01/11/2021
Ano 24
Número 1.246






ARQUIVO
MILTON XIMENES

 

Milton Ximenes Lima

 

Eu fui do tempo (VII)- Cachoeiro

Milton Ximenes Lima - Colunista, CooJornal

... em que, superando os vendedores ambulantes com seus costumeiros balaios de produtos hortigranjeiros e frutíferos às costas de cavalos e burros, o japonês Sukessa Nakao encostou seu caminhão na cabeça-sul da ponte municipal e passou a monopolizar, enquanto esteve na cidade, a venda de grandes e belíssimos tomates cultivados nas terras dos Athayde; em que as estampas que acompanhavam o então popular sabonete Eucalol (trazendo, no verso, informações culturais) viravam objeto de curiosidade e troca entre os jovens estudantes; em que também os sabonetes Lifeboy ofereciam prêmios a quem encontrasse uma chave no seu interior; em que a divulgação dos próximos filmes a serem exibidos na cidade era na forma de papéis-cartões de várias cores, onde “matinées” e “soirées” eram cuidadosamente especificadas; em que as revistas Tico-Tico e Vidas Infantil e Juvenil foram preferências de crianças e professores, antes da chegada dos “agressivos” (à época) gibis; em que apareceu a moda do uso das bicicletas, revolucionando a ligação casa-escola de muitas crianças e sendo introduzidas, pelos mais ricos, nos festivos e festejados desfiles escolares dos Dia de Cachoeiro e da Independência; em que, nestes desfiles, Liceu e Escola de Comércio se esforçavam pela melhor exibição, dentro de uma rivalidade autêntica, constante, mas sadia; em que se se ouvia a passagem inesperada e barulhenta da motocicleta do Murilo Sampaio, com a inédita acomodação lateral de um passageiro; em que os guarda-chuvas eram chamadas de “sombrinhas”, e até, nos agressivos verões, de guarda-sóis (???); em que as crianças tinham medo da grande imagem do Nosso Senhor dos Passos, lá num canto direito e escuro da Matriz (Velha), de cuja cabeça desciam enormes e fartos fios de cabelos naturais que lhe encobriam o rosto; em que, nos casamentos, ainda não existentes os “flashes”, o (a) fotógrafa (D. Amélia Viana/e outros)) acionava disparadores remotos a cabo, provocando um clarão produzido por pós de magnésio inflamáveis, sucedido por uma fumaça escura que se elevava no ambiente! (Indagação toda minha: isso poderia explicar os olhos espantados dos noivos na maioria das fotografias?); falando-se em casamentos, comentava-se: “Sol com chuva, casamento de viúva; chuva com sol, casamento de espanhol”l; em que se fundou um Aeroclube; em que os aviões da NAB - Navegação Aérea Brasileira começaram a sobrevoar a cidade, facilitando ligações com Vitória e Rio de Janeiro; em que o embarque nos trens da Estrada de Ferro Leopoldina Railway era o mais procurado meio para se chegar ao Rio de Janeiro, então capital federal, através das composições chamadas “expresso” , que partiam, diariamente às 5h30 da manhã, e as do “noturno”, com carros-leitos adicionados em Campos dos Goitacazes (RJ), que vinham de Vitória, em dias determinados, alcançavam a cidade às 16h30, e seguiam para o Rio, após procedimentos de embarque e desembarque de pessoas e mercadorias; em que, nas únicas linhas de ônibus municipais que faziam então os itinerários Ilha-Coronel Borges e Aquidabã-Bahiminas, o “trocador”, quando chegavam no último ponto, se levantava e alertava: “- Ponto final, faz favor as fichas!” (... de plástico-sistema de controle da contabilização final dos pagamentos e passageiros na época); em que jornaleiros jovens apregoavam por nossas ruas jornais da cidade e os do Rio de Janeiro (um dia de atraso, porque vinham de trem); em que, para se comunicar com pessoas em outras cidades, tínhamos que acorrer ao único prédio da Telefônica, lá no alto da rua Costa Pereira, onde, sentados, aguardávamos o chamado da telefonista para ingressar e falar numa cabine; em que o trânsito de carros era, nas noites de domingo, após a última sessão do cinema Central, impedido na Praça Jerônimo Monteiro para permitir o livre passeio, em sua rua principal e arredores, de ricos e pobres, incentivando, muitas vezes, aproximações sentimentais... promessas de futuras famílias; em que personagens de rua, desassistidos, mendigavam esmolas às casas e lojas somente nos sábados; em que os namorados noturnos “mais assanhados”eram convidados a passear no carro da polícia, apelidado de “Mamãe Carinhosa” até... ouvir certos conselhos nas dependências “mais calmas” da Delegacia...”

Ponto possivelmente final: não vou lhes fornecer o número da minha sepultura, para, como costumavam no meu tempo, os conhecidos nele apostarem no jogo do bicho!

Minha cautela, gente: já procurei saber como é essa tal de cremação! Só sei, hoje, que é um calor de matar! Não tem jeito: como nos aconselham as orientações éticas e religiosas, fechem os olhos, porque temos aí que obrigatoriamente, tirar (ou nos tirarem) a roupa, e sintam, depois, um certo cheiro de churrasquinho, ou moqueca... possìvelmente capixaba...

Enfim, adeus, conterrâneos e outras simpatias! Como me aconselhou o perspicaz poeta Manoel Bandeira, “Vou-me embora para Pasárgada”, onde serei amigo do Rei...” (leiam a poesia, por favor, e me entendam!).

Comentários podem ser enviados diretamente ao autor no email miltonxili@hotmail.com





Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ

Email: miltonxili@hotmail.com
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