14/10/2011
Ano 14 - Número 757


 

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ARQUIVO
MILTON XIMENES

 

Milton Ximenes Lima



PELOS TÚNEIS DO METRÔ (II)


 

Milton Ximenes, colunista - CooJornal


Foto MXL

 
l. Comportamento (I) – Ao tempo do início da implantação da Linha 1 do Metrô-Rio, na parada da Estação Central, que costuma receber os passageiros suburbanos da Estrada de Ferro. Dois homens, em algazarra, bloqueiam uma das portas do vagão para que mais três, a correr, pudessem acompanhá-los. Alegria geral por terem conseguido! Aí, deu-se o encontro dos seus olhares com os dos passageiros, sentados, silenciosos, testemunhas severas da inusitada invasão. Diminuíram os risos e falatórios, foram para o meio do vagão e se acomodaram onde puderam. Pareceu-me que, momentaneamente, perceberam que ali se encontravam em outro país.

2. Comportamento (II) – Na Estação Saens Peña embarca o homem de meia-idade abraçando o rapaz, em traje de colegial. Sem desfazer o abraço, acomodam-se no banco duplo, conversam baixinho. Duas estações depois, Afonso Pena, o homem se despede com um beijo na testa do garoto, e, da plataforma, ensaia adeuses. Em retribuição, recebe tímidos acenos. E daí?... As deduções são minhas: -Pai aconselhando filho? Pai separado querendo oportunidade para o filho merecê-lo? Em lugar impróprio para tanto? Jamais saberei. No mínimo, são afeições em crise, que me desafiaram a imaginação num momento de difíceis desdobramento e esclarecimento dos fatos e das idéias.

3. Estranho apelo – Visualizo a tatuagem azul-escura gravada na parte mais alta das costas claras e largas da moça que entrou na Estação São Francisco Xavier. De um lado a outro uma advertência bíblica nos ameaça: “Muitos são os chamados, poucos os escolhidos”. Abandono, por momentos, meus “puros” sentimentos religiosos, caio numa real ao avaliar o sadio corpo daquela mulher, e me pergunto: -Escolhidos... escolhidos, por quem? Por quem, hein? Hein?

4. Solidariedade – Aprecio a confraternização musical do rapaz com a moça, uniformizados do Colégio Pedro II, talvez namorados ou enamorados, que dividiam e apreciavam o som de um mesmo rádio, puxando os fios dos fones para um dos respectivos ouvidos. Assim permaneceram até a Estação Presidente Vargas.

5. Conforto – Hora do “aperto” na Estação Central do Brasil, entre 17 e l8 horas. Jovem passageira, procedente de uma baldeação, calmamente descalçou seus sapatos e os trocou pela sandália tipo havaiana que, até ali, escondera numa sacola plástica. Em pé mesmo, sem se sentar em banco, sem se apoiar em colunas. E o esverdeado comboio Pavuna-Botafogo, pouco depois, a engoliu e a levou para sempre.

6. Auto-estima – Mais de uma vez presenciei, também a partir da Estação Saens Pena, a elegante mulher, gordinha, sentando-se no canto da janela, abrindo e revolvendo a grande bolsa que pousara sobre suas pernas, depois tranquilamente se maquiando, sob a vigilância de um espelho na mão esquerda, pincelando cílios e sobrancelhas, e, ao final, disfarçadamente, mãos já dentro da bolsa, massageando os dedos com um creme. Depois, em discreto olhar, se esforçando em constatar, no reflexo da sua imagem na janela envidraçada do vagão, a qualidade dos resultados dos seus retoques faciais.

7. Privilégios (I) – Tantas as repetições dos avisos sonoros, que incorporamos automaticamente à memória a destinação “filantrópica” ou “assistencial” daqueles mencionados “bancos laranjas” (idosos, gestantes etc). Mesmo assim, por razões várias, às vezes são ocupados por pessoas jovens. Nessa hora, quando eles insistem em ceder o espaço, é que me toco que os meus cabelos brancos estão me qualificando cada vez mais. Com freqüência. Sobraçando pasta e embrulhos, aceito a (obrigatória) concessão. Mas, confesso, sentindo-me bem para dar uma exibição de vigor, não faço questão, e, certa vez, exagerei na minha justificação:
- Pode deixar, “minha filha”, acabei de sair de uma reunião em que fiquei sentado quase três horas! Pode deixar, levante não...

8. Privilégios (II) - Achando-se no seu direito, a idosa senhora se postou bem defronte a um “banco cor laranja”, começou a comentar, em voz alta, sobre a falta de educação de certos jovens que não eram gentis em ceder o referido banco. Aquilo tinha endereço certo. Ali, à sua frente, estava a tal indiferente jovem, demonstrando que dali não sairia tão cedo. A idosa, percebendo, multiplicou suas queixas, tentando cativar a simpatia dos passageiros vizinhos. Foi então que a mocinha se mexeu, e, devagar e calmamente, puxou para a cima a bainha da perna direita da sua calça comprida até exibir, claramente, parte da sua perna mecânica.

9. Aviso aos navegantes – Mais de uma vez aconteceu. No sufoco da hora do “aperto”, descendo rapidamente as escadas, entrei no primeiro vagão com que me deparei. Lá dentro, todo satisfação pelo espaço espertamente alcançado, mais calmo, olho para um lado, olho para o outro, e me sinto um passageiro diferente, mas privilegiado: bendito fruto no vagão das mulheres...! Elas apenas me olhavam, sem censuras. Aí, uma que estava perto, também em pé, me acolheu, observando:
- Não saia, não! Vai ficando misturado no meio de todo mundo. Você não está sozinho não, eu estou aqui, veja, com meu namorado!

(Depois constatei que minha rapidez superou os olhares dos vigilantes encarregados de orientar os passageiros naquela estação, Carioca, e escapei dos demais, postados nas estações subseqüentes, que convidavam, também gentilmente, os homens a desembarcarem, se possível na estação próxima que oferecesse a possibilidade da composição permanecer mais tempo parada, como, no caso, a Central).


Foto MXL


(14 de outubro/2011)
CooJornal no 757


Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ

miltonxili@gmail.com
miltonxili@yahoo.com.br

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