19/02/2011
Ano 14 - Número 723
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"Amigo da Cultura"
ARQUIVO
MILTON XIMENES
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Milton Ximenes Lima
TIJOLOS NA CONSTRUÇÃO
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A mulher acabara a limpeza dos jardins e agora partia para os vasos pendurados.
Num deles, solitária planta, caule único, fino e comprido, repleto de minúsculas
folhas. Verde tudo, só verde, nenhuma flor em quase dois meses. Pedia muita
água, senão murchava.
_ Que planta é essa? – intrometeu-se.
_ Mato, puro mato, já vou arrancá-la – ameaçou ela.
_ Deixe ela aí, mulher, a gente nem sabe direito o que é!
_ Só se você tratar dela...
_ Pode ser. Ela nem dá trabalho, só pede um pouquinho d’água pela manhã e à
tardinha ...
Um dia, ou mais precisamente, uma tarde, visita de uma amiga da mulher, que se
surpreendeu ao perceber o vaso com aquela plantinha tão só, contrastando com
outras em vasos próximos, recheadas de pequenas flores. Aproximou-se, a pergunta
saiu:
_ Onde você arranjou essa muda?
_ Não arranjei, apareceu...- e esticando o beiço inferior na direção do marido,
sentado na varanda, olhos sob jornais, mas ouvidos atentos – é o xodó dele. Ele
acha que se ela já está aí, é esperar para saber que bicho vai dar. Por mim,
dava um fim. É mato...
_ Criatura de Deus! - exaltou-se a amiga -, se não me engano essas folhinhas são
ótimas para problemas de pele. Vou levar umas amostras, depois lhe telefono para
confirmar...
Meio escondido, o marido sorriu timidamente, mas olhos bem alegres. Na sua vida,
atos precipitados não tinham acolhida, não custava nada cultivar paciências.
Lembrou-se do grupo de peladas da sua meninice. Havia o Elizeuzinho, ruim de
bola, perdia gols à beça no ataque, furava na defesa, lento nas disputas, a
turma já estava armando uma para nunca mais vê-lo ali. Ficou com pena, largou a
sugestão ao grupo:
_ Mandem ele ficar socado ali na faixa do meio do campo. Quando a bola vier,
chutá-la para a frente de qualquer maneira, fazer tudo para não deixar ela ir
para a defesa. E ele, chutando para frente, não assusta a defesa e, quem sabe,
pode sair um inesperado passe, um centro, ou um gol de longe!
Ficou assim combinado, ninguém saiu chateado.
Tempos mais tarde, trabalhando numa repartição, situação parecida: o colega
irrequieto, conversador, distraido, pouca produção, contas erradas, estava a
caminho de ser colocado à disposição da área de recursos humanos, que o
transferiria para outro local, talvez bem longe do centro da cidade.
Aproximou-se do chefe, com quem tinha intimidade-antiguidade, eram do mesmo
concurso:
- Chefe, a seção não pode perder funcionário assim tão fácil, tá todo mundo
precisando de mais um. Não dá para fazer um rodízio de tarefas para ele?
Acertaram. O homem era outro. Deram-lhe incumbências em que tinha que se
deslocar para outras unidades de trabalho, ou fora do prédio. Ele se sentiu
importante, naqueles momentos, papéis sob as axilas, era o representante oficial
do seu chefe, conhecia outras pessoas importantes, conversava com elas, trazia
notícias-novidades administrativas para os colegas, trombeteava acontecimentos
da rua, e prestava contas direitinho...
Tijolos, somos todos tijolos na construção do mundo, gente. O importante é
descobrir em que e como poderemos cooperar.
(19 de fevereiro/2011)
CooJornal
no 723
Milton Ximenes é cronista, contista e poeta RJ
miltonxili@gmail.com
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