01/08/2018
Ano 23

Semana 1.085







 
ARQUIVO
de
MÚSICA

 

 

 

 




Os 60 anos da Bossa Nova


Cândido Luiz de Lima Fernandes


Os 60 anos da bossa nova O mês de agosto de 2018 marca o aniversário de 60 anos do nascimento oficial da Bossa Nova, gênero musical concebido por João Gilberto, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e outros cantores e compositores de classe média da Zona Sul do Rio de Janeiro, derivado do samba e com influência do jazz. De início, o termo “bossa nova” era associado a um novo modo de cantar e tocar samba, ou seja, a uma reformulação estética dentro do moderno samba carioca urbano. Com o passar dos anos, a bossa nova tornou-se um dos movimentos mais influentes da história da música popular brasileira, conhecido em todo o mundo. Um grande exemplo disso é a canção "Garota de Ipanema", composta em 1962 por Vinícius de Moraes e Antônio Carlos (Tom) Jobim, com quase duas centenas de gravações em diferentes línguas.

Antes de agosto de 1958 um grupo de jovens cantores e compositores da música brasileira, dentre os quais João Gilberto, Billy Blanco, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Chico Feitosa e Sérgio Ricardo, costumava se encontrar em apartamentos da zona sul, como o de Nara Leão, na Avenida Atlântica, em Copacabana. Nestes encontros, cada vez mais frequentes a partir de 1957, este grupo se reunia para fazer e ouvir música. No final de 1957, alguns dos músicos do grupo, como Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Sylvia Telles, Roberto Menescal e Luiz Eça, apresentaram-se no Colégio Israelita-Brasileiro, onde foram anunciados como "grupo bossa nova apresentando sambas modernos".

Os shows do grupo começaram então a se realizar no âmbito universitário e agregaram inúmeros outros cantores e compositores. De Durval Ferreira (“Sambop”, “Batida Diferente”) à precursora Silvia Telles (a quem alguns atribuem mais um marco inaugural, “Foi a Noite”, de Tom Jobim e Newton Mendonça, em 1957), Leny Andrade e as primeiras formações instrumentais da nova tendência, lideradas por músicos como Oscar Castro Neves, Sérgio Mendes, Luis Carlos Vinhas, além do instrumental/vocal Tamba Trio (Luis Eça, Bebeto, Hélcio Milito) que, ao lado do Bossa 3 (Vinhas, Tião Netto, Edison Machado), deu início a uma febre de conjuntos de piano, baixo e bateria. Foi um momento de efervescência instrumental, com o aparecimento de músicos novos como Paulo Moura, Tenório Junior, Dom Um Romão, Milton Banana, Edson Maciel, Raul de Souza e a ascensão de maestros arranjadores como Moacyr Santos e Eumir Deodato. Todavia, o sucesso nos palcos universitários não tirou o intimismo do movimento, que concentraria novas forças em pocket shows nos minúsculos bares do chamado Beco das Garrafas (assim denominado a partir dos projéteis atirados pelos vizinhos contra o barulho), em Copacabana.

Oficialmente a bossa nova começou em agosto de 1958, quando chegou nas lojas de discos brasileiras o disco de 78 rotações do selo Odeon do cantor João Gilberto com as músicas “Chega de Saudade” (Tom Jobim e Vinicius de Moraes) e “Bim Bom” (do próprio cantor). Pouco antes deste famoso disco, João Gilberto tinha acompanhado ao violão a cantora Elizeth Cardoso em duas faixas do LP “Canção do Amor Demais”, exclusivamente dedicado às canções da iniciante dupla Tom & Vinicius, com a célebre batida, com acordes dissonantes inspirados no jazz americano.

Além da batida peculiar, outra característica da bossa nova eram suas letras que, contrastando com os sucessos de até então, abordavam temáticas leves e descompromissadas, como “o barquinho vai, o barquinho vem”, “sal, sol, sul”. A forma de cantar também se diferenciava da que se tinha na época. Os músicos da Bossa Nova desenvolviam a prática do canto-falado ou do cantar baixinho, do texto bem pronunciado, do tom coloquial da narrativa musical, do acompanhamento e canto integrando-se mutuamente, em lugar de soltarem a voz.

