16/01/2022
Ano 25
Semana 1.256




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Tu Bishvat
Plante essa ideia



Jane Bichmacher de Glasman


B”H


Tu biShvat, o "Ano Novo das Árvores", este ano comemorado no dia 22 de janeiro, mas pelo calendário judaico, não apenas o dia é fixo, como define o nome da festa: as letras hebraicas tet e vav, que formam o Tu, têm valor numérico 9 e 6; como 9+6= 15, significa que se comemora no 15º dia do mês hebraico Shvat.

É o ano novo das árvores em referência ao cálculo do dízimo dos frutos, que devia ser entregue aos Levitas na época do Templo, numa jornada festiva. “A explicação mais comum dos rabinos [para a data ser ano novo] é que o fruto das árvores começa a se formar. A maioria das chuvas de inverno já caiu e a seiva das árvores já surgiu. Há um debate no Talmud (Rosh HaShaná 14 a) sobre se esta mudança na natureza deveria ser marcada no 1º ou no 15º dia de Shvat. De qualquer modo, Tu Bishvat era visto como um precursor da primavera[3]”. Com o exílio e a Golá, a Diáspora judaica, passou a ser celebrado enfatizando nossa conexão com Eretz Israel.

Comer-morando
Celebramos preparando uma mesa com frutos, tipo um luau kasher, com shivat há-minim, as 7 espécies citadas na Torá (Dt 8:8) como especiais de Israel: trigo, cevada, uva, figo, romã, azeitona e tâmara. O mel é o das tâmaras e não de abelhas. “As amêndoas também tinham um lugar proeminente nas refeições de Tu Bishvat, pois se acreditava que as amendoeiras fossem as primeiras árvores a florescerem em Israel. Apesar de não estar mencionado no versículo de Deuteronômio, a alfarroba era a fruta mais popular a ser usada, já que poderia sobreviver à longa viagem desde Israel para as comunidades judaicas da Europa, do norte da África, etc[4]”. Outro costume é ter 15 frutos diferentes na mesa para simbolizar o 15 de Shvat. Também procuramos uma fruta que ainda não comemos neste ano, para recitar a bênção Shehe’heianu.
O costume de comer frutos tornou-se Halachá (Shulchan Aruch, Orach Hayim 131:16).

O Seder Cabalístico
Na época do ARI, Rav Isac Luria, os cabalistas atribuíram a Tu Bishvat um significado adicional, expressando a relação entre o homem e a terra e seus frutos. Visando ao Tikun Olam (reparar o mundo espiritualmente), interpretavam o comer frutas como uma forma de expiação pelo fruto da Árvore do Conhecimento comido no Gan Eden. Para eles, árvores simbolizam a Árvore da Vida, que leva a bênção divina ao mundo. A relação entre o comer e a Árvore da Vida, é explicada, pelos cabalistas, através do número de dentes que um ser humano adulto tem (32) como mesmo número de vezes que a palavra Elohim (Deus) figura no relato da Criação: a mastigação usando os 32 dentes conectaria diretamente com a Criação e sua continuação.

Os cabalistas de Safed no século XVI criaram um Seder de Tu biShvat semelhante ao de Pessah, descrito em Pri Etz Hadar: bebe-se 4 copos de vinho e come-se 3 grupos de 10 tipos de frutas (e nozes). As 4 taças de vinho são tomadas, uma mais vermelha que a outra, simbolizando as mudanças de tons das flores em Israel ao longo do ano. Outra explicação é que o vinho branco representa a natureza adormecida e o tinto, a natureza em ação.

