Fernando Brant
Cândido Luiz de Lima Fernandes
Muita gente, quando vem a Belo Horizonte, quer
conhecer o Clube da Esquina, achando que é um clube, no sentido estrito da
palavra. Não, o Clube da Esquina é um marco do local situado na esquina das ruas
Divinópolis e Paraisópolis, no bairro de Santa Tereza, onde um grupo de
moradores da redondeza começou a se encontrar para produzir um som inovador no
início dos anos 1960, tornando-se músicos de grande importância para a vida
cultural de BH. Este grupo é formado por Milton Nascimento, Wagner Tiso, Márcio
Borges, Lô Borges, Beto Guedes, Tavinho Moura, Toninho Horta, dentre outros, e
os letristas Ronaldo Bastos e Fernando Brant. É sobre Fernando Brant que vamos
falar nesta crônica.
Fernando Rocha Brant nasceu em Caldas, no sul de
Minas, em 9 de outubro de 1946, tendo se graduado em Direito pela UFMG. Na
década de 1960 morava com seus pais em Belo Horizonte, em uma casa situada à rua
Grão Pará, quase esquina com a Avenida Getúlio Vargas (onde hoje se vê uma placa
alusiva ao Clube da Esquina) e, nesta época, conheceu Milton Nascimento, com
quem viria a iniciar uma fértil parceria. Em 1967 participou do II Festival
Internacional da Canção, da TV Globo, com “Travessia”, em parceria com Milton
Nascimento. Esta bela canção foi classificada em 2º lugar no evento,
interpretada pelo próprio Milton. Hoje “Travessia” dá nome à alameda que corta a
Praça da Liberdade em direção ao Palácio.
Em 1968 participou do IV
Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, com a canção "Sentinela",
que foi gravada por Nana Caymmi, em linda interpretação. Logo a seguir compôs
inúmeras canções em parceria com Milton Nascimento, registradas nos discos desse
compositor e cantor, como "Outubro" e "Beco do Mota”.
Em 1970 escreveu
com Milton Nascimento a trilha sonora de "Tostão, a fera de ouro",
curta-metragem de Ricardo Gomes Leite e Paulo Laender, com destaque para a
canção "Aqui é o país do futebol". Ainda nesse ano, Milton gravou outras canções
de sua autoria, como "Para Lennon e McCartney" (composta juntamente com Lô
Borges e Márcio Borges) e "Durango Kid" (em parceria com Toninho Horta).
Em 1972 compôs "San Vicente" (“Coração americano, acordei de um sonho estranho”)
e "Ao que vai nascer", ambas em parceria com Milton Nascimento, e "Paisagem na
janela" (com Lô Borges), incluídas no histórico LP "Clube da Esquina", de Milton
Nascimento e Lô Borges. Dois anos depois, o disco "Milagre dos peixes", de
Milton Nascimento, registrou novamente a parceria dos dois compositores na
faixa-título e na canção "Escravos de Jó".
Considerado o principal
letrista de Milton Nascimento, continuou trabalhando com o parceiro durante as
décadas de 1980 e 1990. Com mais de 200 canções gravadas, a dupla registrou
inúmeros sucessos, tais como "Maria, Maria", “Raça”, ”Caxangá”, "Canção da
América" (“Amigo é coisa pra se guardar no lado esquerdo do peito”), "Saudade
dos aviões da Panair (Conversando no Bar)", "Encontros e despedidas" (“Mande
notícias do mundo de lá...”), "Nos bailes da vida", “Canções e momentos”, “Bola
de meia, bola de gude”, “Ponta de Areia”, “Fruta boa”. Além de registradas com a
belíssima voz de Milton Nascimento, algumas dessas canções também foram gravadas
por grandes cantoras, como Elis Regina, Nana Caymmi, Gal Costa, Maria Bethânia e
Simone.
Além dos parceiros referidos, Fernando compôs também com outros
compositores, como Tavinho Moura (“Paixão e Fé”, ”Conspiração dos Poetas” e
outras) e Toninho Horta (“Manuel, o audaz”, “Durango Kid” e “Aqui ó”).
Tive a alegria de conhecer pessoalmente o Fernando. Meu pai era desembargador,
colega do pai dele, Dr. Moacyr Brant, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Ambos tiveram proles numerosas. Sou amigo de longa data de um dos seus irmãos,
Paulinho, por meio de quem conheci e me afeiçoei a ele e ao resto da família:
Lucy, Vina, Ana, Moacyr, Pedro, Ronaldo, Maria Célia e Roberto. Admirava sua
sensibilidade, sua simplicidade, sua personalidade amena, seu amor pela família.
Suas composições tratam do quotidiano, das lembranças da infância em Diamantina
e da adolescência em Belo Horizonte, do amor e da paixão, da democracia
(“Coração civil”, “Menestrel das Alagoas”). Sua poesia é de uma riqueza imensa.
Para nossa tristeza, Fernando morreu em 12 de junho de 2015, aos 68 anos, no
Hospital das Clínicas, em Belo Horizonte, em decorrência de complicações em uma
cirurgia de transplante de fígado. Suas canções sempre ficarão gravadas em
nossos corações. Fernando, “quando você foi embora, fez-se noite em meu viver”.
Nós que aqui ficamos ainda continuamos com “a estranha mania de ter fé na vida”.
“Mande notícias do mundo de lá...” Saudades eternas.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra |