16/05/2022
Ano 25
Número 1.272






ARQUIVO
MILTON XIMENES

 

Milton Ximenes Lima

 

pare de tomar a pílula, rapaz!

Milton Ximenes Lima - Colunista, CooJornal


Era o que me aconselhava sempre aquele antigo amigo. E, ao mesmo tempo, lembrava:

– Prá começar, é um crime obrigar as crianças a soletrarem a palavra “pílula”, quando ainda nem controlavam a dança sonora do pronunciamento dela no apertado espaço das suas miúdas bocas! No máximo, elas conseguiam balbuciar uma sofrida e enrolada “plílula”. Então, antes dessa época, muitos familiares preferiam, como remédios, beberagens nativas, ou os mais diversos chás, na defesa às alterações de saúde que se sucediam. Fórmulas caseiras muito conhecidas ou sugeridas, tradicionais até, eram lembradas e adicionadas.

Ah, ia me esquecendo... certa vez, oito aninhos ainda, apareceu, nas nossas brincadeiras de quintal, uma garota mais “graúda” (ou parruda) que todos nós, meninos e meninas, sugerindo que fôssemos brincar de médico! Novidade: ninguém conhecia a brincadeira. Não receitou pílulas. Distribuiu todo mundo nas camas do grande quarto, encostou as janelas para escurecer o ambiente, nos cobriu com lençóis, e começou a examinar a todos, apalpando corpos. No meu, pelo menos, não se identificou nem como uma jovem urologista e nem como uma jovem ginecologista. Suas mãos tatearam meus “murchos brinquedos de fazer pipi”, depois, me fez também tatear o que ela guardava lá embaixo dela. De lembrança, deixou apenas um cheirinho esquisito nos meus dedos... Depois, ela sumiu, retornou à cidade donde viera, em outro Estado.

Uma vez ou outra, médico presente, tinha que me socorrer obrigatoriamente dos comprimidos, sem falar das “temidas” injeções/vacinas. Já alfabetizado, comecei a conhecer as propagandas dos cartazes afixados nas farmácias, nos vagões dos trens da Estrada de Ferro Leopoldina Railway, nos bondes do Rio de Janeiro. Eram pioneiras formas da futura “mídia”: Rhum Creosotado: “Veja ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem ao seu lado.../no entanto acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rhum Creosotado!!!... ”Pílulas de vida do Dr. Ross, fazem bem ao fígado de todos nós!” “Melhoral, Melhoral, é melhor e não faz mal! Sem falar nas musiquinhas, de igual teor, cantaroladas insistentemente nas rádios de então...
 
Depois, os enfermeiros do colégio interno e do exército abusavam das suas atribuições, as receitavam-na até para... amenizarem as pancadas dolorosas no nosso corpo, e... possibilidades (remotas) de fraturas! Bom, negócio seguinte: eu só as utilizava nos momentos mesmo das emergências!

Reconheço que tive que me socorrer delas, lá entre os 20 a 25 anos, para derrubar uma alergia a pó, poeira e similares. Depois, esporádicas aplicações às dores comuns, cabeça, barriga, “coluna” ou alguma parte do corpo que refletia algum distúrbio interno. Elas mais rarearam quando apliquei os recursos corporais respiratórios adotados nas aulas de ioga. A vida seguia... Eu ficara convencido com esta metodologia, tentava então explicar os efeitos dos exercícios para os viciados “pilulistas”.

Ficando, depois, cada um no seu galho opinativo, não mais adiantava polemizar!

Esta alegria acabou depois dos cinquenta anos quando fui surpreendido por uma embolia pulmonar, com entupimento na veia cava inferior. Pronto, findou-se minha resistência e tive, sem discussões, que aceitar a avalanche de medicamentos necessários à recuperação da minha saúde, aí elas já também conhecidas como “drágeas”. Nunca, na minha vida, li tantas bulas, algumas enormes e, às vezes, aterrorizantes! Parecia até que eu era depositário de todos os males sanitários do mundo! Pensei comigo: “Tô f... ”, – desculpem-me – “tô... perdido!” Tinha uma até que insinuava restringir pensamentos de... suicídios! Tive que aceitar várias vozes médicas bombardeando meus ouvidos e, qual hóstia na comunhão nas mãos únicas do padre, os comprimidos se aquietaram na boca: ...“esta é para insuficiência cardíaca congestiva, pressão alta, dor no peito; este é antidepressivo; mais este, é para aliviar as gastrites; esta, também, contra pressão alta, edemas”; e, assim, uma sucessão delas, para combate da hipertensão arterial leve e moderada; edemas (inchaços); diurética; insuficiência venosa crônica funcional e orgânica dos membros inferiores; pressão alta, inchaços, cirrose hepática etc; “e essa aqui é para monitoramento do sangramento; combate também o colesterol, melhora os sistemas nervoso e capilar; previne as agressões ao fígado...”, sem falar nos que foram “empurrados” depois!

Um dos médicos, o Dr. Nigri (Lázaro Ibrahim) a quem informei dos meus exercícios físicos antes do incidente, principalmente as caminhadas por serras e litorais dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, mais as montanhas de Minas Gerais e Bahia, sentenciou:

– Foi isto que te salvou, meu caro!

E aproveitando a proximidade do seu paciente, outros comprimidos me foram apresentados (ou impingidos?)

Li tantas bulas que um dia ousei, diante do espantado médico:

– Doutor, eu posso trocar o cloridrato de bupropiona pelo cloridrato de sertralina? E a silimarina e racemetionina vão fazer efeito imediato? E a diosmina e a hesperidina são para tomar logo? E o alopurinol, só à noite? E o colecalciferol, uma vez por semana? Até quando vou ser obrigado a tomar o pantoprazol sódico sesqui- hidratado?

– Sossega, amigo! Tudo tem que ser examinado com calma, só o tempo nos dará uma resposta! – adiantou o educado médico, pois, a esta altura, eu já temia que ele me mandasse para a longínqua Mérida! (Cidade da República do México, que conheci: aliás, um valioso centro cultural asteca!)

Apesar dos pesares, continuei obrigatoriamente sendo, pois, expectativa curiosa neurótica dos doutores, a alegria dos eficientes e até virtualmente agressivos laboratórios, e cultivador da tristeza dos meus... ma$$$acrados “pobres” bolso$$$$$$!
E dizem até que, já ultrapassado o milagre dos meus oitenta anos, estaria chegando a hora de parar de tomar as pílulas...

 Alertei:

– Doutor, doutor, não se preocupe: tô chegando ao fim do meu prazo de validade!

Enfim, aqui entre nós: se houver tempo, e Deus me permitir, vou indo, indo, indo, subindo... para onde mesmo, hem? Outra dimensão? Não me lembro. Depressa, depressa, cadê minhas pílulas para magnésia? Ou melhor, seria... para amnésia?

Comentários podem ser enviados diretamente ao autor no email miltonxili@hotmail.com





Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ

Email: miltonxili@hotmail.com
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