01/05/2025
Ano 28
Semana 1.415






ARQUIVO
de
MÚSICA

 




Cristina Buarque de Hollanda (1950 – 2025)


Cândido Luiz de Lima Fernandes


Cristina Buarque de Holanda, Revista Rio TotalVítima de complicações de um câncer de mama que vinha tratando há tempos, morreu no dia 20 de abril, aos 74 anos, a cantora e compositora Cristina Buarque. A informação foi confirmada por seu filho Zeca Ferreira nas redes sociais. Filha do historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda, era irmã dos cantores Chico Buarque, Miúcha (morta em 2018) e Ana de Hollanda.

Para quem entende que a grandeza do canto é independente do tamanho da voz, Cristina foi uma grande cantora que também ficou imortalizada como hábil pescadora de pérolas da música brasileira, em especial do samba.

"Uma cantora avessa aos holofotes. Como explicar um negócio desses em qualquer tempo? Mas como explicar isso nesse tempo específico? Mas foi isso a vida inteirinha dessa mulher que tivemos a sorte grande de ter como mãe.
Uma vida inteira de amor pelo ofício e pela boa sombra. "Bom mesmo é o coro", ela dizia, e viveria mesmo feliz a vida escondidinha no meio das vozes não fosse esse faro tão apurado, o amor por revirar as sombras da música brasileira em busca de pequenas pérolas não tocadas pelo sucesso, porque o sucesso, naqueles e nesses tempos, tem um alcance curto. É imagem bonita e nítida, mas desfoca as outras belezas que se perderiam na sombra não fossem essas pessoas imunes ao imediato. Ser humano mais íntegro que eu já conheci. Farol, chefia, braba, a dona da porra toda. Vai em paz, mãe", diz mensagem de despedida do filho Zeca.

Cantora de origem paulistana e criação carioca que viveu os últimos anos de sua vida em Paquetá (RJ), onde comandava afamada roda de samba, a irmã de Chico Buarque entrou em cena em 1967 – apresentando-se somente como Cristina – como convidada do compositor paulista Paulo Vanzolini (1924 – 2013) no álbum “Onze sambas e uma capoeira” (1967), dando voz ao samba “Chorava no meio da rua”, de Paulo Vanzolini. No embalo, Cristina dividiu com Chico Buarque a interpretação do samba-canção “Sem fantasia” (1968) (“Vem, meu menino vadio, vem sem mentir pra você...) no terceiro álbum do cantor. Daí em diante, a cantora trilhou o próprio caminho sem jamais se aproveitar do prestígio e da fama do irmão. E a trilha seguida por Cristina foi o samba dos bambas da velha guarda.

Quando lançou seu primeiro LP, em 1974, ela disse à reportagem "quando digo meu nome, as pessoas ficam numa expectativa que não tem sentido". "Ficam esperando ver um trabalho semelhante ao de Chico, quando na verdade fazemos coisas completamente diferentes. Ele compõe, eu canto. É só."

Além de seu trabalho como cantora, Cristina Buarque foi responsável pelo resgate de canções de antigos compositores e agremiações cariocas, como Candeia, Alvaiade, Mijinha, Velha Guarda da Portela, Monarco, entre outros.

Cristina Buarque também teve papel importante no processo de revitalização cultural do bairro da Lapa. Segundo a cantora Teresa Cristina, "Cristina era a grande responsável pelo que todo mundo passou a chamar de revitalização do samba da Lapa, porque foi através das fitas e posteriormente dos CDs que começamos a enriquecer nosso repertório. E a Cristina tinha uma vontade de esparramar esse repertório pela cidade".

Já no primeiro álbum, “Cristina”, lançado em 1974, a cantora deu voz a sambas de Cartola (1908 – 1980), Manacéa (1921 – 1995), Noel Rosa (1910 – 1937), Ismael Silva (1905 – 1978) e Ivone Lara (1922 – 2018), entre outros desbravadores do terreirão do samba.

Foi pela voz pequena, devotada e respeitada de Cristina que, no disco de 1974, o Brasil realmente conheceu o samba “Quantas lágrimas” (1970) (“Ah, quantas lágrimas eu tenho derramado só por saber que eu não posso mais reviver o meu passado”), obra-prima do compositor Manacéa, também autor do samba “Sempre teu amor” (1963), revivido por Cristina na abertura do segundo álbum da artista, “Prato e faca”, gravado com arranjos do pianista José Briamonte e editado em 1976.

Farol para cantoras como Marisa Monte e Mônica Salmaso, a discografia de Cristina Buarque sempre guardou joias do baú do samba. Foi no álbum “Prato e faca”, por exemplo, que Marisa Monte conheceu “Esta melodia” (Bubu da Portela e Jamelão, 1959), samba ao qual daria projeção ao regravá-lo no disco “Verde, anil, amarelo, cor-de-rosa e carvão” (1994), lançado por Marisa 20 anos após o LP de Cristina.

A coerência da discografia referencial de Cristina Buarque ficou atestada em em álbuns como “Arrebém” (1978), “Vejo amanhecer” (1980), “Cristina” (1981) e Resgate (1994). A obra da cantora inclui álbuns em tributos aos compositores Wilson Baptista (1913 – 1968) e Candeia (1935 – 1978).

A partir de 1995, ano em que gravou com Henrique Cazes um disco com músicas de Noel Rosa, Cristina incorporou o famoso sobrenome Buarque à identidade artística, ciente de que todo mundo já sabia que ela nunca se beneficiou do parentesco próximo com Chico.

Para os bambas do samba, Maria Christina Buarque de Hollanda sempre foi grande nome da música brasileira pela devoção, respeito e reverência com que abordou o repertório da velha guarda.

Foi Paquetá, aquele pedaço mais tranquilo, bonito e pacato da Baía, que Cristina escolheu para curtir a maturidade e a velhice. Rodeada pela natureza, a artista chegou a ter, em seu cantinho aconchegante — onde não faltava uma rede —, cerca de 30 gatos. Na ilha, a irmã de Chico Buarque guardava muitos discos de vinil e fotos antigas da família.

Descanse em paz, Cristina Buarque!

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email: candidofernandes@hotmail.com




Direção e Editoria
Irene Serra
Revista Rio Total