Comendo as frutas com kavaná (intenção apropriada), ajudamos na refrutificação do nosso mundo a partir da divina Árvore da Vida. Os 3 grupos de frutos são: 10 que podemos comer por inteiro, como o figo; 10 dos quais se come a polpa, mas não a semente, como a tâmara; e 10 dos quais se come o interior, mas não a casca, como a romã. “O número 10 representa as 10 sefirot (emanações) através das quais o fluxo divino vem a este mundo. Cada um dos 3 grupos representa um nível de criação. De acordo com a Cabalá, há 4 mundos ou 4 níveis de criação: Atzilut (emanação), Briá (criação), Ietzirá (formação) e Assiá (ação - o nosso mundo de realidade física). O mundo de Atzilut é puramente espiritual e não pode ser simbolizado através de nenhuma maneira concreta[5]”. O simbolismo sintético é: as partes que podem ser comidas representam santidade; as não comestíveis, impureza; as cascas, proteção para a santidade. Também simbolizam 3 tipos de situações interpressoais, quando nós usamos (mais ou menos) uma “casca”, como a proteção que precisamos, como nos “armamos” (ou não), dependendo do ambiente e das pessoas com quem estivermos em contato- indo do hostil à total confiança.

Costumes e simbolismos... politicamente corretos!
Um antigo costume de Tu biShvat era plantar um cedro para cada varão que nascia e um cipreste para cada menina. Quando se casavam, os ramos destas árvores, plantadas em sua homenagem, eram usados para a hupá (dossel nupcial). Assim a árvore era associada ao ciclo de vida judaico[6].
Hoje em dia, em Israel, é costume plantar árvores, para aproximar as pessoas da terra e para o reflorestamento, marcando a data como uma das mais antigas práticas ecológicas. Ainda atinente ao binômio Judaísmo & Ecologia, a Torá proíbe cortar ou danificar uma árvore que dá frutos (Dt 10:19), cruzar árvores em crescimento para produzir uma nova classe de frutos e não comer os frutos de uma árvore durante os 3 primeiros anos (Lv 19:23), já mencionado, período que termina em Tu biShvat, no quarto ano após o plantio, de acordo com o Shulchan Aruch (Yore Deah 24:4).
“O plantio de árvores em Israel é uma das 613 mitzvot, parte importante do preceito de povoar a Terra de Israel. No Midrash (Tanchumá, Parashat Kedoshim, 8) é dito: Hakadosh Baruch Hu disse ao Povo de Israel: 'Ainda que a encontrardes repleta de tudo que é bom, não digais: sentemo-nos e não plantemos; ao contrário, sede cuidadosos e plantai'. Pois é dito: 'E plantareis toda árvore frutífera'. Do mesmo modo que entrastes na Terra de Israel e ali encontrastes cultivos feitos por outros, devereis plantar para vossos filhos'.
A plantação de árvores é também um dos itens da adesão a Hashem, conforme escrito no Midrash (Vayikrá Rabá, Parashá 25): Desde o início da Criação do Mundo, D'us se ocupou do cultivo da terra. Conforme está escrito (Gênesis, 2:8): 'E plantou o Eterno D'us um jardim no Éden'. Também vós, ao entrardes na Terra de Israel, vos ocupareis primeiro do seu cultivo[7]”.
Podemos também, simplesmente, fazer passeios, nos colocando em contato com a natureza - política e ecologicamente correto, além de saudável!
A Torá compara o ser humano às árvores: "Pois o homem é como uma árvore do campo" (Dt 20:19). Assim como as pessoas são julgadas em Rosh haShaná, as árvores são julgadas em Tu biShvat. Nesta data também devemos repensar os exemplos que as árvores inspiram:
1.Uma árvore se compõe de raízes, tronco e frutos; o homem também. As raízes, não se vê; estão escondidas sob a terra, mas é delas que a árvore tira sua força e vitalidade. Quanto mais fortes forem, mais forte será a árvore. No homem, as raízes são a fé e também por onde absorve o saber. O tronco, a parte mais evidente da árvore seria como o homem se mostra ao mundo. Quanto aos frutos, a plenitude de uma árvore só é atingida quando começa a dá-los. Para que serviriam raízes profundas e um tronco imponente, se nada vivo saísse dos mesmos? No homem, frutos simbolizam a capacidade de ajudar e ensinar, tornando-o uma árvore sólida.
2.Das árvores podemos (e devemos) tirar também outro ensinamento: a humildade. As árvores são diferentes no inverno e no verão (embora aqui em "Pindorama" seja menos evidente...) No inverno, quando os frutos já foram colhidos e as folhas caíram, as árvores ficam retas, os galhos apontando para cima. No verão, carregadas de frutos e folhas, as árvores se inclinam com o seu peso. O mesmo acontece com os seres humanos. O homem vazio de conhecimento é arrogante e orgulhoso. O homem sábio se curva, pois quem é realmente grande é verdadeiramente humilde.
A palavra humildade todos conhecem, difícil é aplicá-la na vida prática... Ela é necessária no convívio com os outros e no relacionamento com Deus. O sucesso cega as pessoas a ponto de perderem-No de vista. Na presença da doença ou da morte, todos são humildes, mas quando a sombra negativa se afasta, o antigo orgulho volta e Deus sai de cena. Todos nós podemos ter tido esta atitude alguma vez...
E você - o que acha?


