Já há alguns anos,
as páginas dos jornais que estampam as reclamações de leitores sobre os
mais variados assuntos têm público certo e cativo, que tende a crescer.
Da mesma forma, o rádio, a TV e a internet somam espaços
particularizados para as denúncias de serviços não executados ou
malfeitos, promessas descumpridas, produtos danificados, deslizes no
atendimento e omissão danosa de regras, prazos e acordos. Ciente e
consciente de sua respeitável posição de cliente, usuário, consumidor,
comprador e pagante, o cidadão brasileiro encontra na mídia – entendida
como os meios de comunicação de massa – um eficiente canal para dragar e
escoar, a céu aberto, as solicitações, reclamações e relatos dessas
pendengas que aborrecem e tumultuam o cotidiano de qualquer ser humano.
Mas é na área do
serviço público que o cidadão brasileiro está tendo a oportunidade de
recorrer, mais assiduamente, aos préstimos da mídia, sempre atenta aos
problemas urbanos das cidades. Ainda que uma escola com goteiras,
localizada em um bairro da periferia, não tenha o mesmo peso editorial
de um cano que se rompe e inunda uma rua da Zona Sul do Rio de Janeiro,
o reclamante sempre encontrará um espaço na rede midiática para expor,
veicular, sensibilizar e transmutar um fato isolado e distante em um
problema próximo e de interesse comum.
Fogo cruzado
É nessa hora que
as assessorias de comunicação dos órgãos públicos afetados pelas
ocorrências são instadas a desfazer ou deter o possível dano causado à
imagem dos mesmos. O registro da imprensa, rádio e TV de crianças
estudando em uma sala de aula com água escorrendo pelas paredes ou
carteiras escolares molhadas tem um forte impacto emocional na
população. Assim com o de uma importante via alagada e interditada ao
trânsito; do desespero de moradores de baixa renda diante da demolição
de seus casebres, ainda que erguidos irregularmente nas encostas; ou de
idosos e crianças doentes enfileirados, durante horas, frente à entrada
de postos de saúde e hospitais, aguardando atendimento.
A simples
exposição do fato, que naturalmente incorpora o poder público como
culpado da situação, muitas vezes estimula a mídia a se acercar do
assunto, ampliando o seu foco com desdobramentos em matérias correlatas.
Em seqüência, as assessorias de comunicação são imediatamente
bombardeadas pelos repórteres que urgem dar uma resposta, firme e
precisa, aos seus leitores, telespectadores e ouvintes.
Às assessorias não
basta se reportar e responder tecnicamente ao jornal que publicou o
fato. Necessitam ir muito além da informação. Faz-se necessário,
basicamente, corresponder positivamente às expectativas da comunidade
escolar afetada (que se mobilizou para tornar o fato público), dos
funcionários do órgão (engenheiros e técnicos que trabalham
incansavelmente nessa área), da direção do órgão público atingido
(profissionais capacitados nomeados para cargos de confiança), da
sociedade atingida pela notícia e da própria mídia, que a cada dia
torna-se mais competitiva e investigativa. Enfim, é preciso que os
jornalistas que trabalham nessas assessorias se descubram profissionais
de habilidades muito especiais para saírem totalmente ilesos desse fogo
cruzado.
Informar é
desestabilizar
O cuidado com o
uso dos termos a serem inseridos nos releases é outra preocupação
a rondar as assessorias. O exemplo mais recente sobre o estrago que uma
palavra pode causar a um profissional da comunicação é a polêmica em
torno do veterano jornalista Luiz Lobo, da TV Brasil. Demitido da
emissora, no início de abril, a direção do órgão espera a conclusão do
relatório da comissão corregedora sobre a denúncia encaminhada pelo
jornalista de que haveria uma ordem do governo federal para que a
palavra "dossiê" fosse substituída, nos noticiários, pela expressão
"levantamento sobre uso de cartões". Segundo Luiz Lobo, haveria na TV
Brasil o que ele classifica de "um cuidado que vai além do
jornalístico", interferindo na independência da emissora. Vale lembrar
que o jornalista trabalhou em “O Globo”, “Jornal do Brasil”, revista
“Cláudia” e TV Globo (foi pauteiro do Fantástico e criador do
Criança Esperança).
