01/04/2024
Ano 27

Semana 1.361







 
ARQUIVO
de
MÚSICA

 

 

 

 




O show de Zizi Possi e Luiza Possi em Belo Horizonte




Cândido Luiz de Lima Fernandes



Um encontro musical emocionante entre mãe e filha foi a premissa do espetáculo que Zizi Possi e Luiza Possi apresentaram no último dia 23 de março no Palácio das Artes em Belo Horizonte. No palco, as artistas celebraram a cumplicidade entre ambas e as próprias trajetórias profissionais com um repertório cravejado de clássicos da MPB – caso de 'Asa Morena', sucesso de Zizi, e 'Folhetim', que ganhou gravação notável de Luiza. O show teve repertório variado com sucessos e canções inéditas nas vozes das duas, porém já conhecidas através de seus autores, como no caso de Chico Buarque (“João e Maria”) e Gilberto Gil (“Palco”).

Paulistana, Zizi tornou-se uma das grandes vozes femininas da MPB entre os anos 1980 e 1990, com sucessos como 'Perigo' e 'Caminhos do Sol'. O primeiro hit da cantora, 'Pedaço de Mim', veio ainda aos 21 anos em dueto com Chico Buarque, registrado inicialmente em álbum dele. Já Luiza nasceu no Rio de Janeiro, onde a mãe havia se radicado desde que alcançou o sucesso, e responde por gravações com apelo pop e radiofônico como 'Dias Iguais', 'Eu Sou Assim', 'Me Faz Bem' e a versão de 'Além do Arco-Íris' consagrada na trilha sonora da novela 'Chocolate com Pimenta' (2003).

Em entrevista ao jornal Estado de Minas, Luiza comemora a turnê ao lado da mãe e enxerga a aproximação artística entre ambas como consequência de mudanças cheias de afeto na vida pessoal. "Esse show foi idealizado pelas duas, com humor, amor, emoção e muita cumplicidade. Esses são ingredientes que regem a nossa relação. A maternidade me trouxe para mais perto de Zizi e por isso veio a vontade de dividir o palco em um show único, completamente emocionante, pensado e executado pelas duas", observa a artista.

Zizi conta que a ideia de fazer o show partiu de Luiza, em 2019, quando a filha estava grávida do primeiro filho. “Ela disse que queria criar memórias e ficar mais perto de mim. Achei aquilo tão bacana e foi também um convite para chegar mais perto dela, o que achei ótimo. Não sabíamos como seria o repertório, mas como tinha a ver com essa coisa de mãe e filha, maternidade, procuramos escolher músicas com as quais tivéssemos a experiência de cantar juntas. Além disso, canções que remetessem a essa coisa de parceria, tipo amor sem limite.”

As duas escolheram algumas músicas que já cantavam juntas, como “Haja o que houver”, do grupo Madre de Deus. “É maravilhosa. Gravamos essa música no disco ‘Bossa’ (Universal Music, 2001). Na época, Luiza era uma jovenzinha. A canção é uma afirmação de que haja o que houver, estou aqui e você pode contar com isso. Sempre ouvi essa música, mesmo antes de gravá-la. É a afirmação de um amor que, realmente, é incondicional. Como, às vezes, as relações entre duas pessoas acabam sendo condicionais, não existe nada tão incondicional quanto o amor de mãe para filho”, ressalta Zizi.

Segundo Zizi, como ambas já tinham a experiência de cantar juntas, fazer esse show não foi complicado. “Procurando algumas canções, surgiu ‘Força estranha’ (Caetano Veloso), que tem a ver com música, notas, voz, com novos caminhos, com o que aquela criança que iria nascer teria para trilhar. Enfim, o repertório foi todo escolhido assim”, revela.

A cantora também lembra que a escolha das músicas carrega uma dose de humor porque, quando grávida, Luiza “estava danadinha”, nas palavras da mãe.

“Sugeri cantar ‘Mamma’, e ela respondeu: ‘Ah, que música chata’. Mas quando Luiza ouviu a música, disse: ‘Eu quero’. Quando sugeri ‘Incancellabile’, que cantei com a Laura Pausini, ela disse: ‘Ah, não sei’, mas quando comecei a cantar, falou: ‘Eu quero’. Foi muito gostoso e engraçado todo esse processo.”

