13/12/2017
Ano 21

Semana 1.057







 
ARQUIVO
de
MÚSICA

 

 

 

 




A música popular brasileira nas lindas vozes

de dois cantores portugueses


Cândido Luiz de Lima Fernandes



A MPB está cada vez mais valorizada pelos novos cantores portugueses que, além de fazerem muito sucesso em seu país e outros da Europa, têm vindo recentemente ao Brasil apresentar suas interpretações de músicas de nossos compositores. O cantor António Zambujo e a cantora Carminho fizeram, em seus mais recentes álbuns, releituras de canções de, respectivamente, Chico Buarque e o maestro Antônio Carlos Jobim. De ouvidos atentos ao jeitinho brasileiro de fazer canção desde pequenos, principalmente por causa das trilhas sonoras das telenovelas brasileiras que sempre fizeram sucesso em Portugal, os músicos vieram ao Brasil para pedir conselhos a grandes nomes de nossa música, como o homenageado Chico, Maria Bethânia, Marisa Monte e Paulo Jobim, filho de Tom. Na troca de impressões, os brasileiros foram também convidados a participar dos projetos da dupla lusitana. A mistura de fado e bossa deu samba e rendeu dois títulos de altíssima qualidade: Até Pensei Que Fosse Minha (Universal Music), com músicas de Chico, gravado por António Zambujo, e Carminho Canta Tom Jobim (Biscoito Fino).

António Zambujo nasceu em Beja, Alentejo, em 19 de Setembro de 1975. Por influência familiar e geográfica, cresceu ouvindo o canto alentejano. Ainda pequeno, se deslumbrou com as grandes vozes de fadistas como Amália Rodrigues, Maria Teresa de Noronha, João Ferreira Rosa e Alfredo Marceneiro. Começou a estudar clarinete com apenas oito anos, e teve uma adolescência ativa no campo musical, cantando em família ou ganhando concursos destinado a jovens fadistas, até que se mudou para Lisboa, numa decisão de risco que ajudou a moldar-lhe o futuro. Em 2002 recebeu o Prêmio “A Melhor Voz do Fado”, já atribuído pela Rádio Nova FM a intérpretes como Mariza, Camané e Mafalda Arnauth. Em 2006 recebeu o Prêmio Amália Rodrigues na categoria de “Melhor Intérprete Masculino de Fado”. Desde então vem consolidando uma carreira de sucesso, já tendo lançado oito CDs: “O mesmo Fado” (2002); “Por meu Cante” (2004); “Outro Sentido” (2007); “Guia” (2010); “Quinto” (2012); “Lisboa 22:38 - Ao Vivo no Coliseu” (2013); “Rua da Emenda” (2014) e “Até Pensei Que Fosse Minha” (2016). Do Alentejo para o mundo, a obra de Zambujo tem sido louvada na França e em vários países europeus, no Brasil (com apoiadores ilustres como Caetano Veloso e Jô Soares) e nos Estados Unidos (onde contou com rasgados elogios do New York Times).

Tive oportunidade de assistir a seu show no Palácio das Artes, no último dia 24 de novembro, em Belo Horizonte. Impossível não se emocionar com a beleza de seu canto, acompanhado por cinco grandes instrumentistas tocando contrabaixo, clarinete, violão de sete cordas, guitarra portuguesa e percussão. Neste show apresentou uma seleção das mais belas canções de Chico Buarque, que vai das composições do início de sua carreira às mais recentes. Entretanto, devo ressaltar que, antes de lançar um CD consagrado inteiramente à obra do Chico, António Zambujo vem gravando regularmente canções de outros compositores brasileiros. Destaco “Quando tu passas por mim”, de Vinicius de Moraes e Antônio Maria, e “Bilhete”, de Ivan Lins e Vitor Martins, no lindo CD “Outro Sentido”, no qual se encontram também regravações de antigos fados, como “Foi Deus”, de Alberto Joanes e “Nem às paredes confesso”, de Max, Artur Ribeiro e Francisco Trindade. No também magnífico CD “Guia”, António gravou “ A Deusa da Minha Rua”, de Jorge Farah e Newton Teixeira; “ Apelo”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes; e “Poema dos Olhos da Amada”, de Vinicius de Moraes e Paulinho Soledade.

Maria do Carmo de Carvalho Rebelo de Andrade, conhecida mundialmente como Carminho, nasceu em Lisboa, em 1984, mas foi criada no Algarve. Também familiarizada com o principal gênero musical de Portugal – sua mãe, Teresa Siqueira, é uma fadista reconhecida – mesmo tendo sido frequentemente exposta ao canto sofrido de seus ancestrais, ela só começou a levar a sério a carreira de cantora aos 22 anos. Destaque na cena musical portuguesa desde 2007, Carminho lançou seu primeiro álbum, “Fado”, em 2009, e logo chamou atenção pela naturalidade de seu canto. Segundo a cantora, não foi preciso coragem para soltar a voz, por ter descoberto que é “simplesmente feliz cantando”.

O primeiro contato da artista com a música de Tom Jobim surgiu também pelas novelas da Globo, mais especificamente a trilha da telenovela Brilhante, de 1981, que inclui a canção Luiza. Um projeto dedicado ao maestro carioca já era aventado pela cantora há algum tempo, mas a ideia se intensificou quando, nos últimos anos, ela começou a vir ao Brasil com maior frequência para apresentar seu trabalho e também para rever os amigos que fez por aqui, com quem, além de colocar as conversas em dia, divide rodas musicais. Nesses encontros o repertório do Tom surgia de forma muito intensa. Uma vez, em um grupo de amigos, Ana Jobim, viúva do Tom, a desafiou: “Por que você não faz um disco com as canções dele?” O projeto ganhou forma depois que Carminho conheceu Paulo Jobim e ambos começaram a torná-lo realidade. No show que fez no ano passado em algumas capitais brasileiras durante a turnê de lançamento de “Carminho Canta Tom Jobim”, a portuguesa declarou ao público: “Tom conquistou espaços em muitos corações, inclusive no meu”.

Assisti em Belo Horizonte ao show de Carminho com Milton Nascimento, onde presenciei, maravilhado, a sua impressionante interpretação de “Sabiá”, de Chico e Tom. Também assisti ao seu show, no Palácio das Artes, só com músicas de Tom Jobim. Com sua linda voz e sotaque carregado, Carminho cantou, entre outras, “O que Tinha de Ser”; “Inútil Paisagem”; “Estrada do Sol” (que gravou com Marisa Monte); “Retrato em Branco e Preto”, “Triste; “Wave”; “Falando de Amor” (que contou com o próprio Chico na gravação), “Luiza” e “Modinha” (que contou com a participação de Maria Bethânia na faixa do CD). Curioso é que Carminho evita cantar canções de Tom Jobim que tenham em sua letra a palavra “você”. Segundo ela, “você” em Portugal é um tratamento muito formal e não pode ser dado à pessoa amada. Pediu permissão ao Chico para alterar o verso “e você sabe a razão” para “tu sabes a razão” e recusou-se a gravar em português “Por causa de você”, de Tom Jobim e Dolores Duran. Em compensação, gravou em inglês “Don’t ever go away”, a versão de “Por causa de você”, impecavelmente interpretada.

Para quem ainda não conhece António Zambujo e Carminho, recomendo correr às lojas (que infelizmente estão fechando) para adquirir seus cds. Ou senão comprá-los on line. E não deixar de vê-los ao vivo quando se apresentarem no Rio de Janeiro. A propósito, Carminho se apresenta no Vivo Rio no próximo dia 14 de dezembro. Vale muito a pena!



Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com  


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Direção e Editoria
Irene Serra