16/04/2024
Ano 27
Número 1.363





ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio



AMAZÔNIA: QUANDO AS BORBOLETAS DESAPARECEM


Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Nos meus dias de estudante a Amazônia constituía motivo de orgulho e objeto de intensa curiosidade. Em nossas mentes estava o sentimento subjacente de que tínhamos algo único e inigualável, a ser tratado como símbolo da própria pátria. Mas as coisas mudaram, a devastação e a pilhagem transformam tudo em cinzas e a mais bela floresta do mundo vai se tornando um pesadelo na alma nacional. Em viagens à região, nestes últimos anos, vi de perto a política de terra arrasada que lá se pratica. Agem como quem explora uma fazenda até o limite para depois abandoná-la e partir para longe.

Mesmo duvidando de que palavras possam alterar a situação, recebi dois livros a respeito da região, de gêneros diferentes, mas que merecem atenção de qualquer um que ainda se importe, por mínimo que seja, com o futuro do país. Trata-se de “A lenda do amor eterno”, romance de autoria da escritora paraense Sylvia Helena Tocantins, fechando uma trilogia de obras romanescas marajoaras (Edição IOESP – Belém – 2005) e “Natureza morta. História viva”, de Renato Ignácio da Silva, historiador e ficcionista, um dos grandes conhecedores do tema nos dias atuais (Edição Renig – S. Paulo – 2005). Ambos, de certa forma, se complementam e a leitura de um interfere na visão do outro. Cada qual em seu gênero, contribuem para revelar mais um pouco da terra e da gente de uma região que parece votada à destruição sem ter sido ao menos estudada.

Escritora de fôlego para o romance, Sylvia Helena viveu na Ilha do Marajó e a conhece muito bem, tanto nos aspectos geográficos, sociais e humanos, como também na colorida linguagem regional. É nesse meio grandioso, submisso à ditadura das águas e aos influxos naturais, que ela ambienta a história fascinante do amor que tudo vence, sobrepujando os obstáculos. Lá se desenrola, diluído com habilidade no texto, o panorama impressionante da maior ilha fluvial da Terra, com sua natureza invencível, espaços assustadores, horizontes inatingíveis, florestas, rios que parecem mares, animais, pássaros, répteis, insetos, flores. E em meio à natureza dominadora, o ser humano na sua luta pela vida, às vezes perplexo diante das adversidades e vítima dos mesmos sentimentos universais, mas que tudo enfrenta como pode, solitário e isolado na sua pequenez. Escrito com segurança, dominando o descritivo, o diálogo e a técnica romanesca, a autora agarra o leitor até o fim e mostra tudo que diz com o Marajó num romance que é, no fundo, um documento confiável e rico daquele recanto inigualável do país. A publicação desta obra constitui um marco nas letras amazônicas e precisa ser conhecida em toda parte.

Misto de história, ciência e ficção, o livro de Renato Ignácio é um ensaio absorvente sobre o mundo amazônico, conduzindo o leitor, de forma suave, ao entendimento do complexo sistema que desafia estudiosos de múltiplas áreas. Através de retratos de cientistas, pesquisadores, viajantes e observadores, ele mostra como as forças naturais agiram para cimentar a convivência num sistema interligado e cíclico tão poderoso na aparência mas tão frágil na realidade. Não é livro ambientalista radical, mas de alguém que criou uma consciência aguda das circunstâncias atuais da região e se inquieta com o futuro, cada vez mais visível e próximo, inclusive diante da recente estiagem. Além disso, imiscuindo-se nas narrativas, o folclore, as lendas, os casos, as experiências de vida, a fauna e a flora, a linguagem e a vida no mundo selvático. “Nenhum problema ambiental em nível mundial é tão grave quanto a devastação da floresta tropical amazônica – assegura ele. – Quando as borboletas desaparecem e os homens ficam cercados somente de moscas e mosquitos é sinal de que o homem e a natureza estão ameaçados...”

É um alerta aterrador de quem entende do assunto e que precisa ser encarado com seriedade por todos os brasileiros.


(06 de janeiro/2007)
RT, CooJornal nº 510


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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC



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