01/03/2019
Ano 22 - Número 1.115


ARQUIVO
RONALDO WERNECK



Venha nos
visitar no Facebook



 

Ronaldo Werneck



O som de Solha ao redor

Ronaldo Werneck - CooJornal 


No verão de 2013, de passagem pelo Recife, assisti por acaso, sem qualquer indicação, ao filme “O Som ao Redor”, de Kléber Mendonça Filho. Não sabia nada do filme nem do diretor, mas como a trama acontecia no Recife acabei “arriscando”, já que ali estava. Grata surpresa: “O Som ao Redor” é um dos melhores filmes que vi nos últimos anos, e aí entram também os estrangeiros. De volta ao hotel, na Praia da Boa Viagem, me vi subitamente dentro do cenário de “O Som ao Redor” e lembrei-me do personagem Francisco (chefe de uma família que domina alguns quarteirões da Zona Sul do Recife) entrando no mar à noite, bem ali onde eu me encontrava.

Nos créditos do filme, lembrava-me de ter notado o nome de um dos atores, W.J. Solha, mas não sabia qual o seu papel. Pensei já ter visto o nome, talvez até em meus contatos de email, já ter lido alguma coisa dele, mas não ligava o nome à pessoa, ou vice-versa. Qual não foi minha surpresa quando logo depois, por ocasião da morte de um amigo em comum, o escritor cearense Nilto Maciel, vi novamente o nome W.J. Solha assinando um texto sobre o Nilto na web. Havia uma foto dele e identifiquei de imediato o “Senhor Francisco” do Som ao Redor.

Tempos depois, li um excelente texto do Solha aqui na Rio Total, onde falava en passant do Guernica de Picasso visto no Museo Reina Sofia, em Madri, mas voltava os olhos com maior atenção para a mostra de um fotógrafo canadense, Jeff Wall, que ali se encontrava. Também eu vira por duas vezes o Guernica no Reina Sofia, inclusive quando de uma grande exposição sobre Picasso, em 2010. E me detivera, e me detivera, e me detivera e vou me deter sempre ante o quadro trágico e monumental.

Mas a atenção de Solha naquele dia – Guernica à parte – fixou-se nas fotos de Jeff Wall – em transparência, de grande porte e retroiluminadas –, principalmente uma intitulada “Um brusco golpe de vento (a partir de Hokusai, de 1993”). Fora a dinâmica, o que mais deslumbrou Solha foi saber que a foto remetia a uma imagem que o japonês Hokusai (Katsushika Hokusai, 1760-1849) flagrara 200 anos antes. Daí, mostrando grande erudição, Solha parte para a influência da arte oriental na Europa, marcando trabalhos de Manet, Van Gogh, Cézanne e outros mais. Seu texto, acuradíssimo, estava eivado de tal argúcia e propriedade que não me contive: acabei enviando ao Solha longo email elogiando o primor de suas palavras.

Logo, seguiram-se outros e-mails de cá pra lá, de lá pra cá, e descobrimos vários e vários amigos em comum. Enviei também alguns de meus livros, enquanto aguardava o envio de seus livros (o Solha poeta ganhou o prêmio João Cabral de Melo Neto e foi finalista no Jabuti), que foram chegando aos poucos: “Marco do Mundo”, “Relato de Prócula” e “A Engenhosa Tragédia de Dulcineia e Trancoso”, do ano passado. Qual não foi o meu espanto quando estava em Nova York em 2014 – e pensara nele naquele mesmo dia, ao ver um quadro de Van Gogh no MoMa (o título de um dos livros de poemas de Solha, “Trigal com Corvos”, remete ao quadro de Van Gogh) –, qual não foi o meu espanto, repito ainda espantado, ao ler no meu facebook dois textos do Solha sobre meus livros. Sou um analfabeto nos mistérios do facebook e não consegui enviar mensagem pra ele de meu i-phone, instrumento que manejo com total deficiência, com a imperícia de um matuto manobrando nave espacial.

De lá pra cá nos tornamos “amicíssimos virtuais” e o Solha acabou escrevendo um prefácio abrangente e mais que erudito sobre meu livro “o mar de outrora & poemas de agora”. Agora sim, acá y ahora, direto da base/Cataguases, em plena Zona da Mata mineira, prestidigito essas tardias linhas de agradecimento. “Paraibano” desde 1982, embora nascido em Sorocaba, o escritor, poeta, dramaturgo, roteirista, ator e artista plástico W.J. Solha é desses seres multifários que fazem de tudo um muito e um muito de tudo, com talento, argúcia e grande competência. Volto ao Recife agora no início de março, logo após o Carnaval. Solha ficou de sair de João Pessoa para me encontrar por lá e finalmente nos toparmos cara a cara. Um encontro naturalmente cultural: marcarmos uma visita ao castelo-museu do irmão do Brennand. Eu já conheço, mas será um prazer revisitá-lo ao lado de meu amigo de espantosa cultura – e que certamente me dará informações preciosas sobre cada uma das obras expostas. Evoé, Solha!

Cataguases, 28 de fevereiro de 2019.

- Comentários sobre o texto  podem ser enviados, diretamente, ao autor: Ronaldo Werneck


Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG


Direitos Reservados
É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor.