16/01/2023
Ano 25
Número 1.302






ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


MERGULHO NO MUNDO ECIANO

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Apaixonado por Eça de Queiroz (1845/1900), cuja vida/obra vem estudando de longa data, o “piauiense recifencisado” Dagoberto Carvalho Júnior reuniu em alentado volume uma seleção dos muitos ensaios, prefácios, artigos, discursos e conferências que fez sobre o célebre romancista português de prestigio universal e que tem uma legião de admiradores em nosso país: “Eça de Queiroz – Retratos de Memória” (Edição do Diário de Pernambuco – Recife – 2001). A circunstância de viver no Recife, a cidade mais eciana do Brasil, e de ter sido um dos criadores da “Sociedade Eça de Queiroz”, em 1948, contribuiu de forma decisiva para a realização desses estudos. Não satisfeito, tem palmilhado sem cansaço os caminhos do romancista em Portugal, com a mesma devoção com que trilha suas obras e o que sobre ele se escreve. Em conseqüência, o livro se tornou um manancial sem fim de informações e apreciações sobre Eça de Queiroz, como poucos existem.

Aspecto admirável no livro é a linguagem erudita e elegante com que foi escrito, uma linguagem que honra o laureado ficcionista estudado. Ele se abre com um exame da recepção de Eça em Pernambuco e depois, em sucessivos trabalhos, em outros Estados. Diz ele que “o espaço intelectual para a recepção de Eça de Queiroz não poderia ser melhor; preparara-o o naturalismo da escola filosófica de Tobias Barreto.” Quem o reconheceu foi ninguém menos que Alceu Amoroso Lima. Refere-se depois a um fato histórico, talvez surpreendente para muitos, de que “o Brasil consagrou e adotou Eça de Queiroz antes de Portugal”, conforme asseverou, com autoridade, Clóvis Ramalhete. A ex-colônia, no caso, se revelou mais sensível à grande arte eciana que a metrópole. Ou terá sido porque santo de casa não faz milagre? Desde então a influência eciana em nosso país tem sido permanente, gerando inclusive verdadeiro culto cujas cerimônias costumam se realizar nas sociedades de ecianos, congressos, conferências e incontáveis eventos do gênero.

Outro aspecto destacado pelo ensaísta e que justifica de forma cabal a admiração votada ao escritor português foi “o modo porque transformou a velha língua de Camões e de Vieira, quase exclusivamente própria para poemas épicos e sermões fradescos, num claro instrumento maleável e sonoro, rivalizando em plasticidade e opulência com os idiomas modernos.” Vale dizer que ele libertou a língua, inovou na maneira de usá-la, deu-lhe vida e cor, tornando seus romances objetos do fascínio de gerações e gerações, transpondo inclusive os limites do idioma português para penetrar em outros países. Como escreveu Graciliano Ramos, “Eça é grande em tudo – na forma própria, única, estupendamente original de dizer as coisas.”

Analisa, em outros ensaios, os trabalhos de grandes experts em Eça, a começar por Paulo Cavalcanti, um dos mais dedicados e talvez o maior de todos, Clóvis Ramalhete, Nilo Pereira, Gilberto Freyre e o incansável estudioso Manoel Paulo Nunes, além de outros, inclusive os mais jovens e os autores de trabalhos universitários. Registra e discute as obras aparecidas, as homenagens, a presença do escritor na televisão, no cinema, nos selos postais, nas esculturas em praça pública, no cordel e nas artes, a visita de ecianos ilustres e tudo aquilo que se relaciona com o carnegão incurável mas inofensivo que é a ecite. Enfim, é um mergulho de cabeça no admirável mundo do pobre (grande) homem da Póvoa do Varzim, criador do romance realista, cujo gênio no trato com a palavra e capacidade imaginativa fizeram dele uma presença forte em todo o mundo lusófono e outros recantos do planeta. Dagoberto Carvalho Júnior proporciona ao leitor um inesquecível encontro com José Maria Eça de Queiroz e sua inigualável obra.


(27 de fevereiro/2010)
CooJornal no 673


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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC





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