi causado por perseguição, mas sim pela falta de motivação para compor ao público brasileiro, vítima do processo de massificação cultural e histórica. Negou ter sido torturado e rejeitou os rótulos de antimilitarista e de autor de música de protesto.

Hoje, ausente da atividade musical comercial e tendo uma vida simples de funcionário público aposentado, Geraldo Vandré residiu no Rio de Janeiro após sua volta do exílio e mudou para São Paulo, após o falecimento da esposa em 2021. "Estou fora de atividade e não tenho o que reportar. Não estou fazendo nada", afirmou para a Folha de S. Paulo, em 2023.

Vandré abandonou a vida pública e se afastou do mundo artístico, atuando como advogado e servidor público. Depois de 14 anos de silêncio, em 1982, na cidade de Presidente Stroessner, Paraguai, apresentou-se em um show. Em março de 1995, apresentou-se no Memorial da América Latina, em São Paulo, no concerto realizado pelo IV Comando Aéreo Regional (IV COMAR), em comemoração à Semana da Asa. Na ocasião, um coral de cadetes lançou sua música Fabiana, uma homenagem à FAB (Força Aérea Brasileira).

Em 1997, o Quinteto Violado lançou o CD Quinteto Violado canta Vandré, incluindo antigos sucessos e apenas uma música inédita: República brasileira. No mesmo ano, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho regravaram Disparada e Canção da despedida no CD Grande encontro 2.

Em 2009, alunos de jornalismo da PUC-SP produziram o documentário "O que sou nunca escondi" sem fins lucrativos com depoimentos sobre Vandré.

Em 23 de março de 2014, Geraldo Vandré voltou a subir ao palco depois de 40 anos, com a cantora norte-americana Joan Baez, que em 1981 foi proibida de cantar no Brasil pela ditadura militar. Baez insistiu para que Vandré cantasse, mas este não cedeu: “Eu vou convidar para subir ao palco um mito. Ele não gosta disso, prefere ser somente um homem. Ele virá aqui, mas não vai cantar, vai ficar do meu lado”, disse Joan Baez.

Em 2015, em homenagem aos 80 anos do compositor, foram lançadas as biografias "Geraldo Vandré - Uma canção interrompida" (do jornalista Vitor Nuzzi) e "Vandré: o homem que disse não" (do jornalista Jorge Fernando dos Santos). No mesmo ano, Vandré foi homenageado no Festival Aruanda, em João Pessoa, por seu trabalho na trilha sonora do filme A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1965), baseado na obra de Guimarães Rosa. Esta foi a primeira vez, após 20 anos, que ele retornou à terra natal.

Em 22 e 23 de março de 2018, Vandré se apresentou em João Pessoa, depois de 50 anos de silêncio. Acompanhado da Orquestra Sinfônica da Paraíba (OSPB), cantou Pra não dizer que não falei de flores e fez homenagens às Forças Armadas. No mês seguinte, publicou o livro de poemas Poética, produzido durante seu exílio no Chile, em 1973. A obra, originalmente intitulada Cantos Intermediários de Benvirá, foi lançada na Academia Paraibana de Letras.

Vandré é autor de várias músicas belíssimas, como Canção do breve amor (com Alaíde Costa), Porta Estandarte (que cantava com Tuca), Fica mal com Deus, Pequeno Concerto que virou canção e Disparada (em co-autoria com Théo de Barros), embora tenha ficado mais conhecido com Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando), sempre cantada nos protestos contra a ditadura militar.

É também um dos grandes enigmas da nossa música e da política. Depois de decretado o AI-5, em dezembro de 1968, passou a ser caçado pela polícia, como vários artistas. Antes de partir para o exílio, fez uma outra bela canção em parceria com o pernambucano Geraldo Azevedo, Canção da despedida, censurada e só gravada alguns anos depois, cujos versos dizem:

“Já vou embora
Mas sei que vou voltar
Amor, não chora
Se eu volto é pra ficar.”

Como previa a letra da canção, Vandré voltou para ficar, mas desde então é um outro Vandré. Recluso, evita entrevistas ou falar de tempos passados. Parece uma outra pessoa, até no olhar distante.

Vandré retornou ao Brasil em 1973, no auge da repressão política, das prisões, torturas, dos “desaparecimentos” de opositores, quando o ditador era Emílio Garrastazu Médici.

Essa volta até hoje é um mistério. Dizem que envolveu negociações de sua família e dele próprio com a ditadura militar brasileira. O compositor nunca confirmou isso, nem disse ter sido torturado.

Mas como alguém poderia mudar assim, definitivamente, mesmo depois do fim da ditadura?

Vandré tornou-se admirador da Aeronáutica a tal ponto que quando vem ao Rio hospeda-se em um alojamento para militares da Força Aérea, em uma base militar junto ao Aeroporto Santos Dumont.

É difícil entender tamanha mudança, mas nunca julguei Geraldo Vandré por isso. Ao contrário, sempre o admirei. Adoro as canções que ele fez até 1968, canções que fizeram parte da minha adolescência e juventude, que sinto prazer em ouvir até hoje.

Neste 12 de setembro desejo paz, saúde, muita felicidade a esse grande artista brasileiro pelos seus 88 anos.



Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com  


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Direção e Editoria
Irene Serra