Em sua coluna
publicada em O Globo (20/4/2008), o jornalista Merval Pereira aborda
essa questão da independência na transmissão das mensagens, dando voz e
espaço a Régis Debray – amigo pessoal de Fidel Castro e Che Chevara nos
anos 1960 –, hoje um especialista em "midialogia" (estudo das mídias).
Para o filósofo, jornalista e professor francês, de formação marxista
(passou três anos preso na Bolívia), existe uma diferença entre a
comunicação e a informação. Para ele, os sistemas de comunicação
trabalham mais com a comunicação do que a informação, já que a
comunicação vive de seduzir o leitor ou o ouvinte. Essa sedução seria
traduzida por uma espécie de mimetismo, onde as mídias em suas mensagens
imitariam o pensar e o falar dos que recebem as notícias e vice-versa.
Daí que a mídia, como um todo, seria sempre um reflexo de uma sociedade,
repercutindo "os que os escutam e os que os lêem".
Em contrapartida,
o ofício de informar seria bem mais difícil: "Informar alguém é sempre
desestabilizá-lo, deixá-lo desconfortável, mexer com suas idéias já
fixadas", explica Debray. Logo, caberia à informação o ônus de ser o
diferencial, de se compor como uma mensagem dissociada a termos e
expressões estigmatizantes, tendo como premissa os fatores da
imparcialidade e da independência em relação ao público leitor. Essa,
aliás, seria a função precípua das assessorias de comunicação da área
pública: a de informar objetivamente, mantendo-se imune à tentação de
repetir a lingüística utilizada pela grande mídia.
Múltiplas
habilidades
De 1950, quando os
primeiros cursos de Comunicação Social foram implantados no país, aos
dias atuais, com as redes de comunicação transformadas em conglomerados
poderosos e atuantes em todos os setores da vida humana, aumentou
bastante a percepção, entre os profissionais e aqueles que estudam e
pesquisam o fenômeno das mídias, da importância de se conhecer e
entender o funcionamento dessa multifacetada engrenagem de massa, capaz
de criar e destruir mitos e governos, fomentar idéias e teorias e até
mudar o curso da história.
Profissionais
formados na tradição das escolas de Jornalismo mais convencionais
procuram se adaptar ao aparato e a tecnologia que as novas mídias
impõem. Nas assessorias, o repasse de releases via e-mail já não
é novidade. Boletins, folders e cartazes são elaborados
utilizando-se da computação gráfica. A solicitação de vídeos ou CDs, com
animação, sobre serviços realizados pelos órgãos e empresas (projetos,
obras etc.) também está virando rotina, juntamente com o acompanhamento
eletrônico diário do noticiário dos jornais, revistas, rádio e TV e a
permanente atenção à mídia e à análise da temperatura social de suas
mensagens, embutidas em notas, colunas e reportagens.
Atentas a essa
perspectiva transformadora da comunicação, universidades como a Federal
Fluminense (UFF), do Rio de Janeiro, e a de Campinas (Unicamp), em São
Paulo, abriram cursos de estudos de mídia ou Midialogia, que visam à
análise e discussão das diversas mídias, em seus contextos, códigos,
linguagens e campos conceituais. Segundo o professor Adilson Ruiz, da
Unicamp, "o midiólogo, na sua expressão mais pura, deverá ser um grande
consultor de mídia para empresas de qualquer natureza, sejam elas da
esfera pública ou privada". Estará preparado para opinar sobre som,
fotografia, cinema, vídeo e computação gráfica, atuando na produção,
realização e recepção desses produtos. Sem deixar de lado a formação no
campo humanístico, estético e sociológico, base instrumental e técnica
da expressão e item imprescindível para a construção de cada mídia
específica (escrita ou audiovisual).
Portanto, para
esse novo super profissional que já desponta no horizonte, vale indicar
um proveitoso estágio em uma assessoria de comunicação social de um
órgão público. Ainda o melhor lugar para o exercício de suas múltiplas
habilidades.
(10 de maio/2008)
CooJornal
no 580