16/03/2021
16/04/2022
Ano 25
Número 1.268



 


ARQUIVO
RONALDO WERNECK

 

Ronaldo Werneck




GILBERTO GIL 80 ANOS
GILBERTO GIL 30 ANOS

Ronaldo Werneck - CooJornal


“Há de surgir/ Uma estrela no céu/ Cada vez que ocê sorrir/ Há de apagar/ Uma estrela no céu/ Cada vez que ocê chorar”. Quem cantava assim tão afinadinha a canção “Estrela”, de Gilberto Gil, era uma bela menina-mocinha num show que eu via semana passada na TV. “É a Flor, filha da Bela”, ouço a voz de minha mulher. Fã de programas culinários, Patrícia não perde os de Bela Gil. É quando há uma abertura de câmera e Gil surge em contracanto com a neta, os dois também acompanhados pela voz de Nara, filha de Gil com Sandra Gadelha: “O contrário também/ Bem que pode acontecer/ De uma estrela brilhar/ Quando a lágrima cair”.

Gilberto Gil completa 80 anos no próximo dia 26 de junho. 80 anos! Vendo esse show “familiar”, lembrei-me do jovem Gil aos 30 anos numa entrevista que fiz com ele no Rio, em 1972, para o jornal Última Hora – que pode ser lida no link que vai ao final deste texto. A família sempre foi uma de suas grandes referências. Estava lá, naquela tarde de 17 de março de 1972, a ex-mulher Sandra Gadelha, Sandrão, mais tarde motivo da pungente “Drão”. Estava lá Pedrinho, ainda menino, filho de Gil com Sandra, motivação de “Com Medo, Com Pedro”, canção escrita antes de seu nascimento: “Eu agora não tô mais com medo/ Tô com Pedro”. O Pedro Gil, que mais tarde iria tocar bateria na banda Ego Trip – e morreria num acidente de carro aos 19 anos.

Não por acaso, estava lá, relembrada na entrevista, a canção “Volks-Volkswagen Blues” (“é a música aqui de casa, da família”), quando Gil se recorda do pai e referencia todas as muitas mulheres de sua vida – mãe, esposas, filhas: “Que saudade, que saudade das meninas/ Duas marinaravilhas/ Minha cara, duas filhas/ Minha caravavela, ê/ Vai seguindo rumo, ê”. Sem falar de “Beira-Mar”, com letra de Caetano, uma de minhas preferidas (anos mais tarde, cheguei mesmo a citar essa canção em meu poema “O mar-em-mim”): “É o azul que a gente fita/ No azul do mar da Bahia/ É a cor que lá principia/E que habita em meu coração”. Exaltação à Bahia, para Gil essa canção – também uma de suas prediletas, gravada em seu primeiro disco (“Louvação”, de 1967), mais tarde regravada em 1994 no show acústico “Unplugged” – acabou detonando “aquela loucura da confusão turística” em que se transformou a Bahia a partir de então.

A entrevista com Gil – publicada há exatos 50 anos, em 17 de março de 1972 – ocupou toda a primeira página do segundo caderno de Última Hora, o UH-Revista. Nela, optei por adotar uma linguagem coloquial, do dia-a-dia, que flagrasse ao acaso nosso papo, nosso dizer descontraído, o momento exato em que falávamos – na contramão dos textos “objetivos” e frios então publicados pela grande imprensa. Não fazia um mês que eu fora admitido como repórter do jornal, levado por meu saudoso amigo, o crítico de cinema baiano Alberto Silva, então secretário de redação, que me indicara para a entrevista com Gil. Coisa de baianos. Quando cheguei à redação no dia em que a matéria foi publicada, Alberto me disse que o Ary de Carvalho, o dono do jornal, queria falar comigo. Comigo? Pois é, o Ary gostara tanto da entrevista que me disse ter acabado de me promover a repórter especial de UH-Revista. Salário? Quase três vezes o que ganhava. Nada mal para um recém-chegado, um recém-casado – e com mulher já devidamente grávida.

