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Mistérios nunca realmente explicados
Chico Lopes
Um bom truque de autores consagrados do
romance policial (ao menos dos que leio e curto) é manter a polícia à margem dos
acontecimentos que realmente importam e que o leitor conhece melhor, mais
profundamente. Isso acontece bastante nos livros de Patricia Highsmith, Boileau
e Narcejac, Ruth Rendell, só para citar os que lembro no momento.
Hitchcock fazia isso em seus filmes também, e às vezes até mesmo debochava de
gente especializada em resolver mistérios. Num determinado momento de OS
PÁSSAROS, depois daquele ataque à sala pela lareira, quando o pior passou, chega
um xerife, pega um dos pássaros mortos e, com um ar de sabedoria, diz: "É um
pardal" (rs). Grande explicação!!! - Também, no final do filme, há uma senhora
idosa especializada em ornitologia que acha um absurdo acreditar no que está
acontecendo, que espécies diferentes estão juntas no ataque. Daí a pouco ela
ficará reduzida a um dos fregueses apavorados que ficam encolhidos, juntinhos,
sentados num corredor, enquanto lá fora um ataque de gaivotas gera um incêndio
na cidade.
Os bons autores (livros ou filmes), que parecem incursionar
pelo gênero, parecem nos dizer sempre que o mistério é insolucionável e
permanecerá assim. Patricia Highsmith (foto), que criou o enigmático e nunca
punido Tom Ripley, sabia disso como ninguém. E onde fica a polícia na
investigação de UM CORPO QUE CAI? Em lugar nenhum. O vilão do filme, Galvin
Elster, que usou a personagem de Kim Novak da maneira mais perversa possível,
some sem explicações.
Mas o caso mais notório do cinema é o de PSICOSE,
que é um filme muito amado, mas sempre criticado pela cena final, em que um
psiquiatra se põe a explicar (longamente) o que era a cabeça do maníaco edipiano
Norman Bates. É uma explicação tatibitate e desnecessária, que Hitchcock incluiu
por temer que o público não entendesse direito o assassino. Logo depois, porém,
temos o final, e a cena magnífica da mosca enquanto a voz da mãe dança,
sinistra, por aquela mente dissociada, desfecho que revela quão insuficiente a
explicação era. A verdade é que a Arte é amiga do Mistério, não dos papos
furados explicativos.
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Chico Lopes é escritor e pintor, 72 anos, publicou mais de 50 livros entre próprios e traduzidos. Cinéfilo, foi por 18 anos comentarista de filmes do Cinevideoclube do Instituto Moreira Salles de Poços de Caldas. Mora em Poços de Caldas desde 1992. Recentemente, recebeu o troféu "Escritor Sulfuroso", representando a literatura de Poços no Flipoços 2024.
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Direção e Editoria
Irene Serra
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