Em 1959 foi lançado o primeiro LP de João Gilberto, “Chega de saudade”, contendo a faixa-título - canção com cerca de 100 regravações feitas por artistas brasileiros e estrangeiros. A partir dali, a bossa nova tornou-se uma realidade. Além de João Gilberto, parte do repertório clássico do movimento deve-se às parcerias de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. A obra destes dois é valiosa, na qual se destacam, além de “Chega de Saudade” e “Garota de Ipanema”, várias joias da música nacional: “Eu sei que vou te amar”, “Se todos fossem iguais a você”, “Insensatez”, “Só danço samba”, “Ela é carioca”, “Água de beber”, “Eu não existo sem você”, “O que tinha de ser”, “O amor em paz”, “Por toda minha vida”, “Brigas nunca mais” e “Modinha”. Além de composições solo como “Este seu olhar”, “Corcovado”, “Samba do Avião” e “Falando de amor”, Tom Jobim teve, no período da bossa nova, outros parceiros com músicas de sucesso: Newton Mendonça (“Desafinado”, “Meditação”,“Samba de uma nota só”, “Caminhos cruzados”, “Foi a noite”); Aloysio de Oliveira (“Dindi”, ”Só tinha de ser com você”, “Demais”); Dolores Duran (“Estrada do sol”, “Por causa de você”) e Billy Blanco (“Tereza da praia”). Também marcaram a bossa nova as músicas de Carlos Lyra (“Primavera”, “Minha namorada”, “Você e eu”, “Canção que morre no ar”, “Maria ninguém”); Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal (“O barquinho”, “Nós e o mar”, “Se é tarde me perdoa”); Baden Powell (“Pra que chorar”, “Consolação”); Johnny Alf (“Eu e a brisa”, “Rapaz de bem”), Marcos e Paulo Sérgio Valle (“Preciso aprender a ser só”, “O amor é chama”, “Samba de verão”); Oscar Castro Neves (“Onde está você”, “Morrer de amor”); Sérgio Ricardo (“Enquanto a tristeza não vem”) e de muitos outros compositores.

Para alguns autores, o fim da bossa nova como movimento musical se deu logo após o famoso show apresentado no Carnegie Hall, em Nova York, em 21 de novembro de 1962. Além de Tom, João Gilberto e Luiz Bonfá, o show contou com a participação do Oscar Castro Neves Quarteto, Sérgio Mendes, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Chico Feitosa, Milton Banana, Sérgio Ricardo, Normando Santos, Dom Um Romão, Agostinho dos Santos, Carmen Santos, Bola Sete e Ana Lúcia.

Para outros autores, o movimento se estendeu até 1965. No período 1963-65 uma repartição política quebraria o movimento, já reforçado por uma geração intermediária formada por Marcos Valle, Dori Caymmi, Edu Lobo e Francis Hime. O Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE) estimulava uma visão popular e nacionalista da cultura brasileira que levou à autocrítica de um dos pilares da bossa, Carlos Lyra, em “Influência do Jazz” ("pobre samba meu/ foi se misturando/ se modernizando/ e se perdeu"), além de uma aproximação de alguns fundadores do movimento com os compositores de morro, como Zé Ketti. Para alguns dos cantores e compositores da bossa nova, o movimento passou a ser encarado como alienado no contexto político e social em que vivia o país. Estes então romperam com o movimento. Participou desta ruptura a musa da bossa nova, Nara Leão, cujo disco de estreia, “Opinião de Nara”, promovia sambistas como Cartola, Elton Medeiros, Zé Ketti e Nelson Cavaquinho e o ás do baião e xote nordestinos João do Vale, autor de Carcará, um dos ícones da chamada “música de protesto”. A dupla Marcos-Paulo Sérgio Valle passou a compor músicas politicamente engajadas, como “Terra de Ninguém” e “Maria do Maranhão”. Também se tornaram compositores engajados Geraldo Vandré (“Aruanda”) e Sérgio Ricardo (“Zelão”). Na busca de uma releitura das raízes étnicas (com as harmonias da bossa), Vinicius de Moraes e o violonista Baden Powell comporiam a série de afro-sambas (“Berimbau”, Canto de Ossanha). Além disso, Vinicius de Moraes, um dos maiores expoentes da bossa nova, viria a compor um dos marcos do fim do movimento. Em 1965 compôs, com Edu Lobo, a música Arrastão, defendida por Elis Regina no I Festival de Música Popular Brasileira (da extinta TV Excelsior), realizado naquele mesmo ano. Era o fim da bossa nova e o início do que se rotularia MPB, gênero difuso que abarcaria diversas tendências da música brasileira até o início da década de 1980 - época em que surgiu um pop rock nacional renovado.

Entretanto, o fim cronológico da bossa nova não significou a extinção estética do estilo. O movimento foi uma grande referência para gerações posteriores de artistas, tanto nacionais como estrangeiros. Até na música de Cazuza (“Faz parte do meu show”), a bossa nova mostra sua influência. Alguns anos mais tarde, a musa Nara Leão, em seu exílio em Paris, faria as pazes com este gênero musical e ali gravou, junto com a violonista e compositora Tuca, um dos seus mais belos discos, intitulado “Nara Leão - dez anos depois”, em que canta e toca vinte e quatro canções emblemáticas do tempo da bossa nova.
 

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com



___________________

Direção e Editoria
Irene Serra