10/11/2007
Ano 11 - Número 554


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

A CIDADE DAS ÁGUAS DO MEL



 

Numas andanças pelo Oeste, depois de visitar Chapecó, Palmitos e Maravilha, decidimos ir até Iraí, no Rio Grande do Sul, um dos mais antigos balneários termais da região, e onde eu não ia há muitos anos. Cruzamos o rio Uruguai pela ponte que mede mais que mil metros e em pouco entrávamos na cidade. As ruas largas e bem cuidadas estavam limpas, embora com reduzido movimento de veículos e pedestres. Não tardamos a conseguir acomodações no Hotel Avenida, um dos mais próximos do balneário, situado na mesma rua. Prédio antigo, com peças enormes e pé-direito muito elevado, tem o mérito de usar água mineral em todas as instalações, desde torneiras e chuveiros até a piscina. O proprietário, advogado militante durante muitos anos em outra cidade, o recebeu como herança e vem sustentando a tradição da família. É um gaúcho simpático e de boa conversa, com todas as entonações e cacoetes do linguajar regional. Logo nos tornamos bons amigos e levamos bons papos sentados nas cadeiras que formam roda diante do hotel nas horas mais frescas. Os dias eram quentes, o sol dardejava por horas a fio.

Prédio redondo, com três andares e uma piscina no centro, o balneário fica num parque bem preservado, com muitas árvores e jardins. Corre nas proximidades o rio do Mel, lajeado coberto por um túnel de mato, e que, com certeza, inspirou o nome primitivo da estância: Águas do Mel. Em torno da cidade há matas fechadas e a arborização das ruas e praças é admirável. Muitos fícus folhudos estão repletos de frutas que nascem nos troncos e galhos, muito apreciadas pelos macacos das matas próximas que vêm comê-las sem que sejam molestados. Os banhos de água e de lama podem ser tomados ao longo do dia e seus freqüentadores são numerosos. Contam-se casos de curas miraculosas.

Informam os moradores que a população urbana diminuiu de maneira sensível nas últimas décadas. Em busca de oportunidades, estudos e trabalho a migração foi maciça, deixando a impressão de uma cidade esvaziada, construída para população maior. A principal causa, acreditam eles, foi o fim das atividades do Cassino Guarani, que servia também como restaurante, clube, teatro e local de eventos, com a proibição do jogo. O prédio, edificado numa esquina, se estendia nos dois sentidos, com a entrada no vértice, e foi desfigurado em sucessivas reformas, o que provoca geral indignação. E o Cassino, que é presença destacada na crônica local e foi até objeto de tese universitária, é lembrado com saudade por quantos o conheceram. Funcionam na cidade sete hotéis, todos grandes, e aquele em que ficamos estava quase lotado. Pelo que observamos, os demais também tinham muitos hóspedes, indicando que a cidade continua recebendo turistas mesmo sem o jogo.

Os dias são calmos, com pouco trânsito e sem o menor indício de poluição. Nada de roncos, gritos, latidos, alarmes, sirenes, correrias ou cheiro de combustível. O ar é puro e leve. À noite, indo à sacada, deparei com a cidade banhada por um luar prateado que tudo iluminava. Nem um só perturbador do silêncio atrapalhava o repouso geral.

 

(10 de novembro/2007)
CooJornal no 554


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC