Ronaldo Werneck
A MORTE DE UMA POETA |
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“Noite/ a curvatura do dorso/ o singelo
pescoço.../ na placidez, o boi rumina rubis/ e baba, leitosos, quartzos
róseos,/ onde cintila aldebarã.// E touro bravo, de sangrenta arena,/ me volto
manso,/ sem qualquer pena./ No laço fácil do teu abraço,/ vaca leiteira,
lambe-lambê-las,/ rumino estrelas”. Este fragmento do poema “Constelações” dá
bem ideia da força poética de Tânia Diniz, que nos deixou há exatamente uma
semana, no último 03 de abril.
Poeta, contista e editora. Mãe, miss,
manequim. Formada em Letras pela UFMG e professora de português, francês,
espanhol e italiano. Idealizadora há 30 anos do mural poético Mulheres
Emergentes (onde tive a honra de ter poemas meus publicados). São muitas as
Tânias de que me lembro agora, os olhos claros, o sorriso largo – essas Tânias
envoltas num só e belo ser, amplo e multifário.
O jornalista Carlos
Barroso lamentou, em redes sociais: "Tania Diniz, poeta sensível, batalhadora
e inspiradora da poesia. Quando o termo 'empoderamento' ainda estava longe de
dicionários e discussões, ela criou o jornal-pôster-poético Mulheres
Emergentes".
Também a jornalista e escritora Márcia Francisco destaca a
importância de Mulheres Emergentes: “Imagine uma mulher guerreira e sensível,
já à frente do seu tempo. A poeta Tânia Diniz parecia prever a força da
palavra e da intuição da mulher como sua força mais genuína. Assim surgiu o
mural Mulheres Emergentes e, com ele, um conceito que uniria a arte poética de
centenas de mulheres em suas mais diversas veias e versos”.
Tânia Diniz
lutava há tempos contra um câncer. E resistia bravamente, como se vê pelo
fragmento desse poema: “Espero./ Tal Penélope/ teço a teia/ de suspiro e
saudade/em ponto meia.// Tal Penélope/na noite sem lua/ sem teus passos na
rua/desmancho, desfaço,/ meus pontos, teu laço./ A solidão, não meço./ Amanhã,
recomeço”.
Nós nos vimos duas vezes nesta vida, por coincidência em
dois lançamentos de meus livros em Belo Horizonte, em 2006 e 2010. Daí nasceu
uma grande amizade, consolidada pela troca de e-mails, sempre comandados pela
poesia. Escrevo essas linhas com um nó na garganta. Pois é, querida Tânia,
você nos deu e nos dá força para recomeçarmos. Não amanhã, mas hoje – e agora
e sempre.
“Por favor, /aguarde na recepção./ Pode ser grande/ a
decepção”. Fui também surpreendido no dia seguinte (sábado, 04 de abril) pela
morte do meu amigo Pedro – autor desse flash-insight, desse microconto-quase
poema minuto –, o poeta P.J. Ribeiro, irmão de Joaquim Branco. Ao lado de
Joaquim, Pedro foi ativo colaborador dos suplementos literários (SLD, Totem
etc) que editamos em Cataguases nos anos 60/70 – e um importante nome do
movimento do poema processo.
Fora os poemas visuais, P.J. Ribeiro era
um exímio criador dos chamados microcontos, tendo publicado vários livros no
gênero, com uma prosa de alta voltagem e grande poder de condensação. Mestre
do microconto, ótimo poeta, Pedro Branco foi também levado por um câncer – e é
mais um que vai fazer falta, ao lado de Tânia Diniz. Aguardem na próxima
semana mais alguns dos formidáveis microcontos de P.J. Ribeiro.
Ao
publicar a foto de nosso encontro em 2010, escrevia Tânia Diniz no site de seu
mural Mulheres Emergentes: “E num click de Brenda Mars, o encontro com o
poetamigo Ronaldo Werneck, em sua apresentação superbacana, no Palácio das
Artes, dia 30 de junho p. passado, quando homenageou Humberto Mauro e lançou
seu mais recente livro, minerar O branco”.
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autor: Ronaldo Werneck
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/
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