01/09/2019
Ano 22 - Número 1.1397
ARQUIVO
MILTON XIMENES
Venha nos
visitar no Facebook
|
Milton Ximenes Lima
Fundo de Gaveta PÁTIO DE FACULDADE
|
|
Com o devido respeito aos seres humanos
envolvidos nesta narrativa, remexo nos meus arquivos de tempos
universitários, período de 1960 a 1964, na Faculdade Nacional de Direito.
Apareceu entre nós, no meio de um semestre de aula, a moça que se
apresentava como Isabel, a Redentora, aquela mesmo, libertadora dos pobres
escravos em 1888. Para provar esta sua identidade, perguntava a todos que
dela duvidavam:
- Querem uma certeza disto? Procurem outra Isabel,
a Redentora, por aí e vejam se encontram ela! Sou a única!
Gente
que a conhecia assegurava ser ela aluna da Nacional de Filosofia, apesar
de jantar noturnamente nos bandejões do restaurante da nossa Faculdade. A
questão, porém, não era essa... As pessoas que a circundavam pensaram logo
em apresentá-la a outro membro da real família: D. Sebastião, nome de
nascença do “Imperador”, título pelo qual se alcunhava. Ele regressara ao
nosso convívio depois de longa ausência, da “árdua campanha no Rio da
Prata” e posterior convalescença dos ferimentos recebidos nos
hospitais-manicômios do bairro do Engenho de Dentro ou de Jacarepaguá.
Exageraram até, espalhando que ele, finalmente, terminara o seu famoso
“Tratado sobre todas as coisas do mundo”, tendo, inclusive, para
pesquisas, se aboletado em um porão repleto de... esqueletos!
Normalmente, ele se acomodava em uma das confortáveis poltronas do salão
do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (CACO), mergulhava em grossos
livros e, após leitura, rasgava-os justamente no espaço que separavam as
linhas de leitura. No chão, ficavam tiras e mais tiras das páginas
destruídas...
Feitas as esperadas apresentações, ela,
impetuosamente, foi criticando:
-Soube que V. está fazendo um
“Tratado”, mas acho que segue um caminho totalmente errado: vai
desenvolver ele conforme as palavras, em ordem alfabética! Ora... o que
são as palavras? Conteúdos opacos, fontes ocas que os homens inventaram
para satisfações sensoriais. Nada mais! Olha só: qual é a sua religião?
-Católica, apostólica, romana! – ele respondeu.
-Veja bem... -
ela continuou – o que significam essas três palavras? Nada! São invenções
nossas, como protestantismo, espiritismo e outras... todas sem valor!
D. Sebastião , calmo, consciente da imponência do seu porte e presença
de sua majestade, ouviu tudo em silêncio, como um principiante em qualquer
arte costuma ouvir seu ídolo... Esperou-a chegar ao fim, e, mais seguro de
si como nunca, observou, coçando a barba:
- Me diga aqui, como se
chama mesmo a senhorita?
- Já disse: Isabel, a Redentora. Para os
mais íntimos, sou a Lúcia!
- Lúcia... Lúcia... Ah, muito bem, muito
bem... Lúcia! Quer dizer: L mais U mais C mais I, mais A! É uma pena eu
não acreditar no que V. me diz! Porque saíram essas palavras pela boca de
uma coisa que os homens inventaram por bem chamar de Lucia. Logo, V. é a
representação de uma palavra, não significa nada! Não posso ouvir sua
opinião... Você é zero!
E rápido se retirou para ocupar no
restaurante o lugar que era egoística e ciumentamente seu do primeiro ao
último dia do calendário escolar. !
Comentários podem ser enviados diretamente ao autor no email
miltonxili@hotmail.com
|
Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ
Email: miltonxili@hotmail.com
Conheça um pouco mais de
Milton Ximenes Lima
Direitos Reservados
|
|