01/03/2017
Ano 20 - Número 1.019

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Venha nos
visitar no Facebook

Enéas Athanázio



DO QUE É FEITO O POETA?

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal





Palestras, discursos, ensaios, prefácios e artigos foram reunidos por Anderson Braga Horta no substancioso livro “Do que é feito o poeta” (Thesaurus – Brasília – 2016), que acabo de examinar. Ainda que seja poeta por vocação e prazer intelectual, o autor revela amplo domínio sobre outros gêneros literários, a par de admirável erudição e segura informação a respeito do meio literário nacional e, acima de tudo, de Brasília, sua cidade de adoção.

São cerca de uma centena de textos analisando a obra, a carreira e a personalidade de inúmeros autores que se dedicam ou dedicaram à poesia ou à prosa, sempre fundamentados em conscienciosas pesquisas e fontes confiáveis. Entre eles, destacam-se nomes como Almeida Fischer, José Jeronymo Rivera, Viriato Gaspar, Fontes de Alencar, Luiz F. Papi, Napoleão Valadares e muitos outros. Além do enfoque sobre a vida e a obra de cada um, discute vários temas dos mais interessantes, como as traduções e os tradutores, em especial a complexidade da tradução da poesia, o significado atual das academias de letras, a questão e o desacordo ortográfico, o panorama poético de Brasília e outros tantos. O volume se fecha com uma curiosa entrevista concedida pelo autor, quase toda em versos, discorrendo sobre sua existência e sua arte.

Cada trabalho mereceria, a rigor, um comentário específico. Como isso não é possível, cinjo-me a três deles, sem demérito para os demais: Alaor Barbosa, Fábio de Sousa Coutinho e Rafael Sânzio de Azevedo. Um goiano, um carioca e um cearense, lamentado que não haja nenhum sulista que pudesse ser aqui incluído.

Autor de uma obra ampla e variada, Alaor Barbosa tem incursionado pelo conto, pelo romance, pelo ensaio, pela biografia e pela história literária, além de ser profissional do Direito. Meticuloso e exigente, tem produzido obras de grande envergadura, entre as quais “Um cenáculo na Pauliceia”, creio que o único estudo completo sobre a vida e as realizações dos integrantes do chamado Grupo do Minarete, que se reunia em torno de Monteiro Lobato, no início do século passado. Destaco ainda “Sinfonia Minas Gerais: a vida e a literatura de João Guimarães Rosa”, monumental biografia do autor do “Grande Sertão: Veredas”, em que desce a minúcias nunca exploradas, inclusive palmilhando in loco os caminhos do escritor pelos Gerais goianos e mineiros, examinando antigos documentos e se avistando com pessoas que o conheceram. Ele próprio, na juventude, conviveu com Guimarães Rosa. Esse livro foi vítima de implacável e incompreensível perseguição por uma das filhas do romancista, fato que dificultou seu itinerário, com evidente prejuízo para o conhecimento do biografado e seu mundo ficcional. Muito além dessas obras, Barbosa produziu romances, contos e ensaios de reconhecido valor literário, todos eles aclamados pela melhor crítica. Recebeu prêmios importantes e continua em plena atividade. No ensaio a ele dedicado, Braga Horta esmiúça toda sua produção.

Quanto a Fábio de Sousa Coutinho, depois de analisar sua família e formação, conclui o autor que ele parece ter nascido predestinado às coisas do espírito ou do âmbito cultural. Bacharel em Direito e advogado militante, realizou cursos de especialização no Exterior e tem ocupado postos de relevo em instituições públicas e privadas. Publicou importante ensaio na área da ciência política (“Parlamentarismo e Presidencialismo: a tradição brasileira”) e ensaios biográficos nas páginas da “Revista Brasileira”, órgão da ABL. Vem proferindo frequentes palestras sobre temas jurídicos e literários. Foi cronista do jornal mineiro “Hoje em dia” e se confessa um poeta bissexto. É o atual presidente da Associação Nacional de Escritores (ANE) e sua gestão se caracteriza pela constante movimentação cultural.

Rafael Sânzio de Azevedo, por seu turno, é um incansável e profícuo trabalhador das letras. Professor universitário, dedica-se ao ensaio, à história literária e à crítica, de preferência da poesia, mas também de outros gêneros. É poeta, cultivando o hai-cai, o soneto e outras formas poéticas, sempre com apuro e qualidade. É autor de ensaios admiráveis, dentre os quais “O parnasianismo na poesia brasileira” e “A padaria espiritual”, ambos comentados por mim em outros locais. Braga Horta faz uma análise perfeita da poesia do escritor cearense.

Fechando estas linhas, que já vão longas, reporto-me à referida entrevista concedida pelo autor. Depois de muitas respostas inspiradas, foi ele confrontado com a pergunta crucial: do que é feito o poeta? A resposta, que também é um verso, veio singela e espontânea: o poeta é feito de sonho! Não poderia haver nada melhor para concluir este comentário..


Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email e.atha@terra.com.br

 

(1º de março, 2017)
CooJornal nº 1.019



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




Direitos Reservados
É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor.