16/03/2021
01/11/2021
Ano 24
Número 1.246



 


ARQUIVO
RONALDO WERNECK

 

Ronaldo Werneck




Mulher bebendo muito

Ronaldo Werneck - CooJornal

 

Oitenta e oito abre com fogos esparsos acesos pelo Catito da Mônica e muita chuva, vinda possivelmente de Nova York. No intermezzo de uma entrevista com Maria Alcina, saio do Hotel Cataguases pra comprar pilha pro gravador do Rogério Torres, o mais jovem de nossos repórteres. São cinco da tarde, é pleno horário de verão, e a cidade está coberta por nuvens plúmbeas (palavra que, juro, não usarei mais em 88). Um cinza tão escuro que preciso acender os faróis enquanto o carro navega pela Avenida Astolfo Dutra: um só córrego, um só Lava-Pés. O temporal roubou a claridade deste dia primeiro e levou consigo toda a energia da Força & Luz, inclusive a própria. Não acho as pilhas, mas encontro Carla Beatriz no Bar do Augusto. Perdida e devidamente ensopada.

A luz voltou. Voltamos pro hotel. Enquanto Sérgio Ribas fotografa a cena, eu e Alcina brincamos de fazer ‘pose pra posterioridade’. Alcina está ótima, absolutamente descontraída com sua camisa do ‘Fio Maravilha’, óculos de intelectual paulista e um chapéu de cantora de tango que eu trouxe do Rio. Ela me confessará mais tarde que ficou com receio quando soube que eu estaria na entrevista, com medo do troço ser intelectual demais pra sua cuca de eterna operária cataguasense. A entrevista termina em sua casa, onde comemos biscoito de polvilho (bem Cataguases da infância) com o café de Dona Arminda, bem mais saboroso que o chafé de Seu Hisbelo — que, aliás, está ótimo (não o café, mas o próprio, o grande papai). Fico de jantar com Alcina e sua família no People.

Mas não havia almoçado e acabo ali do lado, no Taramela, onde meu amigo Ricardo Braga conseguiu transar um surubim com camarão e banana que é uma delícia, aliás o nome do próprio prato. Servido então pelo Cuca, meu meio-de-campo predileto (“tira o Cuca! Deixa o Cuca aí!”), nem se fala, principalmente quando regado a um coquetel diabólico que acabei de inventar há exatamente 18 minutos e três segundos: limão em fatias, água tônica e guaraná à vontade (atenção, Ricardo: o guaraná tem que ser Antarctica, que é menos doce).

O Taramela é um must, um cult-bar, como diz a Andréa Bogossian, com seu solarium transado pelo Tunim Farage e seu piano exalando aquele cheiro de saudade: Marquinhos Peixoto, Aluísio & Beto Condé mais a voz de Celeste Quirino. Só falta mesmo meu bloody-mary 88: suco de tomate, muito tempero, gelo e água tônica. Bloody-mary sem vodka. Como dizia o velho Sterling Hayden in Dr. Strangelove, “vodka é coisa de comunista!”, quer dizer, do Homero – nosso tigre de papel da oficina do Cataguases.

Cataguases by night. Lembro que combinei com Alcina e acabo indo pro People com Carla Beatriz, Sérgio Ribas e a não menos Cat Couto, aliás Cathy Mahonny, aliás, Cat Ballou, aliás, Tia Cathy. Muito simpático Alcina jantar com toda família mais o grande Bibinha e sua trupe. Mais fotografias enquanto o fulgurante Cota ataca de “Kid Cavaquinho” em homenagem à rua (“Maria Alcina”) da Taquara Preta. Mas acabamos é dançando “La Bamba”. Puro anos 60. Fim de noite. Quer dizer, fim da noite em Cataguases, porque eu e Carla ainda vamos prum baile em Mirahy City, onde acabamos mesmo é jogando sinuca no botequim do Dingo com os meninos da cidade até aí por volta das quatro da matina.

