13/01/2007
Ano 10 - Número 511
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
SENSAÇÕES
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Retornando de uma viagem à Amazônia, duas sensações se confundem dentro de
mim. A primeira é um misto de surpresa e admiração diante da imensidão
deste país, suas riquezas e potencialidades, suas belezas e variedades. A
segunda é de desencanto pela forma predatória, irresponsável e destrutiva
como nossas coisas são tratadas, deixando a impressão de que praticamos
atos de pilhagem nos moldes do mais desumano colonialismo.
Todas as cidades que visitei estão mal cuidadas e, pelo que li nos
jornais, são vítimas da politicalha, com grupos rivais se digladiando na
luta pelos cargos. Ruas esburacadas, poeirentas, com lama e mato nas
sarjetas, material de construção nas calçadas. As árvores foram retiradas
sem dó e nem piedade, o que é lamentável em cidades amazônicas, provocando
o aumento da temperatura. O calor, em conseqüência, é de rachar catedrais,
como dizia Nelson Rodrigues. Não poderiam faltar as favelas, hoje
presentes em todas as cidades brasileiras. Multiplicam-se “os livres
acampamentos da miséria” de que falava João do Rio.
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, a célebre “ferrovia do diabo”, que
custou fortunas, centenas de vidas, suor e sofrimento sem conta,
provocando uma verdadeira literatura, está entregue ao mais completo
abandono. Locomotivas, litorinas, trilhos, vagonetes, ferramentas e
aparelhos diversos estão ao relento, vítimas da ferrugem e do vandalismo,
sob aquilo que foi, em tempos melhores, um imenso barracão. Outras
locomotivas são tomadas pelo mato. Tudo isso diante dos olhares
indiferentes da administração pública de todos os níveis. O museu de Porto
Velho está fechado, isso porque, segundo informações, o único funcionário
foi demitido. Tanto ele como a ferrovia se transformaram em redutos de
marginais de todos os calibres. É uma calamidade!
As estradas que ligam Porto Velho a Guajará-Mirim são inacreditáveis, uma
buraqueira infernal, e só a perícia e a paciência dos motoristas permitem
trafegar por ali. São um retrato perfeito da “já era FHC”, isto é, de um
país sem governo. Não se vê uma máquina trabalhando, um operário tapando
buracos – é o abandono puro e simples. Causa pena o sofrimento daquele
povo para transportar seus produtos ou mesmo para se deslocar à capital.
Pior ainda, chocante mesmo, é a devastação. Nesse percurso o panorama é
medonho. Florestas inteiras queimadas para darem lugar às pastagens, onde
troncos enormes permanecem em pé, com os galhos calcinados abertos como
braços implorantes. E o mais grave é que o resultado parece pífio, pois as
fazendas que vi são feias, mal-ajambradas e povoadas por um gadinho de
qualidade inferior. Muitos rios foram poluídos pelo garimpo, avistam-se
obras abandonadas e, no meio daquilo tudo, pobreza, pobreza e mais
pobreza. Uma gente que (sobre)vive de teimosa num Eldorado em processo de
destruição. Por cima de tudo, como o corvo de Edgar Allan Poe, crocita a
velha política brasileira, exercida em favor de poucos, decretando um
inexorável “nunca mais” ao futuro do Brasil.
Diante daquele espetáculo trágico, que não é exclusivo de lá, mas está
presente em todo o país, em todos os seus quadrantes, relembrei meus dias
de juventude e os companheiros de ideal. Contrariado, fui forçado a
reconhecer que eu passarei, como passaram tantos outros, sem ver
concretizado nosso sonho de um Brasil organizado, rico, eficiente,
independente, respeitado, administrado para o seu povo, onde ninguém
padecesse de fome, desabrigo, ausência dos serviços básicos indispensáveis
à elementar dignidade humana. Recordei, uma a uma, as fisionomias daqueles
sonhadores de ontem, risonhas e confiantes diante das palavras de Stefan
Zweig profetizando o Brasil do futuro. Hoje, espalhados por aí, eles
andarão, com certeza, taciturnos, tristonhos e angustiados com a realidade
escandalosa de nosso pobre país. Léo, Norton, Djalma, Abelardo, Raul,
Gonçalves, César, Júlio, Telmo, tantos e tantos outros, é duro admitir,
mas roubaram nossos sonhos!
(13 de janeiro/2007)
CooJornal no 511
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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