Rua Ramalhete
Cândido Luiz de Lima Fernandes
Nos idos dos anos sessenta, a
Rua Ramalhete, situada no Bairro da Serra, em Belo Horizonte, tinha apenas um
quarteirão. Nele moravam quatorze meninas que adoravam cantar e tocar violão, o
que dava à rua um charme especial. Elas atraíam para a rua jovens músicos e
compositores ou simplesmente aqueles vidrados em música popular brasileira, como
é o meu caso. Ficávamos horas sentados no muro da casa da Mônica, ouvindo-a
tocar violão e cantar com sua voz maravilhosa sucessos da bossa nova ou músicas
inéditas de jovens compositores, como “Litoral”, uma das primeiras composições
do Toninho Horta. Ou nos sentávamos na escadaria do prédio da Mariza, que fazia
a segunda voz de “De onde vens”. Ou ficávamos na varanda da casa da Tedinha,
Yeda e Maria Helena, que faziam o contracanto de “Esse seu olhar”. Ou íamos para
a casa da Stael, que vivia descobrindo novas músicas para nos mostrar ao violão.
Toninho
Horta sempre aparecia na Rua Ramalhete trazendo uma música nova para nos
apresentar e foi ali que conheci em primeira mão “Durango Kid”, “Yara Bela”,
“Manoel, o Audaz”, “Beijo Partido” e outras canções de sua autoria. Murilo
Antunes nos mostrava suas belas letras, como é o caso de “Nascente”, parceria
com Flávio Venturini que seria gravada mais tarde por Milton Nascimento. Sirlan
cantava “Viva Zapátria”, que chegou a finalista do Festival Internacional da
Canção. Regina Gomide, que não morava naquela rua, mas era amiga da Mônica e da
Mariza, emocionava a todos com sua belíssima voz, cantando “Minha”, de Francis
Hime e Ruy Guerra. Às vezes pintava ali o Quarto Canto, quarteto formado por
Verinha Cordovil, Lydia, Lila e Lena Horta, cuja afinação e harmonia me
lembravam muito o Quarteto em Cy.
Mas
a Rua Ramalhete não teria virado lenda se não fosse o Tavito. Ele foi o
“descobridor” dos encantos daquela rua. Os outros foram chegando aos poucos.
Tavito morava na rua Ribeiro de Oliveira, algumas quadras abaixo, tocava um
violão incrível e arrasava os corações das meninas da Ramalhete. Uma delas tinha
um pai que era uma fera, que não a deixava sair de casa e freqüentar os saraus
da turma. Por isso Tavito se encontrava com ela às escondidas na saída do
Colégio Sacré Coeur, fato que ficou imortalizado na letra de “Rua Ramalhete”,
música que até hoje é tocada nas principais rádios do país e fala de amor
anotado em bilhetes e do muro daquele colégio. Tavito ficaria conhecido também
com a linda “Casa no Campo”, feita em parceria com Zé Rodrix e gravada por Elis,
e tantas outras canções, como “Começo, Meio e Fim”. Mas “Rua Ramalhete”,
composta em parceria com Ney Azambuja, acabou sendo o seu sucesso maior.
Há alguns anos, a Rede Globo promoveu uma votação para escolher a música que
melhor representava Minas. Para surpresa geral, “Rua Ramalhete” ficou em segundo
lugar (“Para Lennon &Mc Cartney”, de Fernando Brant, Márcio Borges e Lô Borges,
obteve o primeiro lugar). Pouco tempo depois a música obteve o primeiro prêmio
no concurso “A trilha sonora musical de Belo Horizonte”. A curiosidade
despertada por uma rua que poucos sabiam onde fica levou a Globo a fazer uma
reportagem sobre aquela rua e as pessoas que a tornaram famosa. Fui intimado a
comparecer à gravação desta reportagem. Tinha de dar aulas às nove na Faculdade,
mas às oito estávamos a postos contando a história da rua para os repórteres.
Foi para mim uma emoção muito grande rever pessoas que não encontrava há mais de
quarenta anos. As moradoras da rua organizaram um pequeno museu formado por
objetos daquela época: roupas, sandálias, os bilhetes de que fala a canção do
Tavito e os discos de vinil que escutávamos juntos até gastar a agulha da
vitrola.
Uma repórter da Globo me perguntou se morava na Ramalhete.
Disse-lhe que morava não muito longe dali, na rua Caraça, mas vivia naquela rua
porque era o pedaço de Belo Horizonte que tinha mais meninas por metro quadrado
que cantavam e tocavam violão. A repórter achou engraçada a resposta e colocou-a
na reportagem que foi mostrada no MG-TV na hora do almoço e na hora do jantar.
Ainda hoje, quando ando na rua, ouço às vezes as pessoas dizerem:
-
Olha o cara da Rua Ramalhete...
Um dia, passando pela Avenida Paraná, um
camelô me chamou e disse:
- Puxa, o senhor é famoso. Apareceu durante
cinco minutos na Globo.
Respondi-lhe, em tom de brincadeira, que foram os
meus cinco minutos de fama.
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com
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Direção e Editoria
Irene Serra |