Tu biShvat é o ano novo mais “politicamente correto”: como ano novo das arvores, fala da ecologia, a celebração e a preservação da natureza que torna o ser humano “parceiro do Criador”, como responsável pela manutenção de sua obra, da criação- o que lhe confere um caráter (e exemplo) universal. Por outro lado, costumes da festa falam do indivíduo (ao comer um fruto na data, lembra que há sempre algo novo a ser experimentado, vivenciado -e por isso, de uma doce forma ensina humildade, contra a soberba de quem acha que tudo sabe), da ligação do povo judeu com Israel (colocando à mesa frutos característicos da “terrinha”) e da preservação do judaísmo através da celebração do ciclo vital, descrito anteriormente.

Feliz Tu Bishvat! Le-Hayim para as árvores! E enquanto saboreamos seus frutos, não esqueçamos Quem é a fonte de toda vida. Que Ele continue nos abençoando e possamos desfrutar com saúde e alegria os tesouros de Sua Criação. Amém.

 
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[1]“Tu BiShvat – tempo de celebrar a passagem do tempo” www.pletz.com colunistas: coluna Jane, fevereiro de 2001
“Tu biSvat: mais um ano novo, kasher e politicamente correto” Revista Rio Total, fevereiro de 2001.www.riototal.com.br/cultura-judaica/ (História e Tradição)
“A relação do judaísmo com a natureza”, Revista Morashá nº 35 dezembro de 2001 www.morasha.com.br
“Calendário e Ecologia juntos no Judaísmo”, Moadon, articulista, www.moadon.com.br
“3 x 15 = 3 x 7?” Visão Judaica nº 21 www.visaojudaica.com.br fevereiro 2004
[2]Jacob Richman reúne em seu site links para outros 55 sobre Tu BiShvat; incluem explicações e costumes até jogos e receitas, a maioria em inglês hyper-link www.jr.co.il/hotsites/j-hdaytu.htm Encontramos entre eles sites brasileiros como www.netjudaica.com.br e www.chabad.org.br Acesse o songbook- músicas na HomePage
[3]  www.shalom.org.br/index_chaguim.html
[4] Idem. Não deixe de consultar também os comentários de Parashat háShavua de Rav Bergman, CIP News, Tropicasher, Meor haShabat, Rav Kamnitzer www.eifo.com.br/indexpar.html
[5] Para mais detalhes sobre a visão cabalística de Tu biShvat visite www.shalom.org.br www.chabad.org/library/article.asp?AID=465912
[6] Politicamente incorreto um pouco de marketing pessoal: leia mais em "`A Luz da Menorá: Introdução à Cultura Judaica", da autora deste artigo, Capítulo IV: Festas e Feriados Judaicos.
[7] “Por que a arvore precisa ano novo?” Por Rav Moshe Bergman, 22/01/2002. 

 
 
Jane Bichmacher de Glasman é Doutora em Língua Hebraica, Literaturas e Cultura Judaica,
 Professora Adjunta, Fundadora e ex-Diretora do Programa de Estudos Judaicos –UERJ, escritora.
janeglasman@terra.com.br



(RT, janeiro, 2002)
 

 

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Direção e Editoria
Irene Serra