01/09/2022
Ano 25
Número 1.286






ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


“GERAÇÃO DO DESERTO” - 45 ANOS

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Publicado em primeira edição no ano de 1964, pela Editora Civilização Brasileira, do Rio de Janeiro, “Geração do Deserto”, de autoria de Guido Wilmar Sassi, está completando 45 anos. Segundo a crítica, o livro não despertou na época o interesse que mereceria, talvez pela circunstância negativa de ter surgido num ano turbulento em que se implantava o regime autoritário no país e a tensão social reinante era grave. Aos poucos, porém, a obra se impôs, mereceu diversas edições, tem sido objeto de inúmeros estudos e foi adaptada para o cinema pelo cineasta Sylvio Back, em 1971, com o título de “A Guerra dos Pelados.” O tempo fez justiça e compensou a frieza com que o livro foi recebido.

“Geração do Deserto” é um romance histórico, o primeiro que surgiu sobre o Contestado, e que abriu os caminhos para as produções posteriores. Ainda que seja obra de ficção, os eventos e personagens mais significativos são reais, contracenando no mesmo plano com outros que foram criados pela fértil imaginação do ficcionista. Escrito em linguagem clara e direta, o romance descreve em linhas gerais tudo que aconteceu de importante durante o conflito que teve início em 1912 e perdurou até 1916, com passagens épicas mescladas com outras românticas, a pura violência e o amor verdadeiro. Transparece uma evidente simpatia do autor pelos seres anônimos, personagens sem história e sem importância, envolvidos pela guerra brutal que os cerca e orienta suas vidas por caminhos nem sempre desejados. Sabe pintá-los com ternura e emoção.

O romance foi dividido com habilidade em quatro partes, cada uma delas focalizando os momentos decisivos da guerra. Assim, a primeira diz respeito a Irani, onde se feriu o encontro das tropas oficiais com os revoltosos comandados pelo monge José Maria, ocasião em que tanto este como o coronel João Gualberto, comandante da força repressora, pereceram, fato surpreendente e que imprimiu ao conflito rumos totalmente inesperados. O combate fatídico aconteceu a 22 de outubro de 1912, embora os relatos registrem que o monge tudo fez para evitá-lo, iniciando-se aí a guerra até então esboçada. José Maria, o monge guerreiro, seria na verdade Miguel Lucena de Boaventura, desertor da Força Pública do Paraná, e que residia no distrito de Espinilho, no município de Campos Novos, onde se notabilizara como “remedieiro” de múltiplos recursos. Era um homem baixote e corpulento, retaco, de pernas e braços curtos, mas infundia respeito e admiração, sendo seguido sem pestanejar pelos fanáticos.

As partes seguintes dizem respeito a Taquaruçu, Caraguatá e Santa Maria. Entre esses redutos e outros menores decorriam as incessantes hostilidades, cobrindo enorme extensão territorial. Os jagunços, conhecedores do terreno, praticavam uma guerra móvel, espécie de guerrilha, em que a surpresa das tocaias desnorteava o inimigo. Atiravam de cima das árvores, nos desfiladeiros estreitos, nos carreiros fundos, escondidos pelo mato e as baixas eram numerosas. Estimulados pela crença no retorno de José Maria, continuador do monge João Maria, os fanáticos lutavam como feras. Em suas almas toscas se misturavam o misticismo, as crenças e as superstições, o ódio aos paranaenses invasores, aos “americanos” (aí entendidos os funcionários da Lumber e das empresas colonizadoras) e aos “peludos” em geral e crepitava a esperança de um mundo melhor em que pudessem viver em paz nas suas terras sem que fossem incomodados pela Companhia Lumber e pela estrada de ferro. Mas a Guerra Santa, como todas as demais guerras, acabou em imensa tragédia. Corre então a notícia da rendição dos revoltosos. “Confirmada a notícia – escreveu o romancista, - a rendição aceita, começam a chegar as primeiras levas de jagunços. Gente aleijada, semimortos de fome, disenteria, tifo e varíola; a maioria velhos, mulheres e crianças. Pelo acampamento desfilou aquele ror de trôpegos, macilentos e esfomeados – o saldo de quatro anos de guerra” (p. 152). Mortos ou aprisionados os líderes, o movimento se extinguiu mas os acontecimentos marcaram para sempre a alma do sofrido povo da região. E Guido Wilmar Sassi, neste romance seminal, registrou como ninguém os percalços do maior movimento de insurgência civil da história nacional.


(RT, 06 de junho/2009)
CooJornal no 635.


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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC





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