A música popular brasileira nas lindas vozes
de dois
cantores portugueses
Cândido Luiz de Lima Fernandes
A MPB está cada vez mais valorizada pelos novos
cantores portugueses que, além de fazerem muito sucesso em seu país e outros da
Europa, têm vindo recentemente ao Brasil apresentar suas interpretações de
músicas de nossos compositores. O cantor António Zambujo e a cantora Carminho
fizeram, em seus mais recentes álbuns, releituras de canções de,
respectivamente, Chico Buarque e o maestro Antônio Carlos Jobim. De ouvidos
atentos ao jeitinho brasileiro de fazer canção desde pequenos, principalmente
por causa das trilhas sonoras das telenovelas brasileiras que sempre fizeram
sucesso em Portugal, os músicos vieram ao Brasil para pedir conselhos a grandes
nomes de nossa música, como o homenageado Chico, Maria Bethânia, Marisa Monte e
Paulo Jobim, filho de Tom. Na troca de impressões, os brasileiros foram também
convidados a participar dos projetos da dupla lusitana. A mistura de fado e
bossa deu samba e rendeu dois títulos de altíssima qualidade: Até Pensei Que
Fosse Minha (Universal Music), com músicas de Chico, gravado por António
Zambujo, e Carminho Canta Tom Jobim (Biscoito Fino).
António Zambujo
nasceu em Beja, Alentejo, em 19 de Setembro de 1975. Por influência familiar e
geográfica, cresceu ouvindo o canto alentejano. Ainda pequeno, se deslumbrou com
as grandes vozes de fadistas como Amália Rodrigues, Maria Teresa de Noronha,
João Ferreira Rosa e Alfredo Marceneiro. Começou a estudar clarinete com apenas
oito anos, e teve uma adolescência ativa no campo musical, cantando em família
ou ganhando concursos destinado a jovens fadistas, até que se mudou para Lisboa,
numa decisão de risco que ajudou a moldar-lhe o futuro. Em 2002 recebeu o Prêmio
“A Melhor Voz do Fado”, já atribuído pela Rádio Nova FM a intérpretes como
Mariza, Camané e Mafalda Arnauth. Em 2006 recebeu o Prêmio Amália Rodrigues na
categoria de “Melhor Intérprete Masculino de Fado”. Desde então vem consolidando
uma carreira de sucesso, já tendo lançado oito CDs: “O mesmo Fado” (2002); “Por
meu Cante” (2004); “Outro Sentido” (2007); “Guia” (2010); “Quinto” (2012);
“Lisboa 22:38 - Ao Vivo no Coliseu” (2013); “Rua da Emenda” (2014) e “Até Pensei
Que Fosse Minha” (2016). Do Alentejo para o mundo, a obra de Zambujo tem sido
louvada na França e em vários países europeus, no Brasil (com apoiadores
ilustres como Caetano Veloso e Jô Soares) e nos Estados Unidos (onde contou com
rasgados elogios do New York Times).
Tive oportunidade de assistir a seu
show no Palácio das Artes, no último dia 24 de novembro, em Belo Horizonte.
Impossível não se emocionar com a beleza de seu canto, acompanhado por cinco
grandes instrumentistas tocando contrabaixo, clarinete, violão de sete cordas,
guitarra portuguesa e percussão. Neste show apresentou uma seleção das mais
belas canções de Chico Buarque, que vai das composições do início de sua
carreira às mais recentes. Entretanto, devo ressaltar que, antes de lançar um CD
consagrado inteiramente à obra do Chico, António Zambujo vem gravando
regularmente canções de outros compositores brasileiros. Destaco “Quando tu
passas por mim”, de Vinicius de Moraes e Antônio Maria, e “Bilhete”, de Ivan
Lins e Vitor Martins, no lindo CD “Outro Sentido”, no qual se encontram também
regravações de antigos fados, como “Foi Deus”, de Alberto Joanes e “Nem às
paredes confesso”, de Max, Artur Ribeiro e Francisco Trindade. No também
magnífico CD “Guia”, António gravou “ A Deusa da Minha Rua”, de Jorge Farah e
Newton Teixeira; “ Apelo”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes; e “Poema dos
Olhos da Amada”, de Vinicius de Moraes e Paulinho Soledade.
