16/09/2019
Ano 22 - Número 1.141




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RONALDO WERNECK



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Ronaldo Werneck



C DE CATAWOOD

Ronaldo Werneck - CooJornal

C de Cinema, de Cataguases. No início era a imagem que do verbo se fazia. No Brasil dos anos 1920 o cinema surgia mudo nas telas do Cine-Theatro Recreio: fronteira-limite do mundo-Cataguases, pequena cidade do estado de Minas Gerais. A língua era projeção, cenas que surgiam e se apagavam, e se fixavam na retina – encadeamento, gramática visual, linguagem. Glauber Rocha, o grande cineasta do Cinema Novo brasileiro afirmou um dia: “Em Cataguases – quando o cinema era mudo e o Brasil era ainda mais selvagem – Humberto Mauro realizou um ciclo cinematográfico, revelando a existência de uma das mais sólidas tradições específicas de nossa cultura. Seu mundo é a paisagem mineira, e Mauro seria o único cineasta capaz de filmar Guimarães Rosa e dar no cinema a mesma dimensão do grande romancista. Humberto Mauro é um cineasta de ontem e de hoje: é o mais novo dos cineastas do Brasil”.

C do Ciclo de Cinema de Cataguases naqueles anos 20, que projetou o pioneirismo de Humberto Mauro (1897-1983). Na aurora do cinema brasileiro, o cineasta realizou na Zona da Mata de Minas a façanha de rodar cinco filmes em sequência, um a cada ano: o curta-metragem Valadião, o Cratera (1925), filmado com uma Pathé-Baby 9,5mm; e quatro longas, já com uma câmera Enerman 35mm – Na Primavera da Vida (1926), Thesouro Perdido (1927), Braza Dormida (1928) e Sangue Mineiro (1929). Autodidata, um curioso por excelência, dotado de grande talento, Humberto Mauro foi um “faz-tudo” nessas fitas e nas demais de sua carreira: roteirista, fotógrafo, iluminador, ator, montador, diretor.
C de Catawood, como Adhemar Gonzaga, o criador da produtora carioca Cinédia, denominou um dia Cataguases em carta para Mauro. Na época, com cerca de 16.000 habitantes, a petulante cidadezinha do interior possuía nada menos que duas “fábricas” de cinema: a Phebo Brasil Film, comandada por Mauro, e a Atlas-Film, do fotógrafo Pedro Comello. A aventura do cinematógrafo em Cataguases começara com Mauro e Comello, mas um desentendimento os separou logo após a estreia de Thesouro Perdido, levando Comello a fundar a outra produtora.

C de Carmen Santos, a atriz e produtora portuguesa, que trabalhou com Mauro em Sangue Mineiro, o último longa do Ciclo de Cataguases – e que teve grande importância em sua trajetória no Rio de Janeiro. Ao chegar ao Rio no início dos anos 1930, para trabalhar na Cinédia a convite de Gonzaga, Humberto Mauro – com pouco mais de 30 anos – era a pessoa que mais entendia de cinema no Brasil: ator, autor, arauto da sétima arte. No Rio, ele realizou várias fitas para a Cinédia, outras tantas para a Brazil Vita Film, de Carmen Santos, e inúmeros documentários para o Instituto Nacional do Cinema Educativo, onde trabalhou por mais de 30 anos.

C de contra-plongée e contraluz, como Humberto Mauro gostava de posicionar sua câmera. C de Cantos do Trabalho (1955), um dos grandes curtas-metragens entre os mais de 300 por ele realizados. C também de Canto da Saudade (1952), seu último longa-metragem, minha fita preferida do cineasta, sobre quem já escrevi um longo ensaio-biográfico, publicado em 2009. C de “Cinema é cachoeira”, como disse um dia Humberto Mauro em frase-emblema que lhe deu fama. Cinema é cachoeira: plasticidade e movimento, imagem colada para sempre à figura de Humberto Mauro.
C de Cineport, o Festival de Cinema dos Países de Língua Portuguesa, que teve sua primeira edição em Cataguases, 2005: verbimagem na mesma língua-pátrias. A cidade novamente em tempo de cinema. Em 2006, o Cineport partiu para Lagos, no Algarve, onde foi realizada com grande sucesso sua segunda edição. Hoje o Cineport acontece em João Pessoa, no estado da Paraíba e já são várias as edições realizadas. O Festival congrega os oito países falantes do português que formam a CPLP-Comunidade dos Países de Língua Portuguesa : Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

C de cinema, ainda e sempre, vocação dessa Cataguases hoje cidade-locação, set de filmagens onde vêm sendo realizadas nos anos recentes inúmeras produções do moderno cinema brasileiro: não por acaso, Cataguases é agora sede do Polo Audiovisual da Zona da Mata. Centro de Cultura, tendo hoje o cinema como bandeira, Cataguases é carisma, criação. Catarte: Cataguarte.

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Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG


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