16/03/2021
01/04/2024
Ano 27
Número 1.361



 


ARQUIVO
RONALDO WERNECK

Ronaldo Werneck



Affonso Romano sobre RW: O mundo é macio e perigoso

Ronaldo Werneck - CooJornal

O cineasta “gaúcho-carioca” Murillo Azevedo, está iniciando as filmagens de um documentário sobre minha trajetória de 80 anos de vida e mais de 60 de literatura. Velho amigo de meus tempos de Rio de Janeiro, Murillo esteve comigo aqui em Cataguases no último fim de semana. Pesquisador cuidadoso, ele acaba de encontrar uma “preciosidade” que eu desconhecia: um artigo de Affonso Romano de SantAnna sobre meu primeiro livro, “Selva Selvaggia”, lançado no Rio em maio de 1976. Lá se vão 48 anos. Na época, “Selva Selvaggia” foi muito bem recebido pela critica e mereceu resenhas em vários veículos: Folha de S.Paulo, Globo, Jornal do Brasil, Revista Colóquio Letras (Lisboa), Pasquim & etc. Mas só agora, graças ao Murillo, leio pela primeira vez o texto de meu amigo Affonso, publicado pela Veja.


" Neste cinepoema, a poesia vive uma odisseia no espaço. “Selva Selvaggia” não é o título de mais um livro de poesias, mas sim o nome de um cine-poema. O roteirista e diretor extraiu o argumento desta edição de fatos vivenciados por ele mesmo no eixo Minas-Bahia-Rio, entre 1962-1975, e de “outros lidos, vistos, consumidos – pelo telstar, pela tv, pelo cinematógrafo”.

Para Glauber Rocha, um filme não é arquitetura de efeitos, mas expressão visual de problemas. Talvez esteja nestas palavras de Glauber a explicação para a proposta poética de Ronaldo, que sem dúvida alguma suou e sofreu para compor seu poema – “na rua, na cama, no teclado da máquina, subitamente dentro de um cinema”. Com uma primeira montagem de “Selva Selvaggia” (com 66 takes de certa forma mantidos ou reestruturados nesta montagem atual), o autor foi premiado em 1970 pela União Brasileira de Escritores.

Teve outras premiações – na primeira promoção de poesia na Guanabara, no primeiro e segundo festival de poesia de Pirapora (neste último recebeu o prêmio “Carlos Drummond de Andrade”). Ronaldo Werneck é um poeta “amadurecido” em barris de carvalho. Seu poema é uma dose dupla de batida de limão misturada com muitos copos de cerveja, duas vodcas e vários uísques.

A quem brinda? A Oswald de Andrade, Fellini, Mallarmé, Jorge de Lima, Mário Faustino, João Cabral, Maiakóvski, Camões, e.e. cummings e muitos outros. O que brinda o poeta? A palavra e o homem. Em “Selva Selvaggia”, o leitor-espectador encontrará dez sequências, e a primeira abre a cena com o poeta refletindo sobre seu ofício: procurando estruturar os elementos necessários para a cine-viagem, através das palavras, imagens, espaços em branco.

Vejamos o poema “Três haicais à la carte”: 1) os brancos impressos/ entre as letras são tetas/ leite submerso. 2) pedra sal e sonho/ apreender com o corpo/ sol cotidiano. 3) do amor não a/ prendeu a tonalidade/ar e amar´elo”.

Notam-se influências joycenas – pelas associações sonoras – e de cummings – pela desintegração das palavras. Infelizmente não posso reproduzir aqui os melhores exemplos de total libertação, como acontece nos poemas “Telstar”, “2001 – o espaço poético”, “Canção da espera”, “Réu´p”, Full-time”, “Pranto-socorro” e outros em que as palavras se agrupam coerentemente e se estruturam formando mosaicos visuais e fragmentos sonoros.

O poeta encerra a sequência cinco com o poema-processo “Pop/lar” – um poema eletrodoméstico social, em que aparece uma página de jornal anunciando uma liquidação de geladeiras, aparelhos de tv, liquidificadores, fogões, bicicletas, enceradeiras. Na mesma página, a notícia – “O mundo é macio e perigoso” – é o título do poema-texto, que tem como ilustrações fotografias de pessoas rindo e correndo de felicidade. Neste poema-texto Ronaldo mostra em versos como vê a realidade social deste mundo macio e perigoso. – “Uma canção de espera/ uma canção de esperança/ ancião/ ânsia/ canção/ anunciação/ retribuição/ risos/ grunhidos/ febre/ vômito/ de esperança/ é o mundo/ que te anuncio”.

Num total de 86 poemas, “Selva Selvaggia” é um desabafo de seu autor, refletido em uma boa dose de sentimentalismo poético, misturado com muita poesia concreta e alguns poemas-processo."

Affonso Romano de Santana
Revista Veja, São Paulo, maio de 1976

 


Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG

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