Maria do Carmo de Carvalho Rebelo de Andrade, conhecida mundialmente como
Carminho, nasceu em Lisboa, em 1984, mas foi criada no Algarve. Também
familiarizada com o principal gênero musical de Portugal – sua mãe, Teresa
Siqueira, é uma fadista reconhecida – mesmo tendo sido frequentemente exposta ao
canto sofrido de seus ancestrais, ela só começou a levar a sério a carreira de
cantora aos 22 anos. Destaque na cena musical portuguesa desde 2007, Carminho
lançou seu primeiro álbum, “Fado”, em 2009, e logo chamou atenção pela
naturalidade de seu canto. Segundo a cantora, não foi preciso coragem para
soltar a voz, por ter descoberto que é “simplesmente feliz cantando”.
O
primeiro contato da artista com a música de Tom Jobim surgiu também pelas
novelas da Globo, mais especificamente a trilha da telenovela Brilhante, de
1981, que inclui a canção Luiza. Um projeto dedicado ao maestro carioca já era
aventado pela cantora há algum tempo, mas a ideia se intensificou quando, nos
últimos anos, ela começou a vir ao Brasil com maior frequência para apresentar
seu trabalho e também para rever os amigos que fez por aqui, com quem, além de
colocar as conversas em dia, divide rodas musicais. Nesses encontros o
repertório do Tom surgia de forma muito intensa. Uma vez, em um grupo de amigos,
Ana Jobim, viúva do Tom, a desafiou: “Por que você não faz um disco com as
canções dele?” O projeto ganhou forma depois que Carminho conheceu Paulo Jobim e
ambos começaram a torná-lo realidade. No show que fez no ano passado em algumas
capitais brasileiras durante a turnê de lançamento de “Carminho Canta Tom
Jobim”, a portuguesa declarou ao público: “Tom conquistou espaços em muitos
corações, inclusive no meu”.
Assisti em Belo Horizonte ao show de
Carminho com Milton Nascimento, onde presenciei, maravilhado, a sua
impressionante interpretação de “Sabiá”, de Chico e Tom. Também assisti ao seu
show, no Palácio das Artes, só com músicas de Tom Jobim. Com sua linda voz e
sotaque carregado, Carminho cantou, entre outras, “O que Tinha de Ser”; “Inútil
Paisagem”; “Estrada do Sol” (que gravou com Marisa Monte); “Retrato em Branco e
Preto”, “Triste; “Wave”; “Falando de Amor” (que contou com o próprio Chico na
gravação), “Luiza” e “Modinha” (que contou com a participação de Maria Bethânia
na faixa do CD). Curioso é que Carminho evita cantar canções de Tom Jobim que
tenham em sua letra a palavra “você”. Segundo ela, “você” em Portugal é um
tratamento muito formal e não pode ser dado à pessoa amada. Pediu permissão ao
Chico para alterar o verso “e você sabe a razão” para “tu sabes a razão” e
recusou-se a gravar em português “Por causa de você”, de Tom Jobim e Dolores
Duran. Em compensação, gravou em inglês “Don’t ever go away”, a versão de “Por
causa de você”, impecavelmente interpretada.
Para quem ainda não conhece
António Zambujo e Carminho, recomendo correr às lojas (que infelizmente estão
fechando) para adquirir seus cds. Ou senão comprá-los on line. E não deixar de
vê-los ao vivo quando se apresentarem no Rio de Janeiro. A propósito, Carminho
se apresenta no Vivo Rio no próximo dia 14 de dezembro. Vale muito a pena!
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra |