Cristina Buarque de Hollanda (1950 – 2025)
Cândido Luiz de Lima Fernandes
Vítima de complicações de um câncer de mama que vinha
tratando há tempos, morreu no dia 20 de abril, aos 74 anos, a cantora e
compositora Cristina Buarque. A informação foi confirmada por seu filho Zeca
Ferreira nas redes sociais. Filha do historiador e sociólogo Sérgio Buarque de
Hollanda, era irmã dos cantores Chico Buarque, Miúcha (morta em 2018) e Ana de
Hollanda.
Para quem entende que a grandeza do canto é independente do
tamanho da voz, Cristina foi uma grande cantora que também ficou imortalizada
como hábil pescadora de pérolas da música brasileira, em especial do samba.
"Uma cantora avessa aos holofotes. Como explicar um negócio desses em
qualquer tempo? Mas como explicar isso nesse tempo específico? Mas foi isso a
vida inteirinha dessa mulher que tivemos a sorte grande de ter como mãe. Uma
vida inteira de amor pelo ofício e pela boa sombra. "Bom mesmo é o coro", ela
dizia, e viveria mesmo feliz a vida escondidinha no meio das vozes não fosse
esse faro tão apurado, o amor por revirar as sombras da música brasileira em
busca de pequenas pérolas não tocadas pelo sucesso, porque o sucesso, naqueles e
nesses tempos, tem um alcance curto. É imagem bonita e nítida, mas desfoca as
outras belezas que se perderiam na sombra não fossem essas pessoas imunes ao
imediato. Ser humano mais íntegro que eu já conheci. Farol, chefia, braba, a
dona da porra toda. Vai em paz, mãe", diz mensagem de despedida do filho Zeca.
Cantora de origem paulistana e criação carioca que viveu os últimos anos
de sua vida em Paquetá (RJ), onde comandava afamada roda de samba, a irmã de
Chico Buarque entrou em cena em 1967 – apresentando-se somente como Cristina –
como convidada do compositor paulista Paulo Vanzolini (1924 – 2013) no álbum
“Onze sambas e uma capoeira” (1967), dando voz ao samba “Chorava no meio da
rua”, de Paulo Vanzolini. No embalo, Cristina dividiu com Chico Buarque a
interpretação do samba-canção “Sem fantasia” (1968) (“Vem, meu menino vadio, vem
sem mentir pra você...) no terceiro álbum do cantor. Daí em diante, a cantora
trilhou o próprio caminho sem jamais se aproveitar do prestígio e da fama do
irmão. E a trilha seguida por Cristina foi o samba dos bambas da velha guarda.
Quando lançou seu primeiro LP, em 1974, ela disse à reportagem "quando digo
meu nome, as pessoas ficam numa expectativa que não tem sentido". "Ficam
esperando ver um trabalho semelhante ao de Chico, quando na verdade fazemos
coisas completamente diferentes. Ele compõe, eu canto. É só."
Além de seu
trabalho como cantora, Cristina Buarque foi responsável pelo resgate de canções
de antigos compositores e agremiações cariocas, como Candeia, Alvaiade,
Mijinha, Velha Guarda da Portela, Monarco, entre outros.
Cristina Buarque
também teve papel importante no processo de revitalização cultural do bairro da
Lapa. Segundo a cantora Teresa Cristina, "Cristina era a grande responsável pelo
que todo mundo passou a chamar de revitalização do samba da Lapa, porque foi
através das fitas e posteriormente dos CDs que começamos a enriquecer nosso
repertório. E a Cristina tinha uma vontade de esparramar esse repertório pela
cidade".
Já no primeiro álbum, “Cristina”, lançado em 1974, a cantora deu
voz a sambas de Cartola (1908 – 1980), Manacéa (1921 – 1995), Noel Rosa (1910 –
1937), Ismael Silva (1905 – 1978) e Ivone Lara (1922 – 2018), entre outros
desbravadores do terreirão do samba.
Foi pela voz pequena, devotada e
respeitada de Cristina que, no disco de 1974, o Brasil realmente conheceu o
samba “Quantas lágrimas” (1970) (“Ah, quantas lágrimas eu tenho derramado só por
saber que eu não posso mais reviver o meu passado”), obra-prima do compositor
Manacéa, também autor do samba “Sempre teu amor” (1963), revivido por Cristina
na abertura do segundo álbum da artista, “Prato e faca”, gravado com arranjos do
pianista José Briamonte e editado em 1976.
Farol para cantoras como
Marisa Monte e Mônica Salmaso, a discografia de Cristina Buarque sempre guardou
joias do baú do samba. Foi no álbum “Prato e faca”, por exemplo, que Marisa
Monte conheceu “Esta melodia” (Bubu da Portela e Jamelão, 1959), samba ao qual
daria projeção ao regravá-lo no disco “Verde, anil, amarelo, cor-de-rosa e
carvão” (1994), lançado por Marisa 20 anos após o LP de Cristina.
A
coerência da discografia referencial de Cristina Buarque ficou atestada em em
álbuns como “Arrebém” (1978), “Vejo amanhecer” (1980), “Cristina” (1981) e
Resgate (1994). A obra da cantora inclui álbuns em tributos aos compositores
Wilson Baptista (1913 – 1968) e Candeia (1935 – 1978).
A partir de 1995,
ano em que gravou com Henrique Cazes um disco com músicas de Noel Rosa, Cristina
incorporou o famoso sobrenome Buarque à identidade artística, ciente de que todo
mundo já sabia que ela nunca se beneficiou do parentesco próximo com Chico.
Para os bambas do samba, Maria Christina Buarque de Hollanda sempre foi
grande nome da música brasileira pela devoção, respeito e reverência com que
abordou o repertório da velha guarda.
Foi Paquetá, aquele pedaço mais
tranquilo, bonito e pacato da Baía, que Cristina escolheu para curtir a
maturidade e a velhice. Rodeada pela natureza, a artista chegou a ter, em seu
cantinho aconchegante — onde não faltava uma rede —, cerca de 30 gatos. Na ilha,
a irmã de Chico Buarque guardava muitos discos de vinil e fotos antigas da
família.
Descanse em paz, Cristina Buarque!
Cândido Luiz de Lima Fernandes é economista e professor universitário em
Belo Horizonte; email:
candidofernandes@hotmail.com

Direção e Editoria
Irene Serra
Revista Rio Total

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