01/09/2022
Ano 25

Semana 1.286







 
ARQUIVO
de
MÚSICA

 

 

 

 




Vanja Orico

 



Cândido Luiz de Lima Fernandes



Em 1975 fui convidado para uma festa, mas as pessoas estavam interessadas mesmo é que eu a animasse com meu violão. Achei melhor deixá-lo no carro e, se me pedissem para tocar, iria buscá-lo. Mal entrei na casa uma senhora se dirigiu a mim e me disse: - Anda, vamos ensaiar que eu tenho de dar o show antes de ir embora. Contrafeito, sem saber de quem se tratava, fui ao carro buscar o violão. Ela levou-me para um barracão que havia no quintal e começamos a ensaiar. Seu repertório era de canções nordestinas, como “Mulher Rendeira”, e ela era bastante exigente. Quando julgou que estava razoável o nosso ensaio, a senhora convocou todos os que estavam na festa para escutá-la. E me disse: - Violonista, fique bem debaixo do lustre para você também aparecer um pouco. Depois de cantar várias canções nordestinas, Vanja pediu-me para tocar “Pra não dizer que falei de flores”, música com que encerrou o show daquela noite. O motivo de ela estar ali é o seu parentesco com o Carlinhos, dono da casa. Jamais poderia imaginar, que eu, violeiro tão fraco, viesse a acompanhar uma estrela de verdade. Só fiquei sabendo quando perguntei à minha amiga Silvana, com quem tinha ido à festa, quem era aquela senhora tão excêntrica. Ela me respondeu: - Mas você não percebeu? É Vanja Orico, estrela do cinema nacional nos anos cinquenta. Só então fui pesquisar sua biografia.

Vanja Orico nasceu no Rio de Janeiro em 15 de novembro de 1931, mas passou boa parte de sua juventude na Europa, pois seu pai era diplomata. Tendo em seu sangue descendência indígena e italiana, sentia-se a mais brasileira das brasileiras. Talvez por isso circulou tão livremente entre tão diversas culturas. Vibrou ao som de músicas genuinamente brasileiras, mas também dedicou igual amor a qualquer trabalho ao qual se dedicou. Quando atuou em Mulheres e Luzes (1951), dirigido por Federico Fellini e Alberto Lattuada, dois conceituados cineastas italianos, se tornou a única brasileira a aparecer em um filme deles. Ela aparece cantando, no auge de sua juventude a música “Meu Limão, Meu Limoeiro”. Tinha apenas 16 anos. Ela conseguiu uma participação após fazer um curso de teatro ainda em Paris, tendo como mestre René Simon. Após um curso em Roma, conseguiu uma participação no filme em questão. Essa participação catapultou sua carreira de diversas maneiras. Afinal, estrear em um filme felliniano era um passaporte e tanto para qualquer ator que se preze.

Já no Brasil, foi chamada por Lima Barreto para estrelar “O Cangaceiro” (1953) ao lado de Marisa Prado e Alberto Ruschel. O filme ganhou o prêmio de Melhor trilha sonora e Aventura no famoso Festival de Cannes. Trazia como fonte de inspiração a história do mais famoso cangaceiro brasileiro, o lendário Lampião. Em um dos momentos mais belos, ela canta a inesquecível “Sodade, meu bem, Sodade”. O sucesso de “O Cangaceiro” lhe rendeu reconhecimento internacional, passando a fazer apresentações na Europa, na África, no Caribe e nos Estados Unidos. Gravou discos na França e foi recordista de vendas no Brasil. Foi capa das principais revistas da época.

Vanja se apresentou em diversas partes do mundo, da América à África, gravando discos inclusive na França. Nessas apresentações ela cantava músicas tipicamente brasileiras. Sua participação em filmes com a temática do cangaço a transformou em uma espécie de musa do ciclo do cangaço no Brasil.

A atriz também apareceu em um filme alemão, “Conchita und der Ingenieur” (1954), e chegou a dirigir um filme, “O Segredo da Rosa” (1974). Ser filha de um diplomata com certeza abria muitas portas para ela, e falar cinco línguas facilitava sua caminhada nos mais diversos países onde chegou a atuar.

Em 1959 a atriz casou-se com o francês André Rosenthal. Os dois se conheceram durante um espetáculo que ela apresentou no Teatro Alhambra em Paris. André sempre foi um homem muito discreto e apesar de saber da fama da esposa, raramente aceitava tirar fotos ao seu lado. O casal teve apenas um filho, Adolfo Rosenthal, nascido em 1961 e que se tornaria diretor e produtor independente.

Vanja também ficou conhecida por seu engajamento político. A atriz lutou ativamente contra a ditadura militar e durante o enterro de um estudante morto pela repressão, foi fotografada de joelhos em frente a carros do exército em 1968. Ela chegou a ser presa e torturada após enfrentar os policiais.

Participou de vários filmes no Brasil e no exterior, sendo uma das atrizes mais reconhecidas internacionalmente. Há um projeto para um filme sobre sua vida, dirigido por seu filho Adolfo Rosenthal. O documentário falará um pouco mais sobre sua carreira e personalidade, além de mostrar como a atriz sempre lutou pela democracia.

A atriz faleceu em 28 de janeiro 2015, aos 85 anos no Rio de Janeiro. Ela tinha alzheimer e também lutava contra um câncer no intestino, tendo passado várias semanas internadas. Mas fica sua história de luta e coragem. Uma atriz que apesar de seus privilégios, não esqueceu de suas raízes.

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com  


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Direção e Editoria
Irene Serra