01/10/2022
Ano 25
Número 1.290






ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


PABLO PICASSO

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Nestes últimos dias ando mergulhado na leitura de uma obra monumental. Trata-se de “Picasso – Criador e Destruidor”, de autoria da escritora grega Arianna Stassinopoulos Huffington, publicado no Brasil pela Editora Best Seller em tradução de Hildegard Feist (S. Paulo – 1988). A primeira observação que se impõe é a vastidão da pesquisa realizada pela autora, consultando uma bibliografia imensa, toda em inglês e francês, e onde não se encontra um único título brasileiro. Merece atenção também a preocupação com a minúcia de cada informação e a fonte em que se baseia. É um livro indispensável para quem pretenda conhecer a vida e a obra do controvertido pintor espanhol.

Picasso foi um ser complexo e enigmático, capaz de atos de extrema grandeza e de total mesquinharia. A análise de muitas de suas atitudes desafia os melhores psicólogos e para encará-los a autora se valeu das opiniões de Freud, Jung e outras eminências no assunto. Sagrado como gênio desde muito cedo, ele grangeou renome mundial desde Paris, onde se fixou, e acumulou extraordinária fortuna com a venda de seus trabalhos, desenhos e pinturas, que sempre alcançaram elevados preços. Por outro lado, foi um trabalhador incansável, entregando-se à sua arte por longas horas diárias, às vezes noite a dentro, sem demonstrar qualquer fadiga. Foi dono de uma criatividade ilimitada e estava sempre procurando encontrar a verdade absoluta através de suas pinturas.

Embora feio e desajeitado, baixote e calvo, dono de um olhar estranho, foi um incorrigível conquistador e fascinava as mulheres que se derretiam diante dele. Na sua vida houve imenso rol de mulheres, cada uma delas coincidindo com nova fase de sua obra, e às quais dedicava amor e grosseria, chegando até à agressão física como tantas vezes se soube. Convivendo com uma, duas ou três amantes ao mesmo tempo, comprazia-se em intriga-las, criando um clima tenso e desagradável com o qual parecia se divertir. Tendo casado com Olga, aristocrata russa, viveu com ela, por algum tempo, no alto mundo da sociedade francesa e, depois que cansou, tratou de humilhá-la pelas formas mais torpes que se possa imaginar. Curioso é que, mesmo espezinhadas, as mulheres a tudo se submetiam, obedecendo como carneiros aos seus menores desejos. Isso também acontecia com os amigos que recebiam pontapés e voltavam submissos e felizes. Apollinaire foi vergonhosamente traído por ele em momento de dificuldade e mesmo assim retornou ao seu convívio como se nada houvesse acontecido. Atitudes deveras incompreensíveis para o comum dos mortais.
Outro aspecto curioso era seu fascínio pelas touradas. Comparecia às “corridas de touros”, assistia compenetrado, discutia, torcia. Gosto difícil de compreender num artista tão sensível e de sensibilidade refinada. Algo semelhante ao que acontecia com Hemingway e outros escritores e artistas daquela fase. Viajava grandes distâncias para comparecer a uma “fiesta”, como também fazia o autor de “O Velho e o Mar.”

Seu temperamento mudava de forma repentina, passando de crises de raiva a momentos de melancolia. Alimentava desvairado ódio por determinadas pessoas e pelo mundo em geral. Dava-se ao luxo de recusar trabalhos rendosos alegando que não trabalhava por encomenda. E seus quadros se vendiam por preços absurdos. Creio que muitos compradores nem de longe imaginavam o que significavam mas desejavam possuir uma obra de Picasso e para tanto desembolsavam elevadas quantias. Suas obras cubistas, quando surgiram, causaram impacto e chocaram as pessoas, mas logo foram absorvidas porque levavam sua assinatura. Sua contribuição ao surrealismo de Bresson foi decisiva. Ele próprio desenhou sua alma como algo horrendo e repulsivo, refletindo o terror que o consumia.

Eis aí alguns aspectos colhidos aqui e ali neste livro inesgotável e fascinante. A ele voltarei em outra oportunidade.


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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC





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