Eu conhecia Gil muito ligeiramente dos tempos em que morei na Bahia, em 1964. Vi o show inaugural dos moços baianos, o “Nós, Por Exemplo” – a convite do Caetano, que nos dera os ingressos ao encontrar comigo e com o Alberto num ponto de ônibus da Praça da Sé. O show me deixou fascinado com a turma toda – e aprendi a gostar para sempre daqueles jovens, “mudernos” baianos, como dizíamos na Salvador daqueles tempos . Nada sabia deles, a não ser do Caetano – que gostava de cinema e a quem às vezes via nas sessões programadas pelo crítico Walter da Silveira na Escola de Teatro. Eles andavam sempre em grupo – Caetano, Gil, Bethânia, Gracinha, a futura Gal – e às vezes dávamos um oi, ou coisa parecida, quando nos topávamos pelas ruas da Bahia. Não mais que isso.

Assim, fiquei surpreso com o tratamento cordial de Gil ao me receber para a entrevista: “O que que há, ô cara, tudo legal?”. Será que ele se lembrava de mim, ou foi só uma gíria, um falar daqueles tempos, um gesto de simpatia? Não ousei perguntar. O show dele com Caetano no Municipal (uma das razões da entrevista) foi mesmo de “deixar a mocidade louca” como vaticinou o editor de UH Revista no título meio sensacionalista colocado na minha matéria, que ocupou toda a capa do Segundo Caderno, além de merecer chamada na primeira página do jornal naquele 17 de março de 1972. No início da noite, recebo convites para o show do dia seguinte, gentileza de Gil.

Quando perguntei se faria músicas para novelas, Gil foi reticente: “Minha experiência com esse tipo de coisa é em cinema. Agora, em televisão, o negócio não dá pé. De vez em quando, dou uma olhada nas novelas da televisão brasileira e realmente sinto que a jogada não é essa: é puro nonsense, de um baixo astral incrível”. Cala-te, boca! A partir da década de 1980, composições de Gil serviriam como temas para várias novelas, como “Realce” (“Água Viva”, 1980); “Esotérico” (“Sétimo Sentido”, 1982; “Verão 90”, 2019); e a própria canção “Estrela” (“A Indomada”, 1997). Sem falar no grande sucesso do tema escrito para “O Sítio do Pica-pau Amarelo” (1984).

Noite seguinte à publicação da entrevista, lá estava eu no Theatro Municipal, eletrizado, ao ver Gil e Caetano abrirem o show cantando a música do sambista baiano Riachão: “Chó, Chuá/ Cada macaco no seu galho/ Eu não me canso de falar/ Chó-Chuá/ O meu galho é na Bahia/ O seu é em outro lugar”. E logo surgiam novas e inéditas composições não só de Caetano como da safra espanhola de Gil, a exemplo de “Oriente”, ou “Crazy Pop Rock”, ou ainda a recentíssima “Back in Bahia”, que literalmente deixou “a mocidade louca”.

Engraçado que as poucas vezes em que estive com Gil depois disso não foram em shows, mas sempre em lançamentos de livros sobre ele. Em 1982, numa livraria do Leblon, na noite de autógrafos do livro de Antonio Risério, “Gilberto Gil – Expresso 2222”. Autógrafo dele: “Paz, Ronaldo. Abraço do Gil”. Em 1992, no Copacabana Palace, lançamento de “Marginália – Arte e Cultura na Idade da Pedrada”, de minha amiga, a fotógrafa Marisa Alvarez Lima – um retrato do tropicalismo e das vanguardas artísticas do Brasil nas décadas de 60 e 70. Autógrafo de Gil: “Ronaldo, muita paz! Gil”.

Já no final do século passado, 1999, reencontro Gil no Museu Nacional de Belas Artes, Centro do Rio, no lançamento do livro “Giluminoso - A Po.Ética do Ser”, de Bené Fonteles. Numa roda onde, além de Gil e Bené, estava também a atriz Rejane Medeiros – que eu não havia há muitos anos, desde os tempos em fora casada com meu amigo, o também ator e produtor musical Octávio III – o papo rolou tão descontraído que só ao sair do Museu lembrei-me que não comprara o livro. Razão pela qual, não recebi o terceiro autógrafo de Gil, que naturalmente seria “Paz, muita Paz, Ronaldo!”.

Vejam a entrevista completa com Gil em meu blog, link a seguir, inclusive com um vídeo de Gil cantando Back in Bahia em 1972, com uma participação relâmpago de Caetano.
https://ronaldowerneck.blogspot.com/.../ha-exatos-50-anos...
https://www.youtube.com/watch?v=msknQAdP0DI



Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG

https://ronaldowerneck.blogspot.com/



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