“CARAVANAS”, de Chico Buarque
Cândido Luiz de Lima Fernandes
Depois de seis anos sem lançar um novo
CD, Chico Buarque nos brindou, no dia 25 de agosto, com o excelente “Caravanas”,
com nove canções, sete delas inéditas. A temática de suas canções é variada e
contemporânea. Algumas falam de musas inatingíveis (como “Tua cantiga”, “Blues
pra Bia”, “A moça do sonho”, “Desaforos” e “Casualmente”). Em “Jogo de Bola”, o
compositor aborda de forma natural e tranquila a passagem do tempo e a velhice
que vem chegando. Em “Massarandupió”, composta em parceria com o neto Chico
Brown, observa a criança que brinca à beira-mar, na praia baiana. Em “As
caravanas”, o observador social presente em composições anteriores, como
“Pivete” e “Meu guri”, aborda de forma contundente a insana reação dos
habitantes da Zona Sul carioca às caravanas de jovens negros suburbanos que
chegam às praias nos fins de semana de verão e faz uma analogia com os
refugiados muçulmanos que rumam à Europa.
O álbum abre com violões
discretos a "Tua Cantiga", parceria de Chico com Cristovão Bastos (que foi seu
parceiro na belíssima “Todo Sentimento”), conduzida por piano e uma ligeira
percussão. “Tua Cantiga” revela uma declaração incondicional e melancólica de
amor, tão típica de outras canções presentes na obra do compositor ("Na nossa
casa serás rainha, serás cruel, talvez / vais fazer manha, me aperrear, e eu
sempre mais feliz"). Mas, antes mesmo de ser lançado o disco, um verso desta
letra já causou polêmica: "Largo mulher e filhos / e de joelhos / vou te
seguir".
A faixa “Dueto” foi composta em 1979 por Chico para a peça "O rei de
Ramos", de Dias Gomes, e lançada no disco "Com açúcar, com afeto", de Nara Leão,
em 1980. No seu novo CD a canção reaparece em dueto de Chico com sua neta Clara
Buarque Brown. Sua letra, atualizada para os tempos atuais, fala do amor que
consta não só nas bulas, no evangelho, nos búzios, mas também no Tinder, no
WhatsApp, no Facebook . “A moça dos sonhos” é a outra faixa conhecida do
público, composta em 2001 para o musical "Cambaio", em parceria com Edu Lobo e
gravada por Maria Bethânia. No novo CD, esta canção volta num arranjo enxuto,
apenas com o violão de Luiz Cláudio Ramos e o violoncelo de Hugo Pilger,
valorizando a beleza de sua harmonia e melodia e realçando a maravilhosa letra
("Entre escadas que fogem dos pés / e relógios que rodam pra trás / se eu
pudesse encontrar meu amor / não voltava jamais").
No samba-canção
“Desaforos”, o compositor responde com ternura às ofensas de uma mulher que
estaria falando mal dele aos outros ("Serei o primeiro a duvidar/ que em horas
vagas/ os teus lábios delicados/ roguem pragas por aí"), mas que pode ser
transposta também para o universo das redes sociais e seu gosto pela
maledicência. O arranjo de “Desaforos” é delicado, tendo como centro o diálogo
de violão, piano, trompete e vibrafone. “Casualmente” é um bolero feito
em parceria com Jorge Helder, que ganhou versos em espanhol, recordando uma canção
sentimental que ouviu na voz de uma mulher em Havana e que nunca esqueceu ("La
canción, la mujer / el crepúsculo, la catedral / hasta el mar de La Habana es lo
mismo, pero / no es igual / no es igual").
Uma canção que certamente irá
suscitar polêmicas é “Blues para Bia”. Nela, o compositor lamenta que sua musa
não ouve o blues composto para ela, que "não quer saber" e revela que "No
coração de Bia/ meninos não têm lugar". E termina dizendo que: "Até posso virar
menina pra ela me namorar". “Caravanas” é um trabalho basicamente acústico,
sem guitarras e sons mais pesados. É, ao mesmo tempo, lírico e épico, com belos
arranjos de Luiz Cláudio Ramos. É maravilhoso ouvir Chico Buarque, aos setenta e
três anos, cantando tão bem suas novas composições, louvando a mulher amada e
idealizada, sem deixar de lado a crônica social.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra |