17/07/2010
Ano 13 - Número 693


ARQUIVO
MILTON XIMENES

 

Milton Ximenes Lima



DEPOIMENTOS



 

Milton Ximenes

Você foi alfabetizado? Adquiriu muita cultura? Azar seu! No momento político que atravessamos não é a sua hora e vez. Na voz do Presidente, que se gaba de que não estudou, guarde sua trouxa intelectual e volte mais tarde. Orçamentos restritos, prisioneiros de fórmulas econômicas e financeiras, dependentes de circunstâncias e interesses políticos para respectivas liberações das verbas, adiam nossos sonhos de um Brasil mais inteligente. Daí, no momento, pão e circo para anestesiar a galera escolar!

Em interessante palestra realizada na sede da AMBEP, associação dos aposentados da Petrobrás, o saudoso Acadêmico Antonio Olinto nos contou que a sua secretária testemunhou, no Japão, a prisão de um cidadão por não saber ler e escrever. Só deixaria a prisão após total aprendizado das primeiras letras (ou ideogramas?). É a legislação de lá. Pareceu-me a aplicação concreta da observação do sábio poeta gaúcho Mário Quitana de que o pior analfabeto é o alfabetizado que não lê.

Também eu soube que, ao participar de uma banca examinadora de estudantes universitários pretendentes a registro profissional, um dos avaliadores, advogada conhecida minha, recebeu a recomendação de se ater mais aos conceitos e posicionamentos jurídicos emitidos pelos alunos, e parar com a mania de assinalar os “erros de português” que, cá, entre eu e ela, eram muitos!

Bem sabemos, a grita é geral, não podemos perder esta batalha, e nos alegra perceber que não estamos sós. A Fundação Antonio Olinto hoje apadrinha cerca 29 bibliotecas no Rio de Janeiro, está aberta a doações. A Secretaria de Educação e Cultura deste Estado, então capitaneada pelo Acadêmico Arnaldo Niskier, desenvolveu trabalho especial para que os estudantes adquiram o hábito de ler... E muitos outros movimentos existem, cujas atuações, se aqui enumeradas, importariam na ocupação de muito espaço neste texto. Limitar-me-ei a dois exemplos da mídia, para justificar o título deste artigo:

Primeiro: (sobre o Presidente, no “Roda-Viva”): “Num estilo populista-eleitoreiro, proclamou-se uma pessoa que tem “liga” com o povo, a mesma liga que Fernando Henrique não tem. “Os outros”, avisou Lula sobre os antecessores, “eram mais cultos, leram mais livros, eram mais inteligentes” mas não tinham essa “liga”. De novo, o mesmo subtexto dos últimos três anos, em que a cultura e o livro são apresentados como defeitos, como elementos que afastam o político do povo. Perigoso discurso, não porque atinja a quem quer que o tenha antecedido no cargo, mas porque enfraquece o livro como valor num país que precisa desesperadamente de livros”. (Mirian Leitão, Panorama Econômico, 12.11.2005, O Globo).

Segundo: do poeta Ulisses Tavares, na revista Comunicação e Cultura nº 10 (maio/junho,julho/2005) da Editora Paulus, opinando sobre a razão do clichê que o brasileiro lê pouco: “Para mim, a coisa é simples, embora cruel: ler não dá dinheiro! Ler não conquista as garotas (os)! Ler não leva ninguém às páginas da revista Caras nem ao Governo! Ler não dá Ibope! No dia em que um Big Brother da vida der prêmio de um milhão para quem for mais inteligente, mais rato de biblioteca, daí o panorama começa a mudar. É raro um jovem valorizar mais um livro que um tênis Nike. E também há um detalhe trágico: nossas escolas, em sua maioria, não conseguem alfabetizar direito. Todo mundo conhece crianças e jovens que não gostam de livros simplesmente porque... não sabem ler! É impossível resolver o problema da leitura sem resolver o da educação. Dar livros de graça é até bonitinho, como o governo faz, mas é como dar rapadura para um banguela, inútil.”

Em Cachoeiro de Itapemirim, o profícuo escritor Evandro Moreira me confessou que, visitando uma escola, perdeu, um dia, a paciência diante de alunos que diziam não ter os então cobrados sete reais para comprar o seu livro infantil Saci Pererê:

- E esse celular aí pendurado na sua cintura, como é que v. comprou?


(17 de julho/2010)
CooJornal no 693


Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ

miltonxili@gmail.com

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