01/09/2024
Ano 27
Semana 1.381

 




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Mistérios nunca realmente explicados


Chico Lopes



Um bom truque de autores consagrados do romance policial (ao menos dos que leio e curto) é manter a polícia à margem dos acontecimentos que realmente importam e que o leitor conhece melhor, mais profundamente. Isso acontece bastante nos livros de Patricia Highsmith, Boileau e Narcejac, Ruth Rendell, só para citar os que lembro no momento.

Hitchcock fazia isso em seus filmes também, e às vezes até mesmo debochava de gente especializada em resolver mistérios. Num determinado momento de OS PÁSSAROS, depois daquele ataque à sala pela lareira, quando o pior passou, chega um xerife, pega um dos pássaros mortos e, com um ar de sabedoria, diz: "É um pardal" (rs). Grande explicação!!! - Também, no final do filme, há uma senhora idosa especializada em ornitologia que acha um absurdo acreditar no que está acontecendo, que espécies diferentes estão juntas no ataque. Daí a pouco ela ficará reduzida a um dos fregueses apavorados que ficam encolhidos, juntinhos, sentados num corredor, enquanto lá fora um ataque de gaivotas gera um incêndio na cidade.

Os bons autores (livros ou filmes), que parecem incursionar pelo gênero, parecem nos dizer sempre que o mistério é insolucionável e permanecerá assim. Patricia Highsmith (foto), que criou o enigmático e nunca punido Tom Ripley, sabia disso como ninguém. E onde fica a polícia na investigação de UM CORPO QUE CAI? Em lugar nenhum. O vilão do filme, Galvin Elster, que usou a personagem de Kim Novak da maneira mais perversa possível, some sem explicações.

Mas o caso mais notório do cinema é o de PSICOSE, que é um filme muito amado, mas sempre criticado pela cena final, em que um psiquiatra se põe a explicar (longamente) o que era a cabeça do maníaco edipiano Norman Bates. É uma explicação tatibitate e desnecessária, que Hitchcock incluiu por temer que o público não entendesse direito o assassino. Logo depois, porém, temos o final, e a cena magnífica da mosca enquanto a voz da mãe dança, sinistra, por aquela mente dissociada, desfecho que revela quão insuficiente a explicação era. A verdade é que a Arte é amiga do Mistério, não dos papos furados explicativos.
 


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Chico Lopes é escritor e pintor, 72 anos, publicou mais de 50 livros entre próprios e traduzidos. Cinéfilo, foi por 18 anos comentarista de filmes do Cinevideoclube do Instituto Moreira Salles de Poços de Caldas. Mora em Poços de Caldas desde 1992. Recentemente, recebeu o troféu "Escritor Sulfuroso", representando a literatura de Poços no Flipoços 2024.

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Irene Serra