01/08/2017
Ano 20

Semana 1.039







 
ARQUIVO
de
MÚSICA

 

 

 

 




Rua Ramalhete

Cândido Luiz de Lima Fernandes


Nos idos dos anos sessenta, a Rua Ramalhete, situada no Bairro da Serra, em Belo Horizonte, tinha apenas um quarteirão. Nele moravam quatorze meninas que adoravam cantar e tocar violão, o que dava à rua um charme especial. Elas atraíam para a rua jovens músicos e compositores ou simplesmente aqueles vidrados em música popular brasileira, como é o meu caso. Ficávamos horas sentados no muro da casa da Mônica, ouvindo-a tocar violão e cantar com sua voz maravilhosa sucessos da bossa nova ou músicas inéditas de jovens compositores, como “Litoral”, uma das primeiras composições do Toninho Horta. Ou nos sentávamos na escadaria do prédio da Mariza, que fazia a segunda voz de “De onde vens”. Ou ficávamos na varanda da casa da Tedinha, Yeda e Maria Helena, que faziam o contracanto de “Esse seu olhar”. Ou íamos para a casa da Stael, que vivia descobrindo novas músicas para nos mostrar ao violão.

Toninho Horta sempre aparecia na Rua Ramalhete trazendo uma música nova para nos apresentar e foi ali que conheci em primeira mão “Durango Kid”, “Yara Bela”, “Manoel, o Audaz”, “Beijo Partido” e outras canções de sua autoria. Murilo Antunes nos mostrava suas belas letras, como é o caso de “Nascente”, parceria com Flávio Venturini que seria gravada mais tarde por Milton Nascimento. Sirlan cantava “Viva Zapátria”, que chegou a finalista do Festival Internacional da Canção. Regina Gomide, que não morava naquela rua, mas era amiga da Mônica e da Mariza, emocionava a todos com sua belíssima voz, cantando “Minha”, de Francis Hime e Ruy Guerra. Às vezes pintava ali o Quarto Canto, quarteto formado por Verinha Cordovil, Lydia, Lila e Lena Horta, cuja afinação e harmonia me lembravam muito o Quarteto em Cy.

Mas a Rua Ramalhete não teria virado lenda se não fosse o Tavito. Ele foi o “descobridor” dos encantos daquela rua. Os outros foram chegando aos poucos. Tavito morava na rua Ribeiro de Oliveira, algumas quadras abaixo, tocava um violão incrível e arrasava os corações das meninas da Ramalhete. Uma delas tinha um pai que era uma fera, que não a deixava sair de casa e freqüentar os saraus da turma. Por isso Tavito se encontrava com ela às escondidas na saída do Colégio Sacré Coeur, fato que ficou imortalizado na letra de “Rua Ramalhete”, música que até hoje é tocada nas principais rádios do país e fala de amor anotado em bilhetes e do muro daquele colégio. Tavito ficaria conhecido também com a linda “Casa no Campo”, feita em parceria com Zé Rodrix e gravada por Elis, e tantas outras canções, como “Começo, Meio e Fim”. Mas “Rua Ramalhete”, composta em parceria com Ney Azambuja, acabou sendo o seu sucesso maior.

Há alguns anos, a Rede Globo promoveu uma votação para escolher a música que melhor representava Minas. Para surpresa geral, “Rua Ramalhete” ficou em segundo lugar (“Para Lennon &Mc Cartney”, de Fernando Brant, Márcio Borges e Lô Borges, obteve o primeiro lugar). Pouco tempo depois a música obteve o primeiro prêmio no concurso “A trilha sonora musical de Belo Horizonte”. A curiosidade despertada por uma rua que poucos sabiam onde fica levou a Globo a fazer uma reportagem sobre aquela rua e as pessoas que a tornaram famosa. Fui intimado a comparecer à gravação desta reportagem. Tinha de dar aulas às nove na Faculdade, mas às oito estávamos a postos contando a história da rua para os repórteres. Foi para mim uma emoção muito grande rever pessoas que não encontrava há mais de quarenta anos. As moradoras da rua organizaram um pequeno museu formado por objetos daquela época: roupas, sandálias, os bilhetes de que fala a canção do Tavito e os discos de vinil que escutávamos juntos até gastar a agulha da vitrola.

Uma repórter da Globo me perguntou se morava na Ramalhete. Disse-lhe que morava não muito longe dali, na rua Caraça, mas vivia naquela rua porque era o pedaço de Belo Horizonte que tinha mais meninas por metro quadrado que cantavam e tocavam violão. A repórter achou engraçada a resposta e colocou-a na reportagem que foi mostrada no MG-TV na hora do almoço e na hora do jantar.

Ainda hoje, quando ando na rua, ouço às vezes as pessoas dizerem:

- Olha o cara da Rua Ramalhete...

Um dia, passando pela Avenida Paraná, um camelô me chamou e disse:

- Puxa, o senhor é famoso. Apareceu durante cinco minutos na Globo.

Respondi-lhe, em tom de brincadeira, que foram os meus cinco minutos de fama.



Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com  


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Direção e Editoria
Irene Serra