Enéas Athanázio
A CIDADE DAS ÁGUAS DO MEL
|
|
Numas andanças pelo Oeste, depois de visitar Chapecó, Palmitos e
Maravilha, decidimos ir até Iraí, no Rio Grande do Sul, um dos mais
antigos balneários termais da região, e onde eu não ia há muitos anos.
Cruzamos o rio Uruguai pela ponte que mede mais que mil metros e em pouco
entrávamos na cidade. As ruas largas e bem cuidadas estavam limpas, embora
com reduzido movimento de veículos e pedestres. Não tardamos a conseguir
acomodações no Hotel Avenida, um dos mais próximos do balneário, situado
na mesma rua. Prédio antigo, com peças enormes e pé-direito muito elevado,
tem o mérito de usar água mineral em todas as instalações, desde torneiras
e chuveiros até a piscina. O proprietário, advogado militante durante
muitos anos em outra cidade, o recebeu como herança e vem sustentando a
tradição da família. É um gaúcho simpático e de boa conversa, com todas as
entonações e cacoetes do linguajar regional. Logo nos tornamos bons amigos
e levamos bons papos sentados nas cadeiras que formam roda diante do hotel
nas horas mais frescas. Os dias eram quentes, o sol dardejava por horas a
fio.
Prédio redondo, com três andares e uma piscina no centro, o balneário fica
num parque bem preservado, com muitas árvores e jardins. Corre nas
proximidades o rio do Mel, lajeado coberto por um túnel de mato, e que,
com certeza, inspirou o nome primitivo da estância: Águas do Mel. Em torno
da cidade há matas fechadas e a arborização das ruas e praças é admirável.
Muitos fícus folhudos estão repletos de frutas que nascem nos troncos e
galhos, muito apreciadas pelos macacos das matas próximas que vêm comê-las
sem que sejam molestados. Os banhos de água e de lama podem ser tomados ao
longo do dia e seus freqüentadores são numerosos. Contam-se casos de curas
miraculosas.
Informam os moradores que a população urbana diminuiu de maneira sensível
nas últimas décadas. Em busca de oportunidades, estudos e trabalho a
migração foi maciça, deixando a impressão de uma cidade esvaziada,
construída para população maior. A principal causa, acreditam eles, foi o
fim das atividades do Cassino Guarani, que servia também como restaurante,
clube, teatro e local de eventos, com a proibição do jogo. O prédio,
edificado numa esquina, se estendia nos dois sentidos, com a entrada no
vértice, e foi desfigurado em sucessivas reformas, o que provoca geral
indignação. E o Cassino, que é presença destacada na crônica local e foi
até objeto de tese universitária, é lembrado com saudade por quantos o
conheceram. Funcionam na cidade sete hotéis, todos grandes, e aquele em
que ficamos estava quase lotado. Pelo que observamos, os demais também
tinham muitos hóspedes, indicando que a cidade continua recebendo turistas
mesmo sem o jogo.
Os dias são calmos, com pouco trânsito e sem o menor indício de poluição.
Nada de roncos, gritos, latidos, alarmes, sirenes, correrias ou cheiro de
combustível. O ar é puro e leve. À noite, indo à sacada, deparei com a
cidade banhada por um luar prateado que tudo iluminava. Nem um só
perturbador do silêncio atrapalhava o repouso geral.
(10 de novembro/2007)
CooJornal no 554