01/11/2022
Ano 25
Número 1.294






ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


HEMINGWAY E Picasso

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Existem livros que são verdadeiros monumentos editoriais. Dentre eles, alinha-se “Picasso – Criador e Destruidor”, de autoria da escritora grega Arianna Stassinopoulos Huffington, traduzido por Hildegard Feist e publicado entre nós pela Editora Nova Cultural (S. Paulo – 1985). Como indica o título, trata-se de uma biografia do célebre pintor espanhol Pablo Picasso e uma minuciosa análise de sua vasta e complexa obra nas áreas da pintura, escultura, gravura, desenho, literatura e tudo mais, tarefa deveras desafiadora em face da imensa quantidade de sua produção e das variadas fases em que se dividiu. A bibliografia consultada pela autora é espantosa, tanto em livros como em teses, artigos em revistas e jornais como nas incontáveis pesquisas.in loco e entrevistas que realizou. Entre tantas obras, não encontrei um só título brasileiro.

Homem difícil e mal-humorado, Picasso se comprazia em afastar as pessoas que o admiravam, inclusive filhos e netos de que se desligou por completo, em especial nos últimos anos. Tido como um gênio, o artista do século, o criador incansável, foi também rude e mesquinho. Tratava muito mal as pessoas e humilhava as mulheres com quem viveu, destruindo-as e tornando-as verdadeiros capachos submissos aos seus caprichos, como diz a autora. E, no entanto, elas voltavam para ele, bajulando-o e se curvando às suas menores exigências. Atitudes chocantes e incompreensíveis. Adorado pelo público, suas exposições constituíam verdadeiros acontecimentos e suas obras alcançavam preços exorbitantes. Tinha um magnetismo inexplicável em figura tão pouco atraente como ser humano.

Viveu a maior parte da existência em Paris e em outras cidades francesas, considerando-se um exilado espanhol no período do ditador Franco. Conviveu com quase todos os expoentes da chamada geração perdida, assim rotulada por Gertrude Stein, entre os quais o escritor norte-americano Ernest Hemingway. Aos meus olhos a amizade entre ambos me parece absolutamente impossível, tão diferentes eram um do outro. Mas o fato é que há referências ao escritor na biografia, não faltando o registro das maledicências de Picasso a respeito dele. Em comum entre os dois estavam as touradas de que ambos eram aficionados e frequentavam com assiduidade.

Registra a autora que Hemingway tentou visitar Picasso, mas o pintor estava ausente e o visitante lhe deixou um presente muito estranho: uma caixa de granadas! Pena que ela não forneça maiores detalhes sobre tão esdrúxulo oferecimento e nem a reação de Picasso. Em outra ocasião, falando sobre Gertrude Stein, sua amiga e divulgadora, a língua ferina de Picasso entrou em ação. “ É gorda como uma porca” – afirmou numa explosão de fúria. Depois, aludindo à opinião dela sobre sai pintura, completou: “Ouvindo-a o mundo todo pensaria que me criou pedaço por pedaço. Mas se quiser ver o que ela realmente entende de pintura, basta olhar o lixo de que gosta hoje em dia. Ela diz a mesma coisa de Hemingway. Na verdade esses dois foram feitos um para o outro. Nunca o suportei, nunca. Ele nunca entendeu realmente a tourada, não como um espanhol a entende. Era um charlatão, Hemingway. Eu sempre soube disso, mas Gertrude nunca soube.” James Lord, que ouvia, ficou estupefato.

Tendo recebido de Hemingway a peça do uniforme de um SS que o escritor dizia ter matado, afirmou que ele jamais matou um homem. Poderia ter eliminado muitos animais selvagens, nunca um homem. E voltou a afirmar que era um charlatão e por isso Gertrude gostava dele.

São passagens que constam à página 261.

Não creio que Hemingway tenha tomado conhecimento dessas manifestações. Também não me recordo de qualquer referência ao pintor na obra do escritor americano. É provável que a maledicência se deva ao fato de Hemingway não formar entre os adoradores de Picasso.

Por outro lado, ninguém escreveu tanto e tão bem sobre as touradas como Hemingway.

Quanto à amizade entre Hemingway e Gertrude, pela leitura de “Paris é uma festa”, memórias do escritor da fase parisiense, percebe-se que ela esfriou e parece que acabou, mas ele não a denegriu.

Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email e.atha@terra.com.br  



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC





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