Cinquenta anos de Tropicália:
movimento de ruptura dentro da
música popular brasileira
Cândido Luiz de Lima Fernandes
O dia 21 de outubro de
2017 marca o cinquentenário de um movimento de ruptura que sacudiu o ambiente da
música popular e da cultura brasileira entre 1967 e 1968, a Tropicália. Neste
dia foi apresentada ao público no Festival da TV Record a canção ”Alegria,
alegria”, de Caetano Veloso, que chocou os "tradicionalistas" da música popular
brasileira devido à originalidade de seus versos e à simples presença de
guitarras em sua execução. No ambiente político-cultural da época, setores de
esquerda classificavam a influência do rock na MPB como alienação cultural.
Gilberto Gil apresentou no mesmo festival a também revolucionária canção
“Domingo no Parque”. O Festival da Record de 1967 marcou, portanto, o início da
Tropicália. A partir daí constituiu-se um grupo de compositores, cantores e
arranjadores que passaram a ser denominados “tropicalistas”, cujos destaques
foram Caetano Veloso e Gilberto Gil, além de Gal Costa e Tom Zé, da banda Os
Mutantes e do maestro Rogério Duprat. A cantora Nara Leão não era propriamente
do grupo, mas contribuiu para o famoso álbum “Tropicália” com a canção
“Lindoneia”, que Caetano compôs sobre um quadro de Rubens Gerchman. O grupo
contava com a participação dos letristas José Carlos Capinan e Torquato Neto e
teve o artista gráfico, compositor e poeta Rogério Duarte como um de seus
principais mentores intelectuais.
Pode-se dizer que os tropicalistas
deram um histórico passo à frente na história da música popular brasileira.
Esta, após a Bossa Nova, estava cada vez mais dominada pelas posições
tradicionais ou nacionalistas de movimentos ligados à esquerda. Contra essas
tendências, o grupo de tropicalistas e seus colaboradores procuraram
universalizar a linguagem da MPB, incorporando elementos da cultura jovem
mundial, como o rock, a psicodelia e a guitarra elétrica. Em termos musicais, a
Tropicália unia uma mistura da cultura brega, do rock psicodélico, da música
erudita, da cultura popular, entre outros, agregando variadas manifestações da
cultura nacional que iam desde a execução do Hino do Senhor do Bonfim da Bahia à
de “Coração Materno”, de Vicente Celestino. O som da guitarra elétrica convivia
com violinos e com o berimbau. O movimento representava, assim, o resgate do
movimento antropofágico de Oswald de Andrade, aliado a um retorno às raízes das
tradições nacionais.
O grupo de tropicalistas contava com os inovadores
arranjos de maestros como Rogério Duprat, Júlio Medaglia e Damiano Cozzela. Ao
conciliar o popular, o pop e o experimentalismo estético, as idéias
tropicalistas acabaram impulsionando a modernização não só da música, mas da
própria cultura nacional. Contribuíram para a concepção do movimento
manifestações artísticas diversas, como as artes plásticas (com destaque para
Hélio Oiticica), o cinema (o movimento sofreu influências e influenciou o Cinema
Novo de Gláuber Rocha) e o teatro brasileiro (sobretudo as peças anárquicas de
José Celso Martinez Corrêa).
Incorporando novas informações e referências
de seu tempo, a Tropicália renovou radicalmente a letra de música. Os
mencionados letristas Capinan e Torquato Neto compuseram com Caetano e Gil obras
cuja complexidade e qualidade foram marcantes para diferentes gerações. Os
diálogos com obras literárias, como as de Oswald de Andrade ou dos poetas
concretistas, como Augusto de Campos, seu irmão Haroldo de Campos e Décio
Pignatari, elevaram algumas composições tropicalistas ao status de poesia. Suas
canções compunham um quadro crítico e complexo do País – uma conjunção do Brasil
arcaico e suas tradições e do Brasil moderno e sua cultura de massa.
A
Tropicália trouxe muitas inovações para o cenário cultural brasileiro do final
da década de 60. As letras das canções eram inovadoras, criando jogos de
linguagem. As mensagens das letras eram codificadas, o que exigia uma certa
bagagem cultural para que fossem compreendidas. Irreverente, a Tropicália
transformou os critérios de gosto vigentes, não só quanto à música e à política,
mas também à moral e ao comportamento, ao corpo, ao sexo e ao vestuário. A
contracultura hippie foi assimilada pelo movimento, com a adoção da moda dos
cabelos longos encaracolados e das roupas escandalosamente coloridas.
Entretanto, este movimento, libertário por natureza, durou apenas pouco mais de
um ano, pois acabou sendo reprimido pelo governo militar. A irreverência do
grupo serviu de pretexto político para que os militares prendessem Caetano e Gil
em dezembro de 1968, os quais foram posteriormente soltos e exilados no Reino
Unido. A prisão de Caetano e Gil pode ser considerada como o fim do movimento
vanguardista. A cultura do País, porém, já estava marcada para sempre pela
grande contribuição que este movimento trouxe para a história da música popular
brasileira.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
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Irene Serra |