Enéas Athanázio
A MULHER DO DIABO
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O filósofo e economista
alemão Karl Marx (1818/1883) foi o pensador mais influente da humanidade. Suas
ideias penetraram de tal forma as mentes humanas que dividiram o mundo em duas
metades irreconciliáveis e o marxismo penetrou em todos os campos das ciências
sociais. Em parceria com o amigo Friedrich Engels, publicou o panfleto
denominado “Manifesto do Partido Comunistas”, um dos textos mais lidos em todo
o mundo, cujo impacto tirou e ainda tira o sono dos capitalistas apegados aos
seus bens. Publicou mais tarde seu livro “O Capital”, a mais importante de
suas obras e que até hoje incomoda os donos do dinheiro. Revolucionário desde
a juventude, formou-se em Direito e obteve o doutorado em Filosofia, mas
jamais exerceu a profissão, atuando como jornalista quando conseguia arranjar
colocação em alguma publicação. Temido em toda a Europa, foi expulso da
Alemanha, da Bélgica e da França, até se refugiar em um bairro pobre de
Londres, onde viveu seus últimos anos. Graças à ajuda de Engels, homem de
família rica, enfrentou de maneira razoável a derradeira fase da vida. Odiado
e temido, Marx era considerado o verdadeiro Diabo em pessoa. Como
consequência, sua esposa era tida como a Mulher do Diabo. Sua esposa, no
entanto, pertencia à nobreza germânica, era muito bonita e elegante, além de
culta e inteligente. A aristocrata Jenny von Westphalen pertencia a uma
família influente e que tinha até membros integrando o governo prussiano.
Diante disso, era previsível que seu casamento com um jornalista
revolucionário e sem emprego encontrasse resistência. Mas ela amava o “Mouro”,
como o chamava, e com ele se casou, disposta a enfrentar as intempéries. O
casamento durou 32 anos, tiveram sete filhos e alternaram períodos de alguma
opulência com outros de miséria, vivendo da ajuda de amigos, em especial de
Engels, pequenos empréstimos e até empenhando móveis, roupas e prataria.
Mudanças de endereço, fugas da polícia política, cobranças e ameaças de prisão
pontilharam a existência do casal. Enquanto isso, Marx escrevia como um
alucinado, atuava em quanto movimento popular surgia no mundo, arregimentava
os companheiros e lutava pela implantação da I Internacional, da qual foi o
primeiro presidente. Seus artigos e ensaios vibrantes surgiam em jornais e
revistas de grande público e provocavam novas medidas restritivas a ele
impostas, inclusive a proibição de fazer e escrever sobre política, únicas
coisas que ele sabia fazer. Firme ao seu lado, Jenny o ajudava de todas as
formas ao seu alcance. Houve ocasiões em que amaldiçoou “O Capital”, afirmando
que ele constituía um pesadelo.
A vida tumultuada da esposa de Marx foi
reconstituída e publicada entre nós pela Editora Record, em tradução de
Christina Cabo (Rio/S. Paulo – 2019). “Jenny Marx ou a Mulher do Diabo” é
muito bem escrita e fundamentada. Segundo depoentes da época, Jenny recebia
com elegância os amigos em sua casa, ainda que os móveis estivessem furados,
sem braços ou rengos. Mesmo vivendo aos trancos e barrancos, sendo até
recolhida à prisão, jamais perdeu a classe aristocrática e a simpatia. Os que
a conheceram afirmam que mantinha um porte exemplar, mesmo tendo que driblar o
padeiro, o açougueiro e até o médico que cobravam seus honorários. Foi uma
companheira inigualável. Segundo a biógrafa, Marx teve um filho fora do
casamento. Frederick Demuth seria filho de Jennichen, serviçal que residiu por
muitos anos com os Marx, manteve sempre boas relações com a família. Era
mecânico de coches, pessoa de pouca instrução e faleceu aos 78 anos.
Engels sobreviveu ao amigo. Ainda ajudou uma das filhas de Marx, Laura, casada
com Paul Lafargue. “Em 1910 – registra a autora – dois visitantes russos de
aspecto pobre chegaram à casa de Laura e Paul de bicicleta. Foram recebidos
cordialmente. Falaram de filosofia, visitaram o parque, discutiram o papel das
mulheres... Mais tarde, a visitante conta: “Estava muito excitada...Afinal de
contas, tinha a filha de Marx diante de mim. Olhava-a intensamente, procurando
em seu rosto trações do pai.” Os visitantes eram Lânin e Nadeja Krupskaia.
Lênin e a mulher, pobremente vestidos, chegam de bicicleta. Karl Marx foi
sepultado em Londres, no Cemitério de Highgate, na chamada ala dos renegados.
Para visitar o túmulo é necessário pagar ingresso, ou seja, privatizaram o
túmulo do maior socialista da história.
O legado de Marx foi para muitos o
ideal de uma vida digna e humana. Para outros, a mais trágica impostura do
Século XX.
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e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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