Vanja Orico
Cândido Luiz de Lima Fernandes
Em 1975 fui convidado
para uma festa, mas as pessoas estavam interessadas mesmo é que eu a animasse
com meu violão. Achei melhor deixá-lo no carro e, se me pedissem para tocar,
iria buscá-lo. Mal entrei na casa uma senhora se dirigiu a mim e me disse: -
Anda, vamos ensaiar que eu tenho de dar o show antes de ir embora. Contrafeito,
sem saber de quem se tratava, fui ao carro buscar o violão. Ela levou-me para um
barracão que havia no quintal e começamos a ensaiar. Seu repertório era de
canções nordestinas, como “Mulher Rendeira”, e ela era bastante exigente. Quando
julgou que estava razoável o nosso ensaio, a senhora convocou todos os que
estavam na festa para escutá-la. E me disse: - Violonista, fique bem debaixo do
lustre para você também aparecer um pouco. Depois de cantar várias canções
nordestinas, Vanja pediu-me para tocar “Pra não dizer que falei de flores”,
música com que encerrou o show daquela noite. O motivo de ela estar ali é o seu
parentesco com o Carlinhos, dono da casa. Jamais poderia imaginar, que eu,
violeiro tão fraco, viesse a acompanhar uma estrela de verdade. Só fiquei
sabendo quando perguntei à minha amiga Silvana, com quem tinha ido à festa, quem
era aquela senhora tão excêntrica. Ela me respondeu: - Mas você não percebeu? É
Vanja Orico, estrela do cinema nacional nos anos cinquenta. Só então fui
pesquisar sua biografia.
Vanja Orico nasceu no Rio de Janeiro em 15 de
novembro de 1931, mas passou boa parte de sua juventude na Europa, pois seu pai
era diplomata. Tendo em seu sangue descendência indígena e italiana, sentia-se a
mais brasileira das brasileiras. Talvez por isso circulou tão livremente entre
tão diversas culturas. Vibrou ao som de músicas genuinamente brasileiras, mas
também dedicou igual amor a qualquer trabalho ao qual se dedicou. Quando atuou
em Mulheres e Luzes (1951), dirigido por Federico Fellini e Alberto Lattuada,
dois conceituados cineastas italianos, se tornou a única brasileira a aparecer
em um filme deles. Ela aparece cantando, no auge de sua juventude a música “Meu
Limão, Meu Limoeiro”. Tinha apenas 16 anos. Ela conseguiu uma participação após
fazer um curso de teatro ainda em Paris, tendo como mestre René Simon. Após um
curso em Roma, conseguiu uma participação no filme em questão. Essa participação
catapultou sua carreira de diversas maneiras. Afinal, estrear em um filme
felliniano era um passaporte e tanto para qualquer ator que se preze.
Já
no Brasil, foi chamada por Lima Barreto para estrelar “O Cangaceiro” (1953) ao
lado de Marisa Prado e Alberto Ruschel. O filme ganhou o prêmio de Melhor trilha
sonora e Aventura no famoso Festival de Cannes. Trazia como fonte de inspiração
a história do mais famoso cangaceiro brasileiro, o lendário Lampião. Em um dos
momentos mais belos, ela canta a inesquecível “Sodade, meu bem, Sodade”. O
sucesso de “O Cangaceiro” lhe rendeu reconhecimento internacional, passando a
fazer apresentações na Europa, na África, no Caribe e nos Estados Unidos. Gravou
discos na França e foi recordista de vendas no Brasil. Foi capa das principais
revistas da época.
Vanja se apresentou em diversas partes do mundo, da
América à África, gravando discos inclusive na França. Nessas apresentações ela
cantava músicas tipicamente brasileiras. Sua participação em filmes com a
temática do cangaço a transformou em uma espécie de musa do ciclo do cangaço no
Brasil.
A atriz também apareceu em um filme alemão, “Conchita und der
Ingenieur” (1954), e chegou a dirigir um filme, “O Segredo da Rosa” (1974). Ser
filha de um diplomata com certeza abria muitas portas para ela, e falar cinco
línguas facilitava sua caminhada nos mais diversos países onde chegou a atuar.
Em 1959 a atriz casou-se com o francês André Rosenthal. Os dois se
conheceram durante um espetáculo que ela apresentou no Teatro Alhambra em Paris.
André sempre foi um homem muito discreto e apesar de saber da fama da esposa,
raramente aceitava tirar fotos ao seu lado. O casal teve apenas um filho, Adolfo
Rosenthal, nascido em 1961 e que se tornaria diretor e produtor independente.
Vanja também ficou conhecida por seu engajamento político. A atriz lutou
ativamente contra a ditadura militar e durante o enterro de um estudante morto
pela repressão, foi fotografada de joelhos em frente a carros do exército em
1968. Ela chegou a ser presa e torturada após enfrentar os policiais.
Participou de vários filmes no Brasil e no exterior, sendo uma das atrizes mais
reconhecidas internacionalmente. Há um projeto para um filme sobre sua vida,
dirigido por seu filho Adolfo Rosenthal. O documentário falará um pouco mais
sobre sua carreira e personalidade, além de mostrar como a atriz sempre lutou
pela democracia.
A atriz faleceu em 28 de janeiro 2015, aos 85 anos no
Rio de Janeiro. Ela tinha alzheimer e também lutava contra um câncer no
intestino, tendo passado várias semanas internadas. Mas fica sua história de
luta e coragem. Uma atriz que apesar de seus privilégios, não esqueceu de suas
raízes.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra |