16/04/2023
Ano 25
Número 1.236





ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


ADÈLE, A DANÇARINA

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal


O caso complicado acontece em Liège, cidade banhada pelo rio Meuse, na Bélgica, país natal de Georges Simenon. Dois rapazolas, um deles nem entrado na maioridade, frequentam a boate Gai-Moulin onde a bailarina Adêle é o foco das atenções e dos desejos. Bem conhecidos dos garçons e funcionários, o mais velho é filho de um pai muito rico e orgulhoso do filho em quem deposita todas as esperanças. O outro, mais jovem, é funcionário de cartório e pertence a uma família remediada. Nas suas visitas, a dupla se divertia, bebia, dançava, e tudo corria bem. Certa noite, porém, os rapazes são tomados de um impulso aventuresco e decidem assaltar o caixa do estabelecimento. Aí tem início uma história das mais estranhas.

À noite, fechada a boate, a dupla entra em ação. Tremelicando e com muito medo, esperam a saída de todos e entram na adega para realizar o assalto. O ambiente está envolto em compacta escuridão. Um deles risca um fósforo e verificam, estupefatos, que há um cadáver estendido no chão. Num relance, reconhecem nele a figura do grego de nome Graphopoulos, também frequentador do cabaré. Apavorados, fogem pelo beco dos fundos e não se dão sequer o trabalho de fechar a porta. Tentam a todo custo retomar o trem da vida e disfarçar o pavor que os invade.

Na manhã seguinte, ansiosos, procuram nas páginas dos jornais alguma notícia sobre o morto. Nada encontram, o fato ainda não chegou aos ouvidos dos repórteres. Desconfiada, a mãe do rapaz mais jovem percebe estranhas mudanças no filho e passa a vigiá-lo, temerosa de alguma desgraça. A dupla continua se encontrando, tanto no Gai-Moulin como em outros locais. E então o caso explode nas manchetes dos jornais e traz um adendo intrigante: o cadáver do grego é encontrado em um baú de vime no Jardim Botânico da cidade. Os rapazes se interrogam, não conseguem entender. Em notas da imprensa, um homem corpulento, de ombros largos, envergando sobretudo preto e fumando cachimbo é visto nas imediações e às vezes seguindo um ou outro. Estava hospedado no Hotel Moderne mas não havia preenchido a ficha. Quem seria?

A polícia entra no caso, mas não encontra o fio da meada. E então o comissário Jules Maigret, investigador da Polícia Judiciária Francesa, entra em cena. É ele o cidadão de ombros largos que desperta a atenção. Como e porque um policial francês vai agir na Bélgica é uma pergunta que fica no ar. Ele está fora de sua jurisdição e no exterior. Maigret se apresenta aos colegas belgas e juntos avançam nas investigações. Acabam por descobrir que o greto assassinado era um ativo espião internacional, o que justificou o ingresso de Maigret no caso. Também descobrem o autor do crime e a presença de Adèle nos acontecimentos, embora como vítima. O livro é absorvente e a atuação de Maigret, como sempre, magistral. Trata-se do romance “A Dançarina do Cabaré”, publicado pela Companhia das Letras (S. Paulo – 2021).

Georges Simenon (1903/1989) foi um prodigioso escritor. Escreveu mais de 200 livros e 175 contos, além de numerosos trabalhos esparsos. Jules Maigret, seu principal personagem, tornou-se um dos mais célebres detetives da ficção universal, ao lado de Sherlock Holmes e Hercule Poirot. Filmes, documentários, peças teatrais têm se inspirado em suas histórias. Incontáveis ensaios e matérias jornalísticas abordam a sua obra. O grande André Gide, luminar das letras francesas, escreveu: “Georges Simenon é o maior de todos, o romancista mais genuíno que já existiu.” Nas memórias, porém, Simenon é apontado como fantasioso e exagerado; No Brasil o escritor belga teve e ainda tem numerosos leitores. Hemingway foi seu leitor confesso.

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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC





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