01/11/2017
Ano 20

Semana 1.051







 
ARQUIVO
de
MÚSICA

 

 

 

 




Cinquenta anos de Tropicália:

movimento de ruptura dentro da música popular brasileira


Cândido Luiz de Lima Fernandes



O dia 21 de outubro de 2017 marca o cinquentenário de um movimento de ruptura que sacudiu o ambiente da música popular e da cultura brasileira entre 1967 e 1968, a Tropicália. Neste dia foi apresentada ao público no Festival da TV Record a canção ”Alegria, alegria”, de Caetano Veloso, que chocou os "tradicionalistas" da música popular brasileira devido à originalidade de seus versos e à simples presença de guitarras em sua execução. No ambiente político-cultural da época, setores de esquerda classificavam a influência do rock na MPB como alienação cultural. Gilberto Gil apresentou no mesmo festival a também revolucionária canção “Domingo no Parque”. O Festival da Record de 1967 marcou, portanto, o início da Tropicália. A partir daí constituiu-se um grupo de compositores, cantores e arranjadores que passaram a ser denominados “tropicalistas”, cujos destaques foram Caetano Veloso e Gilberto Gil, além de Gal Costa e Tom Zé, da banda Os Mutantes e do maestro Rogério Duprat. A cantora Nara Leão não era propriamente do grupo, mas contribuiu para o famoso álbum “Tropicália” com a canção “Lindoneia”, que Caetano compôs sobre um quadro de Rubens Gerchman. O grupo contava com a participação dos letristas José Carlos Capinan e Torquato Neto e teve o artista gráfico, compositor e poeta Rogério Duarte como um de seus principais mentores intelectuais.

Pode-se dizer que os tropicalistas deram um histórico passo à frente na história da música popular brasileira. Esta, após a Bossa Nova, estava cada vez mais dominada pelas posições tradicionais ou nacionalistas de movimentos ligados à esquerda. Contra essas tendências, o grupo de tropicalistas e seus colaboradores procuraram universalizar a linguagem da MPB, incorporando elementos da cultura jovem mundial, como o rock, a psicodelia e a guitarra elétrica. Em termos musicais, a Tropicália unia uma mistura da cultura brega, do rock psicodélico, da música erudita, da cultura popular, entre outros, agregando variadas manifestações da cultura nacional que iam desde a execução do Hino do Senhor do Bonfim da Bahia à de “Coração Materno”, de Vicente Celestino. O som da guitarra elétrica convivia com violinos e com o berimbau. O movimento representava, assim, o resgate do movimento antropofágico de Oswald de Andrade, aliado a um retorno às raízes das tradições nacionais.

O grupo de tropicalistas contava com os inovadores arranjos de maestros como Rogério Duprat, Júlio Medaglia e Damiano Cozzela. Ao conciliar o popular, o pop e o experimentalismo estético, as idéias tropicalistas acabaram impulsionando a modernização não só da música, mas da própria cultura nacional. Contribuíram para a concepção do movimento manifestações artísticas diversas, como as artes plásticas (com destaque para Hélio Oiticica), o cinema (o movimento sofreu influências e influenciou o Cinema Novo de Gláuber Rocha) e o teatro brasileiro (sobretudo as peças anárquicas de José Celso Martinez Corrêa).

Incorporando novas informações e referências de seu tempo, a Tropicália renovou radicalmente a letra de música. Os mencionados letristas Capinan e Torquato Neto compuseram com Caetano e Gil obras cuja complexidade e qualidade foram marcantes para diferentes gerações. Os diálogos com obras literárias, como as de Oswald de Andrade ou dos poetas concretistas, como Augusto de Campos, seu irmão Haroldo de Campos e Décio Pignatari, elevaram algumas composições tropicalistas ao status de poesia. Suas canções compunham um quadro crítico e complexo do País – uma conjunção do Brasil arcaico e suas tradições e do Brasil moderno e sua cultura de massa.

A Tropicália trouxe muitas inovações para o cenário cultural brasileiro do final da década de 60. As letras das canções eram inovadoras, criando jogos de linguagem. As mensagens das letras eram codificadas, o que exigia uma certa bagagem cultural para que fossem compreendidas. Irreverente, a Tropicália transformou os critérios de gosto vigentes, não só quanto à música e à política, mas também à moral e ao comportamento, ao corpo, ao sexo e ao vestuário. A contracultura hippie foi assimilada pelo movimento, com a adoção da moda dos cabelos longos encaracolados e das roupas escandalosamente coloridas.

Entretanto, este movimento, libertário por natureza, durou apenas pouco mais de um ano, pois acabou sendo reprimido pelo governo militar. A irreverência do grupo serviu de pretexto político para que os militares prendessem Caetano e Gil em dezembro de 1968, os quais foram posteriormente soltos e exilados no Reino Unido. A prisão de Caetano e Gil pode ser considerada como o fim do movimento vanguardista. A cultura do País, porém, já estava marcada para sempre pela grande contribuição que este movimento trouxe para a história da música popular brasileira.



Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com  


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Direção e Editoria
Irene Serra