No domingo, após várias peripécias, o Bruno Menta, gentilíssimo, consegue projetar algumas sequências do meu filme (Você não soube?). Percebo que eu e o filme estamos ficando irremediavelmente velhos quando Pablo e Ulla são enquadrados cantando em cima do portão da casa da rua Dr. Sobral. Pablo ainda sem seu dente-de-leite. Mais ainda: quando alguém entra no quarto onde estamos projetando e pergunta pelo ‘fio dental’, pois o biquíni que a Eucy está usando na Praia do Pepino está mais do que ultrapassado, exatamente como a barba e a juba do Tomaz Pacheco. “Tomazmente” falando, o filme tá muito doido.

Meu Deus, quase meia-noite! Meto o carro na estrada. Enquanto Carla dorme no banco de trás, eu e meu querido baterista Afonsinho conversamos por toda a viagem. Ele me diz que seu gosto pela música veio de seu tio Vadinho, que tocava sax como ninguém, e gostava muito de jazz. Afonsinho se lembra de um festival de jazz, onde tocou com Miles Davis e Tony Scott, um dos ídolos de Billie Holiday, que, por sua vez, é uma das minhas ídalas”: sua biografia (Lady Sings the Blues) é das melhores coisas que li ultimamente.

Conversamos sobre sua bateria, que ficou na Itália, e sobre bateristas, sobre Gene Kruppa (no cinema, Sal Mineo, no papel do próprio, estava mais canastrão do que nunca. Pelo menos no cinema do Nelo Machado, onde vimos o filme aí por volta dos anos 50), e sobre nosso amigo Juquinha, também baterista e primeiro parceiro de Tom Jobim, que está muito engraçado numa sequência do meu filme, com um bonezinho de jockey, abraçado com Thomaz “Mann” (senão os dois caíam), numa trôpega madrugada em frente ao Luna Bar, no Baixo Leblon.

Entramos em Teresópolis para um café com coca-cola. São quase três da manhã e o bar está cheio. Um cidadão que está tomando uísque volta-se pra mim e diz, solene: “Vi tua mulher ontem no Golf Club. Ela anda bebendo muito”. Toma um trago e olha pro Afonsinho: “Não tava te conhecendo. Sabe que eu votei em você? Pois é, eu também sou PMDB”. Afonsinho sorri e diz: “É incrível nossa capacidade pra atrair malucos”.

Finalmente, back in Rio. Paramos ali no Bar Bico, perto da Galeria Alaska, para um chope regado a suco de manga, pra mim, e de melão, pra Carla Beatriz, que acordou porque quis, isto é, por um triz não ia pra Paris. Grande coincidência: damos de cara exatamente com Toninho, nosso garçom dos tempos do Luna Bar: “Pois é, o domingo acabou, o chope acabou, o Luna já fechou, e eu aqui tô que tô, tomando o penúltimo”.

Agora são 6:30 da manhã de terça-feira. Não saiu foto nenhuma da entrevista com a Maria Alcina. O filme velou. Não faz mal: foi divertido. Falar em velou, lembro de Velô, quer dizer, do Caetano, que está cantando ainda agora Roberto Carlos, enquanto escrevo com minha caneta futura, tão antiga quanto antigamente: “Eu andei de mais/ Não olhei pra trás/ Não vou mudar/ Sou fera ferida/ No corpo/ Na alma/ No coração”. Isso aí. Espero que o show de meus amigos Carlinhos Vergueiro e Andréa Bogossian, sexta-feira, no People, tenha o sucesso que Cataguases merece. Um bubbaloo de morango (diretamente do bar do Quinn) pra todos vocês.

Bubbaloo 2
Jornal Cataguases/10.01.88.



- Comentários sobre o texto  podem ser enviados, diretamente, ao autor: Ronaldo Werneck


Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/



Direitos Reservados
É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação eletrônico ou impresso sem autorização do autor.