Zizi ressalta que a base do show são as canções que as duas pesquisaram, como, por exemplo, “Paula e Bebeto” (Milton Nascimento e Caetano Veloso). “São canções que falam de parceria, feito ‘João e Maria’ (Chico Buarque), daquela coisa de amor, de estar perto, que é o tema desse show. Já tivemos outros momentos juntas no palco, mas é sempre uma coisa misteriosa, porque depende também do momento. Às vezes posso estar mais triste, mais eufórica ou ela também. Porém, é sempre um aprendizado, uma novidade.”

Lembranças permeiam a história deste show. “Nunca vou esquecer quando Luiza tinha sete anos. Estávamos em São Paulo, ela sentadinha no chão com o folheto do CD do Caetano ‘Circuladô’ (1991). Ela estava lendo e cantando, pensei: ‘Incrível’. É muito emocionante estar com ela no palco”, diz a “mãe coruja”.

As duas, segundo Zizi, não tinham a pretensão de sair em turnê com um show. “Tínhamos apenas um convite para nos apresentarmos no Dia das Mães, mas os pedidos começaram a chegar e nos apresentamos em algumas capitais, com receptividade muito bacana. Agora, começaram a pedir de novo”, explica.

No Palácio das Artes, Zizi e Luiza tiveram uma apresentação marcante, pois foi o primeiro show das duas sem o diretor musical do espetáculo, Ivan Teixeira, que faleceu em dezembro passado, vítima de acidente. “Ivan foi pianista da Luiza por muito tempo. Uma coisa terrível, um jovem talentoso, uma pena. Será o primeiro show que vamos fazer sem ele, com outro pianista. Vou ter que segurar a barra, porque os dois faziam tudo juntos, tinham até um trecho lindo, de voz e piano. Ivan era realmente musical, bem-humorado e não perdia a oportunidade de fazer uma piada. A morte dele já foi um baque, agora perdê-lo também em cena será complicado, mas vamos ver como é que fica” comenta Zizi.


Como lembra Luiza, "Na primeira vez deste show, em São Paulo, estava grávida, eu ficava nessa posição, de frente para ele. Tive uma crise de choro, porque grávidas têm crise de choro, e olhando bem para ele. Queria dedicar esse show a ele, que morreu dia 24 de dezembro, em um trágico acidente de carro. Cantar e estar aqui me lembra muito ele", disse, com voz embargada, depois de bela interpretação que deu a "Força estranha".

Mãe e filha conduziram o show com maestria. Escolheram um repertório em que sobressaía a poesia das canções, que davam oportunidade para as cantoras mostrarem sua força como intérpretes. Destaque da noite para "Haja o que houver", do Madredeus; "Minha mãe", composição de Luiza; "I will always love you", do repertório de Whitney Houston. Não faltaram clássicos do repertório de Zizi, como "Asa morena", "Perigo", e "Per amore".

As histórias de mãe e filha também deram o toque de bom humor. Depois de cantar "Seu nome", canção de Vander Lee, que ela amou e gravou no CD “Escuta” (2006), Luiza revelou que o compositor mineiro ficou decepcionado por ela ter trocado a palavra dom por bom na frase “Quero que você me dê o que tiver de bom pra dar”. "Mas, Vander Lee, quem dá dom para os outros é Deus, meu filho", relembrou, com humor. "Ele disse que poderia deixar assim. Eu disse também que não teria mais jeito. Já foi para a master (masterização), já está no CD, já vendeu. Compus com Vander Lee, sem querer", disse ela, pedindo um salve ao compositor mineiro.

A relação de mãe e filha com Minas Gerais vai além da relação com compositores mineiros e os fãs. Zizi Possi contou que, por pouco, não veio morar em Belo Horizonte, a convite de Gonzaguinha. "Com certeza, era assim que ele me chamava, você tem que ver a Pampulha", relembrou a cantora, que cantou lindamente "Sangrando", um dos sucessos do compositor.

Zizi elogiou a banda que acompanha mãe e filha. Mas fez questão de elogiar o baterista Ramon Monteiro. "Ele é incrível, estudioso, desenvolveu uma técnica em que toca com quatro baquetas. Ele já foi até ao Japão para dar aula". Brincou ainda com o baixista Bernardo Goes, a quem ofereceu casa, comida e roupa lavada. "Minha mãe está xavecando o baixista", brincou Luiza. Zizi disse que o assunto era apenas o talento dele como bom músico. Jether Garotti Júnior é o maestro que acompanha Zizi há longos anos. A banda conta também com o excelente pianista Anderson Ramos de Melo.

Enfim, foi um show inesquecível. Recomendo aos leitores da Revista Rio Total não deixarem de assisti-lo caso as duas cantoras se apresentem em outras capitais brasileiras.



Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com



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Direção e Editoria
Irene Serra